Acórdão nº 473/13.1TBTVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução23 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 473/13.1TBTVR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Instância Central – Juízo de Competência Cível – J2 Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: (…) e (…) vieram interpor recurso da sentença proferida nos presentes autos intentados por si contra o Estado Português. * (…) e (…) intentaram acção declarativa constitutiva com processo ordinário contra o Estado Português, pedindo que seja proferida decisão de confirmação legal da presunção do seu direito de propriedade, que já lhes assiste relativamente à posse e à propriedade de margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis que se mostrem na confrontação Sul dos imóveis melhor identificados na petição inicial (prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Tavira sob as fichas n.os …/19940817 e …/20120911 da freguesia de …), nos termos do artigo 15º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro e, em consequência, por aplicação dos dispositivos legais consagrados no artigo 11º, nº 2, da referida Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, por as águas que confrontam a Sul com os prédios dos Autores serem navegáveis, deve ser confirmada a presunção do direito de propriedade dos Autores sobre uma faixa de 50 m da margem do rio, nos termos dos artigos 11º e com as especificações do artigo 10º, n.os 2 e 3, do referido diploma legal.

* Regularmente citado, o Estado Português deduziu contestação, na qual impugna as áreas e confrontações dos prédios dos Autores, bem como a correspondência dos prédios identificados como tendo dado origem ao prédio misto com a descrição nº …/19940817, não existindo suporte documental de que a posse privada de tal prédio é anterior a 1864 e ainda que os prédios em causa integram margem do rio/sapal, para além de colocar em causa a existência de uma desafectação do prédio rústico com a venda em hasta pública de 30/01/1912 e que não resulta desse documento que foi vendida qualquer margem de rio.

* A sentença recorrida decidiu julgar improcedente, por não provada, a acção e, em consequência, absolver o Réu Estado Português dos pedidos deduzidos pelos Autores (…) e (…).

*O recorrente não se conformou com a referida decisão e na peça de recurso apresentou as seguintes conclusões[1]:

  1. Da Reclamação quanto à selecção da matéria de facto assente e temas da prova, em sede de Despacho Saneador: 1) O Tribunal a quo considerou improcedente a Reclamação dos ora Recorrentes; 2) A Decisão do Tribunal a quo, quanto à reclamação apresentada pelos ora Recorrentes, é, claramente, ilegal, por contrária, aos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança consagrados no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

3) Mais sendo violadora do princípio Constitucional do processo equitativo, enquanto 'Justo processo" ('fair trial"; "due process''), consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, sendo este integrado por vários elementos, um dos quais se traduz na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual e no seguimento do qual os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar. Diz-se estarmos assim perante um princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz (como tem sido orientação dominante do Tribunal da Relação de Coimbra).

4) Conduzindo, por consequência à violação do direito fundamental à propriedade, que consta do artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.

5) Todo o trato sucessivo apresentado pelos AA é consubstanciado em Escrituras e Actos Públicos e consagram, documentalmente, todas as tradições de propriedade sobre o imóvel até à sua chegada à esfera jurídica dos AA.

6) O que não foi colocado em crise pelo Réu.

7) Assim, os AA preencheram, integralmente, o requisito legal estatuído pelo nº 1 do artº 15 da aludida Lei 54/2005, de 15 de Novembro.

8) O entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo, toma, objectiva e fatalmente, impraticável ou inatingível o requisito legal constante do nº 1 do artº 15 da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro.

9) Assim sendo, por os AA. terem apresentado, através de documentos autênticos, o trato sucessivo, ininterrupto desde 1856; por tais documentos terem sido admitidos por acordo.

10) Devem constar da factualidade assente a área e confrontações do prédio, constante de todos aqueles documentos autênticos.

Quanto à questão do ónus da prova, B) Entende o Tribunal a quo que o ónus da prova corre contra os AA. por aplicação do artº 342, nº 1, do Código Civil; 11) Olvidando, contudo o Tribunal a quo, o estatuído pelo artº 350º, nº 1, do mesmo C.C., "Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz".

12) Por os AA. beneficiarem da presunção legal derivada do registo de propriedade nos termos do estipulado pelo artigo 7º do Código de Registo Predial "o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define".

13) Beneficiarem da posse pública, pacífica e de boa-fé relativamente ao imóvel que confronta com as margens do Rio Gilão, utilizando essas margens de forma igualmente pacífica.

14) Por ser entendimento do Tribunal Constitucional que "a dominialidade dos terrenos em causa não passa automaticamente para o Estado...". Isto é, tendo o proprietário a seu favor a presunção decorrente do registo (artigo 350º, n.º 1, do CC) inverte-se o ónus da prova.

15) Pelo que, em face do exposto, e por violar o disposto pelo nº 1 do artº 15 da Lei 54/2005, de 15 de Novembro e, os artigos nºs 2°, 20° e 62° da Constituição da República Portuguesa, deve o Despacho de indeferimento proferido quanto à Reclamação, tempestivamente, apresentada pelos AA, ora Recorrentes contra a enunciação dos temas da prova feita em sede de Despacho Saneador ser revogado e, substituído por outro que, defira tal Reclamação e, 16) Deve ser considerada como matéria assente as confrontações e áreas atestadas pelos documentos 2 a 4 juntos com a P.I., por falta de válida e eficaz impugnação e prova em contrário, com todas as legais consequências.

* C) Erro no julgamento da matéria de facto quanto ao ponto número 4.3.1. dos temas da prova (Área total do prédio descrito em 4.2.1. 837.021,00 m2).

Tendo o Tribunal a quo considerado que, "... O prédio referido em 1) tem área não concretamente apurada, mas não superior a 257.406,00 m2...".

17) Foi junto ao Processo, por meio de levantamento topográfico apresentado por Requerimento de 06.03.2015, que indica como área do prédio de 837.021 m2, o qual após notificação não mereceu qualquer reparo ou oposição do Réu.

18) Foi produzida prova testemunhal por meio das testemunhas: a) (…), técnico responsável pelo levantamento topográfico, o qual esclareceu se forma coerente, a razão de ciência para a execução de tal levantamento (método utilizado), a época em que tal foi feito (pela primeira vez nos anos 90 por altura do Processo de Delimitação (Doc. nº 1 junto ao Requerimento Probatório apresentado pelos AA em 28.11.2013) e aos dias de hoje em cumprimento da deliberação do Tribunal) e confirmou sem hesitação a área do prédio como sendo de 837.021 m2; b) (…), testemunha com 93 anos de idade, morador e antigo trabalhador no local o qual quando confrontado, primeiro em Audiência com plantas áreas do prédio e com o levantamento topográfico confirmou que, quanto é do seu conhecimento e do que lhe foi transmitido por antepassados o prédio sempre teve a configuração e implantação actual, o que reafirmou posteriormente aquando da deslocação ao local do Tribunal, onde "guiou" o Tribunal aos limites da propriedade e indicou com precisão o limite nascente do prédio como sendo a "Canada"/regueira do meio, hoje aterrada, 19) Prova por deslocação ao local, onde com base nas plantas aéreas e levantamento topográficos, a testemunha (…) e o Autor (…) confirmaram a implantação do prédio, lavrando-se o respectivo Auto sem oposição de qualquer parte ou interveniente.

20) Do depoimento das testemunhas supra referidas avultam referências várias que facilmente levariam a conclusão diversa da tirada pelo Tribunal a quo sobre este concreto tema da prova, nomeadamente: 21) É feita prova de que, a composição, implantação e confrontações da propriedade são as mesmas desde, pelo menos, 1937. 22) Que a confrontação nascente do prédio com sapal sempre foi delimitada pela canada/ regueira do meio.

23) Que a confrontação poente da propriedade, com a estrada era delimitada, pelo menos desde 1937, com uma outra regueira (na palavra da testemunha …, onde os barcos atracavam para carregar o sal).

24) Ora, tendo por assente que a propriedade era delimitada, pelo menos desde 1937, por duas regueiras nas suas confrontações nascente e poente, mais sendo delimitada a Norte por uma estrada e a Sul pela Ria Formosa (vide, por exemplo, as plantas topográficas anexas ao Processo de Delimitação do Domínio Público Marítimo, onde na sua confrontação Nascente resulta evidente a Canada/Regueira do Meio, hoje aterrada e actas nº 2 de 1O de Março de 1992 e nº 4 de 2 de Outubro de 1992, que instruem o respectivo processo, in Requerimento Probatório junto ao Processo a 28 de Novembro de 2013, referência Citius 446746).

25) E que, a testemunha (…), de 93 anos de idade, que acompanhou, presencialmente, todo o desenvolvimento das salinas da área, tanto prestando serviços à família dos Recorrentes como à Sociedade concessionada pelo R, confirmou a total coincidência entre os limites actuais do prédio e os limites que conheceu quando tinha 17 anos (em 1937).

26) Tendo a mesma testemunha (…), quando confrontada com o levantamento topográfico junto aos autos confirmado as mesmas confrontações e limites da propriedade.

27) É necessário concluir que o prédio descrito na ficha com o nº …/19940817, ao...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT