Acórdão nº 275/13.5TBTVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Sumário: 1. No cálculo dos danos patrimoniais futuros decorrentes da perda da capacidade de ganho, deverá considerar-se a produção de um rendimento durante o tempo de vida previsível da vítima, adequado ao que auferiria se não fosse a lesão correspondente ao grau de incapacidade, e adequado a repor a perda sofrida.

  1. Isto implica tomar em linha de conta a idade do lesado ao tempo do acidente, a esperança média de vida (apurada de acordo com os dados estatísticos disponíveis), os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos, o grau de incapacidade, e todos os outros elementos atendíveis.

  2. O lesado afectado de sequelas impeditivas do exercício da actividade profissional habitual encontra-se em posição de desvantagem em relação a outro que, afectado da mesma incapacidade parcial, não ficou impedido de exercer a sua profissão habitual.

  3. Esta posição de desvantagem é agravada pela circunstância da taxa de desemprego do cidadão deficiente ser especialmente elevada (pelo menos o dobro da restante população), porquanto os empregadores partem do pressuposto da sua inadaptação ao desempenho profissional.

  4. Acresce que os elementos estatísticos demonstram que a taxa de pobreza das pessoas com deficiência é 70% superior à média, em parte devido a limitações no acesso ao emprego.

  5. Daí que, na determinação da perda da capacidade de ganho dos lesados afectados de incapacidade definitiva para o exercício da sua profissão, e apelando ao princípio da igualdade, inscrito no art. 13.º n.º 1 da Constituição (implicando o dever de tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente), se justifique a utilização da regra que o direito do trabalho aplica ao cálculo da pensão para os sinistrados em acidente de trabalho afectados de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), a qual é fixada entre 50% e 70% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível – art. 48.º n.º 3 al. b) da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.

  6. As tabelas financeiras a que a jurisprudência recorre para o cálculo da perda da capacidade de ganho, ponderam já variáveis como a taxa de juro nominal líquida, a taxa anual de inflação, os ganhos da produtividade e as promoções profissionais, procurando assim obter um capital apto a produzir um rendimento anual durante o período previsível da vítima, através da utilização dos juros produzidos e de parte do capital, de modo que, no termo do prazo considerado, aquele se mostre esgotado.

  7. Tais tabelas comportam, pois, através da fórmula matemática utilizada, a dedução devida por entrega antecipada do capital.

  8. Acaso não tivesse sido efectuada matematicamente essa dedução, através do uso da fórmula, o cálculo a efectuar seria, tão só, multiplicar a perda anual de rendimentos pelo tempo de vida previsível e aplicar a essa operação simples uma taxa de dedução.

  9. Mas, comportando já a fórmula as variáveis essenciais e a dedução devida por entrega antecipada do capital, aplicar uma nova dedução representaria nada mais que uma injustificada duplicação de deduções.

  10. De todo o modo, tais fórmulas permitem alcançar um minus indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade.

  11. Tendo a vítima ficado impedida de exercer a sua actividade profissional habitual, face às graves sequelas físicas sofridas, acentuadas pelo quadro depressivo acompanhado de stress pós-traumático crónico, prejudicando substancialmente as suas oportunidades de obter novo emprego, justifica-se a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em cerca de 10%.

  12. A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, podendo mesmo afirmar-se a sua natureza sancionatória.

  13. Na determinação da indemnização por danos não patrimoniais não pode deixar de ser especialmente sancionada a atitude da Ré Seguradora, que demora a substituição dos componentes da prótese e obriga o lesado a propor três procedimentos cautelares para obter a satisfação desse direito, entretanto provocando-lhe um sofrimento acrescido e absolutamente desnecessário.

  14. No caso de lesado com 41 anos de idade à data do acidente, que viu a sua perna esquerda amputada abaixo do joelho, sofreu um quantum doloris de grau 6 (numa escala de 1 a 7), um défice permanente de integridade físico-psíquica de 30 pontos, sendo de admitir danos futuros, um dano estético permanente de grau 6/7, sequelas impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual de porteiro de bar (e da actividade amadora de formador de atletas de desporto de combate) e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 5/7, ficando ainda afectado de sintomatologia depressiva com ideação suicida, acompanhada de stress pós-traumático crónico, situação esta agravada pelas demoras da Seguradora na substituição dos componentes da prótese, justifica-se que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada em € 125.000,00.

  15. O recurso não pode ser conhecido em relação às questões não incluídas nas conclusões das alegações, não podendo essa falta ser suprida no pedido final.

  16. Sendo o cálculo da indemnização actualizado ao momento da prolação da decisão, constituiria uma duplicação a condenação no pagamento de juros desde a data da citação.

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Na Instância Central da Comarca de Faro, em acções apensas propostas por (…), menor, e por seu pai (…), contra Companhia de Seguros (…), S.A., tendo como causa de pedir comum um acidente de viação ocorrido em 10-07-2010, foi proferida sentença condenando a Ré no pagamento dos seguintes valores: a) à Autora (…) a quantia de € 40.000,00, a título de danos não patrimoniais (estando aí incluído o dano biológico), acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à prolação da sentença; b) ao Autor (…) a quantia total de € 435.000,00, sendo € 340.000,00 a título de danos patrimoniais (correspondendo € 200.000,00 à indemnização a título de danos futuros pela perda da capacidade de ganho, aí se incluindo a indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial e € 140.000,00 a título de dano futuro relativo aos custos previsíveis com tratamentos e substituições das próteses e respectivos componentes) e € 95.000,00 a título de danos morais (sendo € 80.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais na sequência do acidente, estando englobada neste valor o dano biológico na sua vertente não patrimonial e € 15.000,00 relativos às demoras na substituição dos componentes da prótese por parte da Ré), acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à prolação da sentença; e, c) ao Instituto de Segurança Social, IP, a quantia de € 657,87, acrescida de juros de mora desde a notificação do pedido de reembolso à Ré até integral pagamento.

Da sentença vêm interpostos recursos pelo A. (…) e pela Ré Seguradora.

São as seguintes as conclusões do recurso interposto pelo A. (…): I - «O A. recorre quanto a estes pontos da douta sentença: a) o montante de indemnização calculado a título de danos patrimoniais (€ 200.000,00 a título de indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho, aí se incluindo a indemnização pelo dano biológico na sua vertente patrimonial); b) montante de € 95.000,00 a título de danos morais (sendo € 80.000,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais na sequência do acidente, estando englobada neste valor o dano biológico na sua vertente não patrimonial e € 15.000,00 relativos às demoras na substituição dos componentes da prótese por parte da Ré), muito especialmente quanto ao último valor de 15.000,00€ referido no parêntesis, que se reputa extremamente reduzido face à gravidade dos danos que visa reparar; c) Contagem dos juros calculados às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis mas apenas desde o dia seguinte à prolação da sentença e não, como pedido, desde a citação da R.

II - A factualidade que se provou e que interessa à decisão quanto a estes pontos concretos de discordância, como se vê em III- FUNDAMENTAÇÃO – A) Factos Provados da Sentença estão essencialmente nos pontos provados 9), 10), 12), 29) a 36), 38), 65) a 110), e quanto ao articulado superveniente em 111) a 126, onde se demonstram e fixam os extensos danos sofridos pelo A., os quais, no seu ponto de vista, justificavam os valores que inicialmente peticionara; III - Mesmo que estes factos sejam sopesados com os factos não provados, sempre deveriam levar à atribuição de valores mais adequados à extensão dos referidos danos provados, numa medida indemnizatória que seja superior àquela que foi atribuída. O Défice Funcional Temporário Total; o Défice Funcional Temporário Parcial; o Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total; o Quantum Doloris no grau 6/7; o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 30 pontos em 100, sendo de admitir a existência de Dano Futuro; o Dano Estético Permanente no grau 6/7; e sequelas impeditivas do exercício da actividade profissional habitual em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, mesmo que compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional; e ainda a Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer no grau 5/7, necessitando de fisioterapia regular e de revisão de ortóteses periódica; e o stress pós-traumático de forma permanente, sem cura importariam a fixação de um quantum dessa indemnização, em danos patrimoniais e morais, mais elevado, face aos elementos disponíveis ao Tribunal e à matéria factual provada.

IV - Ante a formulação legal, apurados que foram os danos – danos patrimoniais emergentes e lucros cessantes e danos morais – e apurada a responsabilidade da R., a douta sentença fez o enquadramento jurídico da situação quanto ao A, com recurso a critérios de equidade.

V - Nestes termos e atenta a expectativa...

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