Acórdão nº 108/16.0T8FAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução23 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 108/16.0T8FAR-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Instância Central – Juízo Cível – J4 Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Na presente acção declarativa de condenação proposta por “(…), Lda.” contra “(…) – Mediação Imobiliária, Lda.”, a Autora veio interpor recurso do despacho que não admitiu um articulado superveniente apresentado e a correspondente prova de sustentação dessa factualidade. * A sociedade “(…), Lda.” deduziu os seguintes pedidos principais:

  1. Ser declarada com justa causa e por incumprimento contratual imputável à Ré a resolução por parte da Autora do contrato de arrendamento celebrado entre Autora e Ré.

  2. Ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 361.952,83 (trezentos e sessenta e um mil, novecentos e cinquenta e dois euros e oitenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora comerciais até integral pagamento, a título de responsabilidade civil pelos danos causados.

    A título subsidiário e relativamente à parte pecuniária, a Autora formula sucessivos pedidos subsidiários de pagamento de indemnização fundados no abuso de direito, no enriquecimento sem causa e em juízos de equidade.

    * A recorrente não se conformou com a referida decisão e as alegações de recurso continham as seguintes conclusões:

    1. Alega a Autora, como facto constitutivo do direito de que se arroga (entre outros fundamentos) que a exigência que a R. Senhoria lhe impôs, através de comunicação de 6 de Maio de 2015, de “abertura das referidas passagens” consubstanciava uma violação do contrato e a imposição de algo a que não correspondia nenhum interesse juridicamente atendível da Ré, e se tratava de exigência ilegítima, por realizada em abuso de direito.

  3. Em articulado superveniente alegou que havia entretanto tomado então conhecimento que posteriormente à resolução do contrato, tinham ocorrido novos factos que, nos mesmos termos, de acordo com a causa de pedir da acção, relevavam para a consideração do incumprimento contratual da parte da Ré Senhoria e de que a exigência por si formulada de “abertura das referidas passagens” não correspondia sequer a nenhum interesse juridicamente atendível da sua parte.

  4. Em boa verdade a Autora alegou na acção (entre outros) que a exigência da Ré Senhoria de manter “a abertura das referidas passagens, sob pena de incumprimento contratual”, i. não correspondia a nenhum interesse juridicamente atendível da mesma, não havendo qualquer interesse ou essencialidade, para a própria Ré, na interpretação por si feita da mesma cláusula do contrato no sentido que exigia à Autora manter “a abertura das referidas passagens”; ii. que a cláusula do contrato de arrendamento sobre a matéria não contemplava qualquer exigência deste tipo; iii. e que, ademais, a sua exigência de manter “a abertura das referidas passagens” constituía um flagrante caso de abuso de direito.

  5. Os factos supervenientes alegados permitem fundamentar essa nenhuma essencialidade da Ré e esse seu nenhum interesse juridicamente atendível em exigir à Autora “a abertura das referidas passagens”. Afinal, ao arrendatário subsequente do mesmo espaço, veio a Ré permitir-lhe coisa diferente de “manter a abertura das referidas passagens”. E, assim sendo, “manter a abertura das referidas passagens” não correspondia a nenhum interesse juridicamente essencial ou atendível da mesma.

  6. Interessam directamente à acção, tal como a Autora a pré-figurou, tais factos supervenientes.

  7. A matéria dos factos supervenientes permite também trazer aos autos não só o contrato de arrendamento estabelecido pela Ré com o novo inquilino e o estabelecimento (ou não) de análoga imposição contratual – o que é realmente directamente relacionado com a causa de pedir – e permite adquirir processualmente que a solução prática que o novo inquilino encontrou para a passagem, em relação à qual a Ré está de acordo, é igual aquela que a Autora executou e que a Ré lhe exigiu destruir e substituir por uma imposição da “abertura das referidas passagens”.

  8. A aquisição processual dos factos supervenientes jus-fundamentará igualmente, tal como a Autora desenhou a acção, que a imposição da abertura da passagem à Autora não está contemplada no contrato de arrendamento, tal como o nº3 da cláusula primeira foi interpretado, interpretação decorrente da situação actualmente existente de um novo inquilino, em que uma mesma cláusula (que constará do novo arrendamento) é interpretada pela Ré de modo diferente à interpretação que fez quando resolveu exigir à Autora a “abertura da passagem”.

  9. O comportamento da Ré descrito nos factos supervenientes, ainda que ocorrido temporalmente depois da resolução do contrato de arrendamento, permite verificar o sentido que Ré tem sobre uma mesma questão fundamental de interpretação e de uma mesma cláusula contratual, inserida em dois diferentes contratos que ela assinou, e uma cláusula igual, o que é facto superveniente directamente relacionado com a questão em discussão e, portanto, facto essencial em que se baseia a causa de pedir. E não meramente instrumental.

  10. A Autora alegou também na p.i. que a exigência de “manter a abertura das referidas passagens” que a Ré lhe fez, sempre seria era um caso de abuso de direito.

  11. Se a Ré – como a Autora quer sindicar através da aquisição processual dos factos supervenientes – tem um direito absolutamente análogo perante um outro inquilino, e se com esse outro inquilino se porta de forma flagrantemente dissemelhante, não lhe exigindo “abertura de passagens” e permitindo-lhe, no mesmíssimo contexto contratual, manter as passagens encerradas, este outro comportamento releva como integrador da causa de pedir no que ao abuso de direito diz respeito. E, portanto, trata-se de factos essenciais em que se fundamenta a causa de pedir.

  12. É certo que o despacho recorrido afirma que indeferiu o articulado superveniente mas que os factos podem enquadrar-se no âmbito dos factos instrumentais. Contudo, tal consideração viola a lei processual, justamente na vertente do direito de acção.

  13. O que o Tribunal não pode fazer, e fê-lo, é julgar inadmissível que uma parte adite matéria de facto aos autos com base num juízo de inadequação processual, aliás, inexistente. Negar esse direito à parte, quando previsto na lei processual, nega o próprio direito de acção e não serve os interesses da justiça material.

  14. Não se pode, cremos bem, fazer o que fez o tribunal recorrido: rejeitar, por inadmissibilidade, a introdução em juízo de um facto novo superveniente, e rejeitar o oferecimento da prova respectiva, e ao mesmo tempo decidir que ponderará o mesmo, ou não, a final, como instrumental.

  15. Primeiro, porque impede uma parte de discutir a questão em julgamento. Não só o facto não foi admitido, como a prova que foi oferecida e requerida para a sua demonstração foi julgada inadmissível.

  16. Segundo, porque ao recusar a prova junta e requerida para provar o facto superveniente, o Tribunal deixa ao sabor das referências porventura existentes na prova pré-existente dos autos o resultado da prova do mesmo. O que não faz sentido, justamente porque os temas de prova (ou o antigo questionário) têm exactamente por função enquadrar a matéria de facto a provar na prova a fornecer. p) Basta atentar no resultado do despacho recorrido. Esta metodologia processual impede a produção de prova requerida com o articulado superveniente – que não é produzida por o mesmo articulado ter sido rejeitado e, com ele, rejeitada também foi a prova oferecida. Esta mesma metodologia impede o recurso verdadeiro e próprio sobre a matéria de facto superveniente, pois ao não ter sido admitido o facto superveniente, naturalmente o mesmo não será susceptível de reconsideração de prova em sede de recurso.

  17. Por outro lado, a lei processual impõe ao julgador que a sentença deva atender aos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam até ao encerramento da discussão, quando tais factos, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida. Isto por forma a que a sua decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. É o regime do artº 611º do CPC.

  18. Atento o princípio da economia processual, desde que existam factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes – ocorram ou o seu conhecimento tem lugar após a apresentação dos articulados - qualquer das partes tem o direito de os alegar em articulado superveniente, até ao encerramento da discussão. Foi o que a Recorrente fez.

  19. Parece, assim, à Recorrente que os factos por si supervenientemente articulados são co-constitutivos do direito que a Autora se arroga na acção e, por força do regime do artigo 588º do CPC, podem ser deduzidos em articulado posterior, e concretamente, nos termos do nº 3, até ao termo da audiência final. Pelo que apenas com violação deste regime do artigo 588º do CPC, os mesmos puderam não ser admitidos.

  20. O acima referido aplica-se mutatis mutandis ao requerimento de meio de prova, também ele indeferido. Devendo o Tribunal ponderar a situação não faz nenhum...

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