Acórdão nº 60/08.6TBBJA-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECCÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORAI.

Relatório Nos presentes autos de inventário a que se procede para separação das meações, na sequência do divórcio, por mútuo consentimento, que dissolveu o casamento, celebrado, segundo o regime e comunhão de adquiridos, entre os interessados, G... e M..., a interessada apresentou reclamação à relação de bens, no que tange às verbas descritas no passivo sob os nº 132 a 155, tendo, para tanto, alegado que não aceita a responsabilidade no pagamento das mesmas, só podendo a sua co-responsabilidade no pagamento das mesmas ser-lhe exigida a partir da data do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio entre os interessados, sendo que no que concerne à verbas n.ºs 141 e 144, entende nada ter que pagar uma vez que foram efectuadas em benefício exclusivo do cabeça de casal e revestem carácter voluptuoso.

Por despacho proferido no dia 9 de Abril de 2010, foi decidido que, discutindo-se valores, a sede própria é a conferência de interessados.

Na conferência de interessados, realizada no dia 7 de Março de 2014, foi proferido o seguinte despacho: ”Na relação de bens constam as verbas n.º 132 até 155 como passivo, sendo certo que todas elas se tratam de créditos que o cabeça de casal alega deter sobre a interessada M....

Nos termos do art.º 1345.º do CPC, os direitos de crédito devem ser relacionados de forma autónoma.

Assim, proceda-se à rectificação da relação de bens em conformidade, relacionando aquelas verbas no seguimento da verba n.º 4.

O cabeça-de-casal vem reclamar da interessada o pagamento de metade das quantias que despendeu com a amortização dos créditos bancários que constituem o passivo e demais despesas com a conservação dos imóveis, já que as suportou na íntegra.

Por seu turno a interessada alega que a sua responsabilidade no pagamento daquelas quantias só lhe pode ser exigida a partir da data do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio.

Conforme decorre do art.º 1789.º do Cod. Civil, os efeitos do divórcio retroagem ao momento da separação de facto entre os cônjuges, o que ocorreu em Julho de 2004, conforme resulta da sentença, cuja cópia se mostra junta aos autos, a fls. 56 e ss.. Tal disposição legal pretende salvaguardar designadamente as relações patrimoniais entre os ex-cônjuges, ficcionando-se que nomeadamente para efeitos patrimoniais o divórcio ocorreu à data da separação.

Assim sendo, assiste razão ao cabeça-de-casal que é credor de metade das despesas que suportou com os imóveis que constituem parte do activo.

Essa circunstância será oportunamente levada em conta para efeitos de partilha.

Notifique.” (…)” Não se conformando com o assim decidido, apelou a interessado, rematando as suas alegações com as conclusões seguidamente transcritas: 1. O douto despacho recorrido adoptou o entendimento de que os efeitos patrimoniais do divórcio retroagem ao momento da separação de facto entre os cônjuges; 2. Entendeu-se que a separação ocorreu em Julho de 2004, com base no que consta da sentença proferida nos autos de regulação do poder paternal do filho menor do cabeça de casal e da aqui recorrente; 3. Todavia, conforme decorre das normas dos nºs 1 e 2 do art. 1789º, os efeitos patrimoniais do divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção, salvo se, estando a separação de facto provada no processo, qualquer dos cônjuges requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data, que a sentença terá de fixar, em que a separação tenha começado; 4. Nos presentes autos, procede-se à partilha do património comum do ex-casal, subsequente ao divórcio, divórcio que, tendo sido requerido sob a forma litigiosa, veio a ser convolado em divórcio por mútuo consentimento.

  1. A possibilidade de fazer retroagir os efeitos patrimoniais do divórcio à data da separação de facto só no divórcio litigioso pode ocorrer.

  2. E depende de um conjunto de requisitos, quais sejam: a data da separação de facto tem de estar provada no processo de divórcio; qualquer dos cônjuges haja requerido que os efeitos do divórcio retroajam a essa data, que tal data seja fixada na sentença que decreta o divórcio.

  3. Não é, manifestamente, o que se verifica nos autos: o processo de divórcio, tendo-se iniciado sob a forma litigiosa, foi convolado em processo de divórcio por mútuo consentimento, tendo sido decretado sob essa forma; não está provada autos do divórcio a data da separação de facto, nem a sentença a fixou; nenhum dos cônjuges requereu que os efeitos do divórcio retrotraíssem à data da separação de facto.

  4. É pois, evidente que o divórcio que dissolveu o casamento entre o cabeça de casal e a aqui recorrente produz os seus efeitos os patrimoniais à data da proposição da acção de divórcio.

  5. Não é lícito, para estes efeitos, fazer apelo ao que consta de quaisquer outras decisões judiciais 10. O douto despacho recorrido violou as normas dos nºs 1 e 2 do art. 1789º do Código Civil.

    Termos em que deve o presente recurso merecer provimento, sendo o douto despacho recorrido revogado, e substituído por outro que fixe na data de proposição da acção de divórcio a data de produção dos efeitos patrimoniais do divórcio decretado entre o cabeça de casal e a aqui recorrente, com o que se fará a almejada justiça.” O recorrido contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

    1. No modesto entendimento do recorrido, o douto despacho proferido pelo tribunal “ quo” não é merecedor de qualquer reparo.

    2. A tese aqui defendida pela recorrente, ainda que prevalecesse, o que não se concede, sempre admitiria excepções, como seja o caso do instituto do abuso de direito.

    3. Nos termos do artigo 334º do código civil, o abuso de direito traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

    4. O conceito de boa-fé constante do artigo 334º do código civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica “que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos” – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pags. 104-105.

    5. A conduta assumida pela recorrente, reconduz-se sem margem para dúvidas a uma situação de manifesto e consciente abuso de direito.

    6. Com efeito, a recorrente, ao longo destes últimos 10 anos, em clara, consciente e manifesta violação de todos os princípios da boa-fé e dos bons costumes, tem vindo a usufruir do activo do património comum recusando-se ostensivamente a contribuir para o pontual cumprimento das obrigações assumidas pelo património comum e que constituem o seu passivo.

    7. Tal situação, “obrigou” o recorrido, a assumir sozinho e integralmente as obrigações do património comum perante as instituições bancárias e outros, sob pena de também a ele próprio lhe serem assacadas responsabilidades pelos eventuais incumprimentos.

    8. Como é evidente, o assumir destas responsabilidades relativas ao património comum, geraram no recorrido, a legitima expectativa de em sede de inventário e nomeadamente da partilha, vir a ser ressarcido dos valores que suportou em excesso na amortização do passivo do património comum.

    9. Não obstante, a recorrente não só não assumiu a sua quota-parte de responsabilidade no pagamento atempado do passivo do património comum, como se recusa agora a ressarcir o recorrido dos valores que este despendeu em excesso para amortização do passivo daquele património.

      J) Verifica-se portanto que a recorrente, de forma desleal, pretende partilhar o activo em partes iguais, mas já não pretende fazê-lo relativamente ao passivo, procurando desde sempre “empurrar” as responsabilidades financeiras para o recorrido e, apoiando-se em teses jurídicas generalistas, eximir-se ao cumprimento das suas obrigações perante o património comum, em claro prejuízo do cabeça de casal.

    10. Evidencia-se assim “in casu”, que a recorrente excedeu manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, frustrando as legitimas expectativas do recorrido, devendo por isso, nos termos do artigo 334º do código civil, considerar-se ilegítimo e abusivo o exercício do direito que aquela pretende fazer valer com a fundamentação das suas alegações de recurso.

    11. Não é ilícito o pedido de retroação dos efeitos do divórcio à data da separação de facto, mesmo despois da sentença e em incidente autónomo, veja-se a este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-10-2013 – Processo n.º 2073/11.1TBGMR.G1 e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-04-2006 – Processo n.º 689/06, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

    12. Por identidade de razão, e tendo em consideração que o n.º 2 do artigo 1789.º do...

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