Acórdão nº 1507/10.7TBABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelPAULO AMARAL
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1507/10.7TBABF.E1 (2.ª Secção) Acordam no Tribunal da Relação de Évora (…) e (…), por si e em representação de (…) e (…) e (…), cuja identificação completa consta dos autos, intentaram contra “(…) – LABORATÓRIOS DE ANÁLISES CLÍNICAS, S.A. e (…), cujas identificações completas constam dos autos, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, pedindo que, pela procedência da mesma, os réus sejam solidariamente condenados ao pagamento uma indemnização global no valor de € 750.000,00, cabendo a: A) (…) a quantia de € 250.000,00; B) (…) a quantia de € 250.000,00; C) (…) a quantia de € 150.000,00; D) (…) a quantia € 50.000,00; E) (…) a quantia de € 50.000,00.

Alegaram, para tanto, que por causa de um erro das RR. nas análises efectuadas ao A. menor (por meio de recolha do exsudado orofaríngeo e que revelarem a existência de espermatozóides, o que se veio a revelar fruto de erro) sofreram diversos danos morais.

*As RR. contestaram defendendo a improcedência da acção.

*A ré (…) veio ainda deduzir incidente de intervenção principal provocada da Companhia de Seguros (…), S.A, alegando que celebrou um contrato de seguro com a mesma, nos termos do qual transferiu a responsabilidade civil decorrente de erros de natureza profissional cometido pelas pessoas ao seu serviço.

*Foi admitida a intervenção da Companhia de Seguros (…), S.A mas como parte acessória da Ré (…), Lda..

*A interveniente contestou defendendo também a improcedência da acção.

*O processo seguiu os seus termos e, depois de realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte: Julga-se a ação parcialmente procedente e, em conformidade, decide-se: 1) Condenar a ré (…), Lda. a pagar aos autores: 1.1. (…): € 25.000,00 (vinte e cinco euros); 1.2. (…): € 100.000,00 (cem mil euros); 1.3. (…): € 125.000,00 (cento e vinte cinco mil euros); 1.4. (…): € 15.000,00 (quinze mil euros); 1.5. (…): € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros); 2) Absolver a ré (…), Lda. do restante pedido; 3) Absolver a ré (…) da totalidade do pedido; 4) Condenar autores e ré (…), Lda., no pagamento das custas da acção, na proporção do respectivo decaimento; 5) Declarar que a presente sentença constitui caso julgado quanto à Companhia de Seguros (…), S.A., relativamente às questões de que dependa o direito de regresso da autora do chamamento.

Foi também decidido julgar o tribunal competente em razão da matéria.

*Desta sentença recorre a R. (…), Lda. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito. Defende que deve ser absolvida do pedido, ou, em caso de se entender não haver lugar à sua absolvição, condenando-se nos mesmos termos e solidariamente a Recorrida (…).

*Recorreu também, autonomamente, da decisão sobre a competência.

Este recurso já foi julgado e foi decidido não conhecer dele porque tal questão deve ser tratada no acórdão final.

*Foram colhidos os vistos.

*Devemos começar pela questão da competência material do tribunal para conhecer da presente acção.

O seu art.º 1.º tem o seguinte teor: «Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».

São os litígios que surgem no âmbito das relações administrativas que constituem o objecto desta jurisdição e, por isso, definem a sua competência. O art.º 4.º, ao elencar um conjunto de matérias, não o faz de forma taxativa, como logo resulta da utilização do advérbio «nomeadamente». Significa isto que as diversas alíneas do n.º 1 daquele preceito legal não esgotam o objecto da jurisdição administrativa. Lê-se no ac. da Relação de Lisboa, de 13 de Março de 2014, o seguinte: a «actual definição legal, na esteira da lei fundamental, deixou de estribar a delimitação da jurisdição administrativa na distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, deslocando o pólo aglutinador para o conceito de relação jurídica administrativa e de função administrativa, em que avulta a realização de um interesse público levado a cabo através do exercício de um poder público e, portanto, de autoridade, seja por uma entidade pública, seja por uma entidade privada, em que esta actua no uso de prerrogativas próprias daquele poder ou no âmbito de uma actividade regulada por normas do direito administrativo ou fiscal».

A jurisdição administrativa não é hoje uma jurisdição por atribuição, no sentido de que a ela cabe conhecer dos litígios que a lei expressa e restritivamente indica. Como se escreve no mesmo acórdão, os «tribunais administrativos são, actualmente, os verdadeiros tribunais comuns em matéria administrativa». A sua competência abrange a quase totalidade, se não mesmo a totalidade, dos litígios que envolvam a Administração Pública, seja directamente, seja por intermédio de particulares que a ela se associam para prosseguir objectivos públicos, com base nos instrumentos jurídicos disponíveis.

A expressão «relação jurídica administrativa» pode ter diversos sentidos. Um subjectivo que se pode entender «como qualquer relação em que intervenha a Administração»; um tendencialmente objectivo «como a relação em que intervenham entes públicos, mas desde que sejam reguladas pelo Direito Administrativo»; e um outro sentido «associado agora à ideia do âmbito da própria função administrativa» (Vieira de Andrade, «Âmbito e Limites da Jurisdição Administrativa» em Reforma do Contencioso Administrativo Trabalhos Preparatórios O Debate Universitário, ed. do Ministério da Justiça, s. d., p. 102).

O certo, em todo o caso, é que, coligados aqueles sentidos da expressão, a reforma acabou entregar à jurisdição administrativa os litígios com a Administração Pública. Como logo se escreveu após a reforma de 2002, «uma das grandes novidades desta reforma do contencioso administrativo reside precisamente (…) na eliminação da referência às questões de direito privado no elenco de matérias que se consideram excluídas do foro administrativo. Finalmente desaparece a dicotomia tradicional “gestão pública/ gestão privada” como critério de repartição de competência entre o foro administrativo e o foro comum» (cfr. M.ª João Estorninho, «A reforma de 2002 e o Âmbito da Jurisdição Administrativa», em C.J.A.

, n.º 35, p. 5). E logo adianta: «Sintomática desta eliminação da dicotomia “gestão pública/gestão privada” é a atribuição aos tribunais administrativos, no art.º 4º., n.º 1, alínea g), do novo ETAF, de todo o contencioso da responsabilidade civil extracontratual das pessoas, colectivas de direito público (e não apenas, como agora acontece, do contencioso da responsabilidade civil extra-contratual por actos de gestão pública)» (idem, ibidem).

Ou seja, afastou-se, como fulcro da atribuição da competência, o carácter administrativo ou privado do litígio para, em seu lugar, aceitar o carácter subjectivo, isto é, o litígio que existe com uma pessoa colectiva de direito público.

Ou que com isto esteja relacionado.

O art.º 10.º, n.º 9, CPTA, dispõe que podem «ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares». Dito de outra forma, podem ser demandados particulares que estejam envolvidos com outros particulares no âmbito de uma relação jurídica administrativa. Mas a relação que se estabeleceu entre as partes nesta acção nada tem de administrativo, tem de comercial. Os AA. dirigiram-se ao laboratório da R. como podiam ter ido a outro qualquer, tivesse ou não tivesse acordo com o SNS. A R. é uma sociedade comercial, logo, uma pessoa colectiva de direito privado e tanto pode fazer análises em cumprimento dos referidos acordos como pode não o fazer. A natureza da actividade (comercial) não muda.

Como se escreve na sentença, a R. é um «prestador de serviços de saúde integrada no sector privado e não na qualidade de prestador de saúde integrado no serviço nacional de saúde, pelo que estamos no âmbito das relações jurídicas de direito privado».

Por isso entendemos que o tribunal civil é o competente para conhecer desta acção.

*Em relação à prova, não podemos deixar de ter em mente que o tribunal recorrido fundamentou a sua convicção, e explicou-a, ao longo de 38 páginas, facto a facto, relatório a relatório, depoimento a depoimento. Cremos ser difícil, salvo o caso de natural parcialidade da parte, passe o pleonasmo, que tenha havido erro de julgamento.

*A impugnação da matéria de facto começa por uma restrição ao facto provado n.º 13. Defende a recorrente que a técnica que fez a recolha para análise não pertence à Clínica (…) uma vez que o posto de colheita de (…) instalado na referida Clínica é parte integrante da Recorrente (razão por que a colheita veio depois a ser analisada no seu laboratório em …) e não pertence à dita Clínica.

Concordamos porque é uma confissão de um facto, o reconhecimento de que a recolha foi feita nas suas instalações por uma técnica sua. Independentemente do resultado que isto possa ter na relação com a seguradora, o certo é que ele é, objectivamente, desfavorável à recorrente.

*Os factos provados 22 e 23 devem ser, o primeiro, dado por não provado e, o segundo, deve ser alterado.

O seu teor é o seguinte: 22) Na realização do exame microbiológico referido em 21) foram reutilizadas lâminas que, em momento anterior à realização de tal exame, continham os espermatozoides mencionados no respectivo relatório; 23) Devido a tal reutilização, (…), técnica superior de biologia especialista em análises clínicas, observou os espermatozoides mencionados em 21).

O desacordo prende-se com o facto, que a recorrente não aceita, de ter havido reutilização das lâminas.

Entre uma hipótese avançada por uma testemunha (…) como a mais provável e o depoimento cerrado de outras a afirmar que não há, de maneira nenhuma, reutilização de lâminas, podia o tribunal recorrido aceitar a hipótese.

Entendemos que podia e...

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