Acórdão nº 1508/15.9T9BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução13 de Julho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo n.º 1508/15.9T9BJA, da Comarca de Beja, foi proferida sentença em que se condenou o arguido A.

como autor de um crime de maus-tratos do art. 152º-A, n.º 1, als. a) e c) do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo: “1 – O arguido dada a prova produzida não se pode conformar com a douta sentença e nomeadamente com os factos considerados provados nos seus números: 6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,18,19 e 22.

2 – No que concerne ao facto 6 não corresponde à verdade que o arguido tenha obrigado o menor a ajudá-lo nos trabalhos rurais esporádicos, no Monte do Amorim. Como se pode constatar: 20170217095440_973 – duração 33,34- depoimento de AC: ao minuto 29,25 -o filho afirmou: “ia para não estar em casa” entre o minuto 30,10 e 30,30 – referiu que nunca carregou fardos sozinho, ajudava o pai e outro colega. ao minuto 30,40 – tentei saber nos últimos 6 meses quantas vezes foi ao campo, não conseguiu responder, depois perguntei e no último mês a resposta obtida foi “não me lembro”. Acresce que não existe qualquer referência ao peso dos fardos de palha, nem dos melões. É óbvio que segundo as regras da experiência comum e juízos de normalidade um jovem da sua idade não poderia carregar sozinho “fardos de palha”.

3 – Relativamente ao facto 7 e contrariamente ao que se considerou provado, o arguido matriculou o seu filho na Escola e nunca permitiu que faltasse as aulas. A expressão “filho da puta” foi dita em momentos em que o arguido não estava consciente, como de resto o seu filho reconheceu com a afirmação ao minuto 12,42 que ocorria quando “ estava bêbado”. O arguido não consegue entender qual o significado “das tarefas supra referidas”, serão as do facto 6? ou as que foram dadas como não provadas no nº.1? 4 – O AC contrariamente ao que foi considerado provado, no facto 8, convivia diariamente com o seus amigos e familiares. Tanto na sua residência como fora dela. Na realidade deslocava-se diariamente do Penedo Gordo (localidade onde residia) para a escola que frequentava em Beja, e nessa viagem convivia diariamente com colegas e amigos.

Após chegar a Beja e à escola, também tinha os seus amigos e o seu contacto era diário, durante várias horas, não só durante os tempos letivos, mas também no horário do almoço, uma vez que almoçava diariamente com vários colegas e amigos. Como se pode confirmar no seu depoimento ao minuto 4.40 - “Ia sempre à escola” e também ao minuto 4.45 - “Sempre fui à escola, há nisso ia sempre à escola”. A bicicleta não era nestas condições fator que pudesse impedir qualquer contacto, acresce que o meio em que vivia é muito pequeno, não necessitando da bicicleta para poder conviver com amigos, familiares e até com vizinhos. Por outro lado e como se pode confirmar através do depoimento da D. SM, o AC brincava diariamente na sua própria residência, com os seus amigos no quintal, uma vez que adorava brincar na lama. Ao minuto 8,43 – “brincava sempre com o G. iam todos para o quintal”.

5 – Como já se referiu anteriormente admite-se que devido à sazonalidade da anterior profissão do arguido, nos períodos em que este não conseguia exercer qualquer atividade profissional por fatores que não lhe podem ser imputáveis, a quantidade de alimentos disponível em casa fosse menor. É assim natural que os seus tios possam ter colaborado de alguma maneira dentro das suas possibilidades para minimizar estes períodos mais críticos. De qualquer forma forma o arguido recorreu a ajuda social e conseguiu que os jantares fossem fornecidos pela Casa do Povo, recorde-se que o AC almoçava diariamente na Escola.

6 – No que concerne ao factos 10 e 13, ambos inserem a expressão “Em data não concretamente apurada ...” Estes factos salvo melhor opinião devem ser considerados como não escritos. Porque a matéria apurada desta forma põe em causa os mais elementares direitos de defesa do arguido, incluindo a presunção de inocência e o princípio do contraditório (recorde-se que o arguido invocou o direito ao silêncio de forma muito condicionada, uma vez que na douta acusação (repetidas também na douta sentença) existem várias expressões vagas, obscuras, indeterminadas, que condicionaram fortemente a sua opção), devendo originar necessariamente a nulidade de sentença por falta de fundamentação, como de resto é reconhecido pela jurisprudência do STJ e Relações (nomeadamente a Relação do Porto e a Relação de Évora, nos acórdãos citados) de forma clara e insofismável.

7 – A mesma situação ocorre nos factos 11,12,14,15 e 16. Na realidade as expressões empregues na douta acusação e repetidas na douta sentença, ou sejam: - “ nunca cuidou...” - “nunca preparou...” “… levava por vezes ...” (apurado de forma contraditória) - “Frequentemente...” - “ Em março ou abril de 2015 ...” -” Sempre que ...” salvo melhor opinião além de limitarem e condicionarem de forma irreparável os direitos do arguido, também não foi apurado o número de vezes em que eventualmente possam ter ocorrido os factos de que é acusado, sendo que neste tipo legal esse apuramento conjuntamente com a indicação concreta dos factos, localizada no tempo e no espaço, seria ainda mais imprescindível e com um grau de exigência superior atendendo à amplitude do tipo penal, de acordo com a jurisprudência já citada.

Foi violado o nº. 3 do artº. 283º. do C.P.P. O AC certamente que quando se deslocava para a escola não utilizava a mesma roupa que tinha usado na tarde anterior nas brincadeiras no quintal (adorava brincar na lama) com os seus amigos, conforme depoimento da testemunha SM com a expressão “ a roupa era outra”, ao minuto 6,39 e antes de chegar à escola tinha que utilizar o transporte diariamente contactando várias pessoas, se se desloca-se “sempre sujo” teria certamente chamado à atenção de alguém, o que não sucedeu, nem na utilização do transporte, nem na própria escola. Por outro lado o menor com 14/15 anos já tem certamente perfeita autonomia de cuidar da sua própria higiene diária, sem qualquer dependência do seu pai ou outra pessoa. As roupas que utilizou no Penedo Gordo e quando se deslocava diariamente para a Escola em Beja, durante o curto período que esteve a viver com o pai, já tinham sido utilizadas também na Amadora, na residência da D. MF (enquanto lá viveu) e tinha roupa de verão e de inverno como é lógico. Como se pode comprovar nas declarações do ofendido entre os minutos 21,00 e 21,40, admitindo inclusivamente que no inverno os cafés fechavam mais cedo, com a referência a três horários, “10,30 h, 11,00 h, meia noite, por ai” e que saiam dos cafés meia hora ou uma hora antes de fecharem. E para além da cerveja sem álcool também ingeria sumos, conforme afirmou, ao minuto 28,15. Sendo certo que nunca faltou às aulas Recorde-se que ao minuto 12,00 o ofendido referiu que o pai lhe dizia “a Olinda não é minha filha a tua mãe traiu-me “Por outro lado a expressão “puta” ou “putas” era proferida nos momentos em que o arguido se encontrava inconsciente e embriagado, como foi reconhecido pelo ofendido, ao minuto 12,42.

8 - A “criança” na altura em que veio viver com o seu pai para o Penedo Gordo em 27 de novembro de 2014, tinha a idade de 14 anos e completou 15 anos em 5 de março de 2015, convenhamos que já não estamos propriamente na presença de uma “criança” mas sim de um jovem. Terá necessariamente tal como os jovens da mesma idade algum grau de autonomia e uma menor dependência dos pais. Certamente que já faria a sua higiene diária sozinho e de forma autónoma sem necessitar obviamente de qualquer intervenção do seu pai. No que concerne à alimentação, almoçava diariamente na escola que frequentava, sendo que devido a algumas dificuldades relacionadas com a anterior profissão do seu pai, de trabalhador agrícola e à inerente sazonalidade da profissão, não existia trabalho ao longo de todo o ano, por essa razão o arguido recorreu a ajuda social para si e o seu filho e os jantares eram fornecidos pela Casa do Povo.

Nestas condições admite-se que quando o arguido tinha trabalho a quantidade de alimentos que havia em casa seria maior do que nas alturas em que por fatores externos não conseguia desenvolver qualquer atividade, mas o seu filho nunca deixou de ter alimentação em casa, para além dos almoços na escola e dos jantares fornecidos na Casa do Povo.

9 - O arguido tal como se encontra provado, era um trabalhador agrícola (na data da prática dos factos), praticamente sem instrução, sempre procurou de acordo com os seus parcos conhecimentos e as suas especificas condições sócio-económicas o melhor para o seu filho. Não tem consciência da eventual prática de qualquer ilícito. Nunca agrediu fisicamente o seu filho. Eventualmente as expressões proferidas de “puta” ou “putas” para além de terem sido proferidas em momentos de inconsciência, podem ter resultado de erro do próprio arguido, uma vez que o mesmo tem dúvidas de ser o pai de Olinda. Aliás o seu comportamento e a sua eventual culpa até podem ser excluídas pela falta de consciência da ilicitude não censurável, prevista no artº. 17º. nº. 1 do C.P., se atender-mos as suas condições específicas, ao meio em que vive, a sua mentalidade, ao seu grau de instrução e à sua profissão.

10 - A nulidade invocada de excesso de pronúncia, no apuramento do facto 22, engloba-se no disposto na alínea c) do nº. 1 do artº. 379º. do C.P.P. que dispõe: “É nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. E origina nulidade de sentença.

Acresce que nos termos do nº. 2 do referido artigo, é de conhecimento oficioso.

11 – O comportamento do arguido, dadas as condições específicas, a sua situação sócio-económica, a ausência de trabalho regular (na altura da prática dos factos), o meio ambiente, a sua mentalidade e o fraco nível de instrução, salvo melhor opinião...

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