Acórdão nº 32/14.1TBAVS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 32/14.1TBAVS.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Instância Local – Juízo de Competência Genérica de Fronteira – J1 ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – Relatório: Na presente execução proposta por (…) e (…) contra (…), o exequente (…) veio interpor recurso da decisão que não autorizou a realização da venda do bem penhorado por valor inferior a 70% da avaliação. Inconformado com tal decisão, o recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões: I – O Tribunal “a quo” ao identificar os pressupostos da modalidade de venda mediante propostas em carta fechada (artigos 816.º a 829.º, do NCPC) e os “casos em que se procede à venda por negociação particular” atraiçoa o “espírito do legislador”, transformando-se tal decisão em ilegal, inconstitucional e afrontadora dos princípios jurídicos vigentes na ordem jurídica portuguesa (juridicidade).

II – Não se perceberia que um legislador razoável – artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil –, que cria distintas modalidades de venda de bens imóveis, viesse a adoptar pressupostos idênticos para ambas, já que isso tornaria os institutos iguais e desnecessária a duplicação.

III – A Divisão III, que abarca os artigos 830.º a 837.º, do NCPC, afigura-se autónoma e “menos exigente” face à Divisão II, que abrange os artigos 816.º a 829.º, do NCPC. E, de igual modo, a Subsecção III, relativa à “Adjudicação”, tem um âmbito diferenciado e amplo de aplicação, quer a uma quer a outra das duas divisões apontadas. Por isso, IV – À lide processual executiva inere, forçosamente, pelo não cumprimento haver sido voluntário, uma percentagem sancionatório-expropriativa, sendo, por isso, mirabolante ou utópico pretender que todas as vendas executivas sejam proporcionais, já que a própria lide executiva, com a desigualdade de armas entre exequente e executado, já contém uma certa desproporção, como bem o demonstram os institutos da penhora sem contraditório e da venda abaixo do preço de mercado.

V – Soa a estranho e a contraditório que se tenha afirmado, na decisão judicial, que «(…) o juiz fixar o valor mínimo da venda abaixo dos 70% do valor inicial dos bens, sem o acordo do executado» e que, posteriormente, face a essa proclamação, não se tenha procedido ao cálculo desse valor e contrastado/comparado (diferencialmente) com a 2.ª proposta por negociação particular apresentada e a rondar os € 45.000,00. De facto, VI – Os tais 70% de € 71.980,00 reconduzem-se, a € 50.386,00. Portanto, temos uma diferença (judicialmente impeditiva, nos critérios do Tribunal) de € 4.614,00. Daí que faça sentido a questão: Será, assim, à luz destas contas, com base no raciocínio judicial, desproporcional o dito valor de € 45.000,00, constante da proposta de compra da sociedade comercial “Construções (…), SA”? Parece-nos que não! E, por isso, VII – Mesmo contra a vontade da executada – que não se pronunciou, quando o devia se pretendia não concordar! –, o M.

mo Juiz tinha, segundo o entendimento jurisprudencial que cita, a obrigação de considerar justa e proporcional a venda por negociação particular à proponente da 2.ª Proposta. E, tudo isto, porque VIII – O Tribunal, ao interpretar os artigos 799º, nº 3, 816º, nº 2, 822º, n.º 2, 832º, alíneas c) e d), do NCPC 2013, como o faz, isto é, aplicando, “em círculo”, o pressuposto matricial dos 85%, está a matar o regime da venda por negociação particular e a confundir o que no espírito do legislador é claro: primo, venda por carta fechada, com aproximação ao valor máximo cifrado em 85%; secundo, venda por negociação particular, abaixo do valor máximo cifrado em 85%. Pois, IX – Só com esta articulação é que os regimes se distinguem, funcionam e não se paralisam reciprocamente, como é o caso. A acção executiva, com tal entendimento, corre o risco, como é o caso, de se emparedar no beco sem saída da denegação de tutela jurisdicional efectiva. O que, a ser como expusemos, nos leva a desconfiar da conformidade constitucional de tal interpretação jurídica, daí que nos pronunciemos, sem dúvidas, pela inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Tribunal aos preceitos processuais civis citados supra, à luz dos princípios do Estado de Direito Democrático (confiança e segurança jurídica), igualdade, tutela jurisdicional efectiva e reserva judicial, ex vi artigos 1º, 2º, 9º, alínea b), 13º, 18º, nos 1 e 3, 20º, nos 1 e 4, 202º, nos 1 e 2, da CRP 1976.

X – A lide processual civil executiva tem, forçosamente, uma vertente sancionatório-expropriativa, como força de “compensar” o não cumprimento voluntário de uma obrigação que livremente se assumiu (in casu, pelo/a executado/a) e que não se honrou à luz do princípio da boa fé e do pacta sunt servanda (artigos 405º a 407º e 762º, nº 2, do Código Civil).

XI – Todas as decisões judiciais, que não sejam de mero expediente, por imperativo constitucional (artigo 205º, nº 1, da CRP 1976), têm de ser fundamentadas, de facto e de direito. E, para isso, mister é que a fundamentação ou motivação obedeça às regras da racionalidade e lógica discursiva jurídica, de tal modo que não se pode dizer, como se faz no libelo judicial decisório, que o Tribunal pode admitir uma venda por negociação particular inferior a 70%, mesmo sem consentimento ou acordo do executado, e, depois, não ser consequente, na presente lide, com tal jurisprudência que convoca e subscreve. Ademais, XII – Tal ideia igualmente resultaria do princípio da unidade do sistema jurídico ou da não contradição axiológico-valorativa e constitucional ao nível da interpretação dos preceitos legais (artigos 9º do Código Civil e 204º da CRP 1976). Pois, a vingar a tese cumulativa e da identidade, entre os pressupostos da venda por carta fechada e da venda por negociação...

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