Acórdão nº 4155/15.1T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | MANUEL BARGADO |
Data da Resolução | 23 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Condomínio do Prédio Sito ...
, Setúbal, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra N..., S.A.
, peticionando a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 40.753,95 correspondente à sua quota-parte das obras de reparação e reabilitação do prédio, bem como o valor de € 550,00 a título de pena pecuniária, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação, e ainda a pagar todas as contribuições ordinárias ou extraordinárias que se vençam na pendência da ação, acrescidas dos respetivos juros.
A ré contestou, alegando a falsidade da ata da assembleia geral de 04.01.2014, na qual foi deliberado, além do mais, aprovar o montante da aludida quota-parte de responsabilidade da ré nas mencionadas obras, a nulidade/ineficácia da deliberação por falta de assinatura, falta de convocatória e abuso de direito. Mais impugnou os factos alegados e contrapôs que a sua fração (loja) não tem acesso ao interior do prédio pelo que não é responsável pela reparação de ascensores, lanços de escadas ou patamares. Concluiu pela absolvição do pedido.
O autor respondeu, defendendo a improcedência das exceções invocadas.
Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a ré N..., SA a pagar ao autor Condomínio do Prédio Sito ..., Setúbal, a quantia de € 40.753,95 (quarenta mil setecentos e cinquenta e três euros e noventa e cinco cêntimos) correspondente à sua quota-parte nos custos com a reparação e reabilitação das partes comuns do edifício, bem como a pena pecuniária no valor de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, sendo absolvida do demais peticionado.
Custas por autor e ré, na proporção do decaimento.» Inconformada, a ré apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem: «1ª As actas das assembleias de condóminos têm valor ad substantiam, porquanto a formulação escrita do que de discuta e delibere nas assembleias constitui um requisito mínimo indispensável para a certeza e segurança do tráfego jurídico, tendo em conta que tais deliberações vinculam não só os condóminos presentes, como os condóminos ausentes e terceiros titulares de direitos relativos às fracções (cf. artigo 1º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro).
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Nos termos e para os efeitos do artigo 364º do CC, o valor ad probationem dos documentos autênticos ou particulares tem que resultar expressamente da lei, o que não se verifica relativamente às actas das assembleias de condóminos.
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A distinção doutrinária entre formalidades ad substantiam e ad probationem radica no facto de as primeiras serem insubstituíveis por outro meio de prova, cuja inobservância gera a nulidade, enquanto que a falta das segundas pode ser suprida por outros mais de prova mais difíceis, nos termos do artigo 364º, nº 2, do CC.
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Mesmo que se entenda que as referidas actas gozam de valor ad probationem, da acta devem constar as deliberações tomadas, assumindo especial relevância a certeza acerca do que se passou na assembleia, designadamente para que se saiba qual o exacto conteúdo das deliberações, tanto que, de outra forma, nem se poderiam vincular os condóminos ausentes (cf. artigo 1º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro).
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A distribuição de responsabilidades entre os condóminos nas despesas de reparação do prédio nunca foi objecto de deliberação, pelo que a Recorrente nunca se pôde pronunciar quanto a essa matéria em sede própria, sempre desconhecendo o fundamento subjacente ao valor que lhe era peticionado pelo Recorrido.
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O facto provado nº 5 constante da matéria assente não corresponde ao deliberado na assembleia de condóminos de 27/06/2008, pois não coincide com o teor da respectiva acta, nem resulta de qualquer outro meio de prova mais difícil produzido nos autos, pelo que terá que ser considerado não provado, devendo alterar-se a decisão recorrida – que violou os preceitos legais constantes do artigos 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 268/94 e 364º do CC – nos termos do artigo 662º, nº 1, do CPC, substituindo-se a redacção do facto provado nº 5 pela redacção constante da referida acta (doc. nº 3 junto com a petição inicial).
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Quanto ao facto provado nº 12, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento resultou a confirmação de que o teor da acta da assembleia geral de 24/01/2014 é falso, conforme invocado pela Recorrente na contestação, porquanto o teor da deliberação constante da acta e do facto provado nº 12 não corresponde ao que foi efectivamente discutido e deliberado, tal como confirmaram tanto a testemunha apresentada pela Recorrente, R…, como a testemunha do Recorrido, M…, que afirmaram expressamente que o que se discutiu na assembleia foi que a Recorrente devia aquele montante (cf. depoimentos das testemunhas M… R…, transcritos supra no ponto B) das alegações – indicadas passagens das gravações 201604051004456_3349273_2871795 e 20160405110440_3349273_2871795) e não que se deliberou fixar uma qualquer quota mensal extraordinária, tanto que a deliberação em questão consta do ponto da ordem de trabalhos “Dívidas ao condomínio e aplicação de penas pecuniárias aos condóminos incumpridores”.
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O próprio tribunal a quo, ao julgar provado que se deliberou “fixar uma quota mensal extraordinária para os condóminos proprietários da Loja 10, no valor de € 40.753,95” (facto assente nº 12), mas, por outro lado, interpretando aquela redacção em sentido diverso na fundamentação de direito da sentença recorrida (considerando que tal deliberação “versa sobre o reconhecimento de uma dívida e fixação das respectivas consequências ao condómino relapso (…) limitando-se a assembleia a fixar o necessário prazo de vencimento (…)”), por ser inegável, face à prova produzida, que a mesma não correspondia à realidade, radicou em nulidade da sentença proferida, por se verificar oposição directa entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito e respectiva decisão.
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O facto provado nº 12 deverá ser eliminado, por provada a falsidade da respectiva acta (norma violada pela sentença recorrida: artigo 376º, nº 1, do CC), e substituído por decisão que considere como provado “12 – No ponto 1.1 da ordem de trabalhos (Dívidas ao condomínio e aplicação de penas pecuniárias aos condóminos incumpridores) foi deliberado que os condóminos proprietários da Loja 10 tinham uma dívida, no valor de € 40.753,95”, nos termos do artigo 662º, nº 1, do CPC, padecendo a sentença recorrida de nulidade (artigo 615º, nº 1, al. c) do CPC).
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Quer se mantenha o teor do facto provado nº 12 com a interpretação dada pelo tribunal a quo, quer o mesmo seja alterado nos termos supra alegados, a verdade é que tal eventual deliberação sempre será nula, pois, constando a mesma do ponto da ordem de trabalhos referente a “Dívidas ao condomínio e aplicação de penas pecuniárias aos condóminos incumpridores” e tendo as testemunhas R… e M… afirmado expressamente que o que se discutiu na assembleia foi que a Recorrente devia aquele montante e não que se pretendia fixar nova quota, tal deliberação faz referência a uma alegada obrigação já nascida, que é, na realidade, inexistente, porquanto carece de fonte nos termos legais.
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A fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da sua aprovação em assembleia de condóminos, regularmente convocada e documentada na respectiva acta, que aprova e fixa o valor a pagar e o respectivo vencimento/prazo de pagamento, o que no caso dos autos não aconteceu, tendo sido deliberado apenas adjudicar um orçamento com um determinado valor (cf. acta da assembleia de condóminos de 27/06/2008), nunca tendo sido deliberada qual a quota-parte da Recorrente nessa despesa, nem a respectiva forma de cálculo.
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Ao versar sobre obrigação inexistente, cuja fonte e fundamentos se desconhecem, a deliberação constante do facto provado nº 12 é contrária à lei, ou, pelo menos, inócua, porquanto de objecto impossível ou indeterminável (não se pode fixar o prazo de vencimento para uma obrigação que não existe e cujo modo de determinação se desconhece), verificando-se, em qualquer dos casos, a respectiva nulidade, por violação do artigo 280º do CC, pelo que não produz quaisquer efeitos, não podendo, portanto, resultar na condenação da Recorrente no pagamento da quantia peticionada, devendo a sentença recorrida ser revogada nesse sentido.
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Ao contrário do que se retira da fundamentação de direito da sentença recorrida, a deliberação que o condómino pode impugnar, num caso como o dos autos, é somente aquela que determinar a sua quota-parte na despesa – fonte da obrigação pecuniária do condómino – o que nunca aconteceu, isto é, nunca foi deliberada tal repartição de responsabilidades, pelo que a Recorrente nunca pôde reagir nos termos legais.
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A Recorrente não impugnou as deliberações em causa nos autos porque nenhuma delas constituiu a respectiva obrigação de participação na despesa, mas tão só (1) a aprovação do orçamento (deliberação de 2008) – relativamente ao qual a Recorrente pode não ter qualquer objecção (daí não ter impugnado a respectiva deliberação), mas tão só à sua não deliberada eventual responsabilidade na repartição de custos referentes ao mesmo – e (2) o reconhecimento de uma alegada dívida supostamente já constituída (deliberação de 2014) – como aliás se faz em todas as assembleias e respectivas actas do condomínio, não correspondendo esse reconhecimento à constituição da obrigação e, caso tal absurdo se concebesse, a Recorrente teria que impugnar todas as assembleias de condóminos pelo simples facto de constar a sua suposta...
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