Acórdão nº 1860/08.2TBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA ARAÚJO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora: A... e B... propuseram contra V..., Lda.

acção declarativa constitutiva, tendente à anulação das deliberações tomadas na reunião da Assembleia Geral de 23 de Julho de 2008 da sociedade ré, que aprovaram:

  1. A ratificação das remunerações dos gerentes auferidas até 23.07.2008; b) As remunerações dos gerentes a vigorar a partir de 01.08.2008; e c) A chamada de prestações suplementares.

Alegaram, em síntese, que: são sócios da ré e expressaram, na dita reunião, os seus votos contra; da ordem de trabalhos constante da convocatória para a assembleia em causa não fazia parte a ratificação de remunerações anteriormente auferidas pelos gerentes, as concretas remunerações que seriam submetidas à votação, os precisos valores das prestações suplementares e as razões da respectiva necessidade; a primeira deliberação visava desresponsabilizar os gerentes pelo facto de se terem auto-atribuído determinadas remunerações e, por isso, não deveriam os sócios-gerentes ter sido admitidos a votar; a 3ª deliberação visava repercutir sobre os demais sócios a responsabilidade dos gerentes pela prestação de garantias a terceiros, pelo que os sócios-gerentes não poderiam ter votado; a 3ª deliberação também visava possibilitar a futura exclusão dos autores, caso não satisfizessem as prestações suplementares, sendo certo que a situação financeira da sociedade não justificava a exigência dessas prestações.

A ré contestou, invocando, em resumo, que: é uma sociedade de cariz bi-familiar, pelo que funcionou sempre de modo informal e sem que das actas das reuniões das assembleias gerais constassem diversas deliberações efectivamente tomadas por unanimidade; foi o caso das remunerações dos gerentes, que os autores sempre votaram favoravelmente, que sempre foram incluídas nas contas da ré e que aqueles bem sabiam existir desde há duas décadas; e foi o litígio desencadeado pelos autores que justificou a deliberação de ratificação; o sócio-gerente não está impedido de votar a sua própria remuneração e, muito menos, a remuneração do outro sócio-gerente; a exigência de prestações suplementares correspondeu a uma efectiva necessidade de liquidez por parte da ré, confrontada com a obrigação de pagamento de um financiamento bancário; a circunstância de, mercê desse pagamento, ficarem os sócios-gerentes libertos das garantias prestadas não os impedia de votar a proposta; a convocatória para a reunião da assembleia geral preenche os requisitos legais; mas, ainda que de alguma irregularidade padecesse, a mesma estaria sanada, uma vez que na reunião estiveram presentes todos os sócios, que participaram na votação. Concluindo pela sua absolvição do pedido, a ré requereu a condenação dos autores como litigantes de má-fé, estimando a indemnização em 10.000,00€ e impugnou o valor da causa, oferecendo, em substituição o de 252.000,00€.

O tribunal fixou o valor da acção em 828.951,96€.

Dispensada a audiência preliminar, o processo foi objecto de saneamento e condensação.

Instruída a causa, nomeadamente com prova pericial, e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que absolveu a ré dos pedidos, mais considerando não terem os autores litigado de má-fé.

Os autores interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: 1.ª Ao elencar a matéria de facto assente, o Tribunal a quo desconsiderou que, por despacho de 08.11.2011, deferiu parcialmente a reclamação e, em consequência, alterou a redacção das als. T), U), V), CC) e DD) da matéria assente, para além de ter eliminado o n.º 7 da base instrutória (adiante “b.i.”), pelo que, ainda que por lapso, o Tribunal a quo violou o preceituado no art. 613.º, n.ºs 1 e 3, do NCPCv, e cometeu a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º, também do NCPC, por excesso de pronúncia; 2.ª Se assim não se entender, o que apenas como hipótese se refere, sem conceder, a decisão sobre a matéria de facto assente deve sempre ser alterada, nos termos do preceituado no art. 662.º, n.º 1, do NCPCv; 3.ª Na selecção da matéria de facto, e em particular no que toca à 3.ª deliberação, o Tribunal apenas levou à base instrutória os factos essenciais, alegados pelos autores, que integravam a respectiva causa de pedir – abuso de direito por, com a referida deliberação, os sócios gerentes pretenderem prejudicar outros sócios, os autores, e pretenderem obter para si vantagens especiais -, e não quaisquer factos instrumentais ou complementares, também alegados; 4.ª Ora, nos termos do art. 5.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCv, incumbe às partes alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as excepções invocadas, mas devem ainda ser considerados pelo juiz «os factos instrumentais que resultem da instrução da causa» e «os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar», para além dos factos notórios e de conhecimento oficioso do tribunal; 5.ª Porém, a análise da decisão sobre a matéria de facto revela que o Tribunal descurou completamente toda a prova produzida sobre factos alegados pelas partes, mas considerados como instrumentais e que, por isso, não foram levados à matéria de facto assente nem à base instrutória, pelo que, ao fazê-lo, não só violou o preceituado no citado art. 5.º do NCPCv, como incorreu em erro ao responder à matéria perguntada nos n.ºs 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12 e 16 da b.i., por errada valoração da prova produzida nos autos, designadamente documental, pericial (que teve por objecto, precisamente, a prova de factos qualificados pelo Tribunal como instrumentais) e testemunhal, devendo, em consequência, ser alterada a referida decisão, nos termos do preceituado no cit. art. 662.º do NCPCv; 6.ª Com efeito, e conforme melhor se alegou nos n.ºs 2.24 a 2.34 antecedentes, a prova documental (mormente os balancetes de Junho, Julho e Setembro de 2008) e a prova pericial (2.ª perícia), conjugadas com os esclarecimentos dos senhores peritos e o depoimento da testemunha MC... comprovam inegavelmente que não havia nenhum empréstimo do BPI de € 250.000 a vencer-se dia 15 de Setembro, antes resulta do balancete de Junho de 2008 que, a 30 de Junho de 2008, apenas havia um empréstimo no Banco BPI, que teria sido concedido pelo montante de € 409.531,09 e à data se encontrava em dívida pelo montante de € 347.125,38, e que no final desse mês a ré, ora recorrida, tinha em caixa e bancos € 147.697,54; 7.ª Por seu turno, da análise do balancete de Julho de 2008 resulta que nesse mês a sociedade ré obtém do BPI um novo empréstimo de € 500.000,00 (empréstimo BPI/IFADAP), que foi de imediato utilizado, em parte para amortizar o empréstimo que já vinha de Junho (que passou a apresentar um saldo de € 97.125,38) e na outra parte para amortizar o próprio empréstimo BPI/IFADAP, que, por isso, no final do mês apresentava um saldo de € 250.000,00, tendo a ré terminado o mês de Julho com disponibilidades em caixa e bancos de € 90.978,01; 8.ª Também ficou provado que nem durante o mês de Setembro, nem até ao final do ano de 2008, foi efectuada qualquer amortização do pretenso empréstimo de € 250.000,00 do BPI, não obstante a 31 de Dezembro de 2008 a sociedade ter, em caixa e depósitos bancários, € 494.216,50 (muito longe, portanto, de uma situação de graves problemas de liquidez); 9.ª Igualmente resultou da instrução (citados balancetes, conjugados com o factos constante da al. EE) da matéria assente, o relatório da 2.ª perícia e os esclarecimentos dos senhores peritos, conforme melhor se alegou nos n.ºs 2.35 a 2.38 antecedentes) a infirmação de que as prestações suplementares eram a alternativa de financiamento a adoptar pela ré por, à data da deliberação, isto é, 23 de Julho de 2007, quer a situação económica da ré, quer as condições de mercado, pretensamente já afectadas pela crise internacional (que se despoletou em Setembro de 2008…) indiciarem ser difícil e desaconselhável o recurso a crédito bancário, uma vez que se provou que a situação económica e financeira da ré no triénio 2005/2007 era sólida, não se justificando qualquer reforço de capitais próprios, e ainda que, não só em Julho de 2008 a ré obteve um novo financiamento através do BPI, no montante de € 500.000,00, o empréstimo BPI/IFADAP, como logo em Setembro foi aprovado em Assembleia Geral, sob proposta da gerência, a contracção de um novo financiamento bancário pelo montante de € 500.000,00, o que significa que, afinal, a gerência não considerava o recurso a capitais alheios, bancários, como uma opção má, difícil ou desvantajosa; 10.ª Por último, e tal como se relevou nos n.ºs 2.39 a 2.43 antecedentes, ficou também demonstrado, face aos balanços analíticos dos anos de 2001 a 2008 (docs. de fls. 428, 522, 542, 600 e 942), conjugado com os depoimentos das testemunhas OG... e MC..., que, pelo menos desde 2004 (e, pelos vistos, até hoje), apesar do aumento enorme na atividade da ré (e, portanto, das suas necessidades de tesouraria), os sócios nunca foram chamados a entrar com qualquer importância na sociedade, quer através de suprimentos quer através de prestações suplementares, o que revela a singularidade da deliberação de chamada de prestações suplementares sub judice; 11.ª Tendo, assim, resultado da instrução a prova de todos os relevados factos instrumentais, fica demonstrado à saciedade que a deliberação de chamada de prestações suplementares sub judice não teve, de modo algum, como fundamento e objectivos os que a gerência invocou e ficaram a constar da respectiva acta, isto é, suprir um problema de tesouraria da ré para lhe permitir proceder ao pagamento de um empréstimo de € 250.000,00 contraído junto do BPI e que teria de ser pago até 15 de Setembro de 2008, por, ponderando a situação económica da sociedade e as condições de mercado à data, não ser alegadamente vantajoso recorrer a novo crédito bancário; 12.ª Ora, se não eram...

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