Acórdão nº 57/13.4EAEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. 57/13.4EAEVR.E1 Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal da Comarca de Beja (Cuba, Instância Local, Secção de Competência Genérica, J1) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 57/13.4EAEVR, no qual foi julgada a arguida BB (…) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punível pelo artigo 108 n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, com referência aos artigos 1, 3 n.º 1 e 4 n.º 1 alínea g) do referido diploma.

A final veio a ser condenada - pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punível pelo artigo 108 n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, com referência aos artigos 1, 3 n.º 1 e 4 n.º 1 alínea g) do mesmo diploma - na pena de 2 meses de prisão, correspondente a 60 dias, que se substitui por igual número de dias de multa, e de 40 dias de multa, ou seja, na pena única de 100 dias de multa, à razão diária de €7,00, perfazendo um total de € 700,00.

--- 2. Inconformada com tal decisão, recorreu a arguida, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa à recorrente em sede de factualidade tida como provada, relativamente à exploração, criminalmente punível, da máquina em causa nos autos, entende modestamente aquela que, ao contrário do decidido na douta sentença sob recurso, não se poderia ter concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa quanto a uma tal máquina.

  1. A máquina em causa nos autos não pagava diretamente prémios em fichas ou moedas e não desenvolve um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que a única diferença substancial para a máquina objeto de fixação jurisprudência pelo STJ, no seu douto acórdão n.º 4/2010, prende-se com o modo de funcionamento, elétrico ou mecânico, sendo os jogos substancialmente idênticos e em nada dependendo da perícia ou destreza, podendo os prémios, a final, ser eventualmente convertíveis em dinheiro.

  2. Aquela jurisprudência fixada tem aplicação no caso concreto destes autos, porquanto, o que está em causa não é uma qualquer imposição de jurisprudência, por serem então iguais as máquinas em apreço (porque efetivamente não o são), mas sim o espírito e pensamento por trás de tal jurisprudência e o facto de tal permitir então a qualificação de máquinas como a dos autos como não sendo máquinas destinadas à prática de jogos de fortuna ou azar.

  3. Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efetivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo), cuja exploração a tais zonas se limita.

  4. Ainda que mais não seja, por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar (sem um qualquer pagamento direto de prémios e/ou atribuição de fichas, logo, sem toda a “envolvência” dos denominados jogos de casino), a que acresce o facto de os valores despendidos com o mesmo serem de pouca relevância e não suscetíveis de lesarem uma qualquer família ou património.

  5. Além de que o mesmo não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta eletrónica, pois que, para além do valor “apostado” não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, ao contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino, tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas ou mesmo um qualquer dobrar de apostas.

  6. Na medida em que, e conforme melhor resulta da factualidade provada, ainda que seja possível utilizar uns quaisquer pontos ganhos, tal utilização é limitada a 1 (um) ponto de cada vez, o qual concede então o direito a 2 (duas) jogadas, inexistindo, por isso, a compulsividade dos denominados “jogos de casino” e a possibilidade de “tudo ganhar” ou “tudo perder”, pois que não é de todo possível arriscar de uma só vez todos os pontos eventualmente acumulados.

  7. Sendo que o valor pago não é uma qualquer aposta, mas apenas um “preço” da jogada, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio a obter é fixo e pré-determinado (cfr. neste sentido, acórdãos do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in www.dgsi.pt, e do Venerando Tribunal da Relação de Évora de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277).

    I. Sendo que, tendo por base e fundamento a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto acórdão n.º 4/2010 (proferido no Processo n.º 2485/08 e publicado na 1.ª Série, n.º 46, do DR de 08 de março de 2010), sempre se questiona a recorrente quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objeto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso eletrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico.

  8. Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.5FDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais, por sua vez, o jogo era absolutamente similar ao desenvolvido pela máquina ora em causa), entendeu que máquinas como a ora em causa nos presentes autos não consubstanciam a prática de um qualquer jogo de fortuna ou azar.

  9. Porquanto, concluiu desde logo aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadram num mecanismo em que os prémios se encontram previamente definidos».

    L. Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto acórdão, mesmo «as modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma “mera” contra-ordenação, conforme preceituado no art.º 163.

  10. Pois que, conclui então aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar, até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13 da Constituição da República».

  11. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010 e, bem assim, nos doutos acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, doutos acórdãos desta Veneranda Relação de Évora de 31.05.2011 e 10.05.2016, douto acórdão da Veneranda Relação de Lisboa de 01.06.2011, bem como doutos acórdãos da Veneranda Relação do Porto de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015, está em crer modestamente a recorrente que a máquina ora em causa nos presentes autos não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar.

  12. Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados como provados, nomeadamente, quanto às características da máquina em causa, não poderia o Digníssimo Tribunal a quo ter concluído pela subsunção da conduta da recorrente à prática de um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, impondo-se a sua absolvição.

  13. Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos art.ºs 1, 3, 4 e 108 da Lei do Jogo.

  14. Pois que, para se concluir pela exploração de um qualquer jogo de fortuna ou azar terão que se ter por verificados os 3 (três) pressupostos elencados na lei, como seja, a dependência da sorte, o desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, bem assim, o pagamento feito diretamente em fichas ou moedas, na medida em que esse é o pagamento efetuado nos “jogos de casino” – cfr. art.ºs 1 e 4 n.º 1 al.ªs f) e g) - sendo que, no caso concreto, este requisito se encontra totalmente afastado.

  15. Isto sem descurar o facto de a própria Lei do Jogo (art.ºs 1 e 4 do DL n.º 422/89, de 02 de dezembro, na redação do DL n.º 10/95, de 19 de janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (art.º 1) com a técnica exemplificativa (art.º 4), donde resulta que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei e não outros.

  16. Pois que, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.

  17. Ao que acresce o facto de nem mesmo pelas portarias atualmente em vigor (n.ºs 817/2005, de 13 de setembro, e...

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