Acórdão nº 759/15.0T8BNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução28 de Junho de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.

AA, Unipessoal, Lda.

, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, peticionando o pagamento da quantia de € 25.610,13, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 22.07.2014, e que ascendem a €1.024,40.

  1. Alegou para o efeito, em síntese: - que no decurso da sua actividade financeira teve necessidade de estabelecer relações financeiras com a Ré, designadamente através de conta bancária e recurso a crédito; - que, em 12 de Abril de 2014, recorreu ao Processo Especial de Revitalização, tendo o despacho a que alude o art.º 17.º - C, n.º 3, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, sido proferido em 14 de Abril de 2014; - que o plano de recuperação foi aprovado pelos credores, onde se inclui a Ré, tendo sido homologado por sentença transitada em julgado; - que a R. sempre teve conhecimento da existência do Processo Especial de Revitalização, como decorre da carta datada de 07 de Maio de 2014; - mas, em data posterior (em 22 de Julho de 2014), por sua iniciativa, a R. decidiu, apoderar-se da quantia de € 25.610,13, retirando-o da conta bancária da A., não a tendo devolvido, apesar de interpelada para esse efeito pelo Administrador Judicial Provisório.

    Concluiu, assim, que a R., ao retirar a referida quantia da conta da A., que estava aprovisionada para pagamento a todos os credores em cumprimento do plano aprovado e homologado, colocou em causa o cumprimento do plano, beneficiando-se a si própria em detrimento dos demais credores.

  2. Contestou a R. referindo estar em causa um contrato de mútuo e fiança, datado de 22 de Janeiro de 2014, no valor de €180.000,00, que a A. se obrigou a reembolsar em 8 prestações mensais e sucessivas. A primeira das referidas prestações vencer-se-ia um semestre após a data da celebração do contrato, em 22 de Julho de 2014, no valor de € 25.981,73. Já na pendencia das negociações, entre credores e a autora, mas antes da homologação do plano, venceu-se a primeira prestação semestral, tendo a mesma sido cobrada.

    Acrescentou ainda que o Processo Especial de Revitalização, contrariamente à insolvência, não tem qualquer efeito nos negócios em curso, sendo a cobrança legítima, concluindo pela sua absolvição do pedido.

  3. Foi designada audiência prévia, tendo na mesma as partes tido conhecimento que o Tribunal iria proferir sentença, sem necessidade de produzir mais prova, e concedida a oportunidade de se pronunciarem quanto à matéria de facto e de direito.

    Após, foi proferida a sentença que consta de fls. 77 a 83v. (ref.ª 70799553), na qual se decidiu julgar procedente a presente acção e, em consequência, condenar R. BB, a repor na conta de depósitos à ordem da A. AA, Unipessoal, Lda., com o n.º ..., o valor de € 25.610,13, acrescido de juros de mora, à taxa de juros civis, desde 22.07.2014, e até à efectiva reposição.

  4. Inconformada interpôs a R. o presente recurso, pedindo a revogação da sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das respectivas conclusões]: 1.ª Mediante Contrato de Mútuo e Fiança celebrado em 22-01-2014, a ora Recorrente concedeu à Autora um empréstimo no montante de €180.000,00, tendo esta se obrigado a reembolsar a referida quantia em 8 prestações semestrais, constantes e sucessivas, de capital e juros, vencendo-se a 1ª prestação um semestre após a data do contrato.

    1. Tendo sido convencionado que todos os pagamentos a que a Autora se obrigou seriam efectuados através da conta de depósitos à ordem n.º ..., que a Autora também se obrigou a manter provisionada, tendo esta autorizado desde logo a Recorrente a debitar as prestações, cobrando-as nos termos acordados.

    2. Antes do prazo de vencimento da primeira prestação, a Autora manifestou o propósito de dar início a um PER (em 12-04-2014).

    3. Tendo a Recorrente, por carta datada de 07-05-2014, manifestado a intenção de participar nas negociações a encetar entre a Autora e os seus credores.

    4. Na pendência de tais negociações, mas previamente à homologação do plano de recuperação (que veio a acontecer em Novembro de 2014), venceu-se a primeira prestação semestral do contrato (em 22-07-2014), tendo a mesma sido cobrada, em escrupuloso cumprimento das condições anteriormente convencionadas e plenamente em vigor.

    5. De forma perfeitamente legítima, previsível e conhecida da Autora.

    6. Entende a ora Apelante que: i) a sua actuação não ofendeu nem violou os anteditos princípios orientadores; ii) não se trata aqui de um ato de especial relevo tal qual o mesmo vem previsto no art. 161º, aplicável ex vi o art. 17º-E, ambos do CIRE; iii) não se provou a alegada impossibilidade ou dificuldade acrescida de recuperação da devedora, da continuação da sua actividade económica e do cumprimento do plano.

    7. Desde logo, o despacho de admissão do requerimento apresentado pelo devedor e o despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório (AJP) desencadeiam um conjunto de efeitos processuais e substantivos, com vista à obtenção de um acordo que permita a revitalização do devedor.

    8. Porém, não desencadeia muitos dos efeitos do processo de insolvência, designadamente não produz efeitos sobre os negócios em curso (art. 102º ss do CIRE).

    9. Diferentemente do disposto no art. 102º do CIRE, no decurso do PER, os contratos bilaterais não se suspendem, não podendo o devedor nem o AJP optar pela recusa do cumprimento ou pela resolução.

    10. Circunstância que, julga-se, não parece ser afastada ou estar em contradição com o disposto nos art. 17º-D, n.º 10 e 17º-E, n.º 2, ambos do CIRE, conforme defende o Tribunal a quo.

    11. Relativamente aos princípios a que se alude na Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011, não pode a Recorrente concordar com a tese de que a cobrança de uma prestação, na data do seu vencimento, nos termos contratualmente previstos, em momento prévio à aprovação do plano de recuperação, colida com os princípios elencados, designadamente, e no que aqui interessa, orientadores da conduta dos credores.

    12. No entender da Recorrente, atendendo ao tempo e modo como a prestação/semestralidade foi cobrada, resulta a mesma legalmente admissível, porque a coberto da previsão de um contrato em curso, na plenitude dos seus efeitos.

    13. Não se concedendo nem sequer se vislumbrando o fundamento para considerar ter existido, sem mais, uma quebra do princípio da boa-fé e da cooperação nos termos consagrados na aludida Resolução.

    14. Também não pode a Recorrente conformar-se com o argumento do Tribunal a quo segundo o qual: “considerando o pagamento que estava em causa, entendemos que, seria um acto, que a partir da A., ou seja, se a R. não estivesse autorizada a movimentar tal valor, estaria sempre dependente de autorização do Administrador, exactamente pelas repercussões no património da A.” 16.ª De acordo com a previsão legal, expressa no art 161º do CIRE, na qualificação de um ato como de especial relevo atende-se aos riscos envolvidos e às suas repercussões sobre a tramitação ulterior do processo, às perspectivas de satisfação dos credores da insolvência e à susceptibilidade de recuperação da empresa.

    15. Entende a Recorrente que nada se comprovou, absolutamente nada, que permita aferir dos eventuais riscos envolvidos, das repercussões sobre a tramitação ulterior do processo, a afectação das perspectivas de satisfação dos credores ou da susceptibilidade de recuperação da empresa, decorrentes da cobrança em questão.

    16. Não se encontra suporte probatório nos autos, não há nenhuns elementos que permitam concluir que tal acto tenha acarretado qualquer prejuízo, efectivo ou potencial, para os outros credores e para a própria devedora.

    17. Sendo também que a situação em concreto não cabe no elenco exemplificativo contido no n.º 3 do art. 161º do CIRE.

    18. De referir ainda que, com este pagamento, no montante de € 25.610,13, a devedora e os restantes credores viram o passivo a liquidar nos termos do plano ser reduzido em idêntico montante, circunstância que, em última instância, a todos beneficia, e, como tal, não parece haver aqui o alegado (pela Autora) despudorado e ilícito favorecimento de credores.

    19. O mesmo raciocínio será de aplicar ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo segundo o qual esta cobrança/amortização favoreceu de algum modo a Recorrente enquanto credora, ou que inviabilizou a possibilidade de a Autora prosseguir a sua actividade e, consequentemente a sua recuperação económica, colocando deste modo em causa a finalidade do PER.

    20. Contrariamente ao alegado pela Autora, a Ré não decidiu unilateralmente apoderar-se da quantia de €25.610,13 depositados na conta de depósito à ordem...

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