Acórdão nº 879/14.9TBSSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMÁRIO SERRANO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. nº 879/14.9TBSSB.E1-2ª (2017) Apelação-1ª (2013 – NCPC) (Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC) * ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I – RELATÓRIO: Na presente acção de processo comum, actualmente a correr termos em Secção Cível da Instância Central de Setúbal da Comarca de Setúbal (depois de iniciada no Tribunal Judicial de Sesimbra), instaurada por (…) contra (…) e «Banco (…), SA», foi pela A. invocada a sua condição de única herdeira de seu pai, (…), falecido em 4/1/2014, que viveu em união de facto com a irmã da R., (…), igualmente falecida, em 3/12/2013, e que era titular de contas bancárias depositadas no Banco R., e alegado que, após a morte de seu pai, o referido Banco procedeu indevidamente à entrega de metade de todo o dinheiro que era de seu pai a favor da R., apesar de a A. ter informado o Banco que esse dinheiro era, praticamente na sua totalidade, produto de rendimentos auferidos pelo seu pai, e não pela companheira deste, pelo que a R. terá beneficiado ilegitimamente, com a colaboração do Banco R., de valores que não lhe pertenciam – e, nessa base, pediu a A. a condenação solidária dos RR. nos seguintes termos: a) a restituirem-lhe a quantia de 268.723,44 €, de que a R. beneficiou; b) a pagarem-lhe juros sobre aquela quantia, à taxa legal, vencidos, que computou em 4.064,00 € à data da instauração da acção, e vincendos, até integral pagamento; ou, c) em alternativa, a reporem aquela quantia em benefício da A., por ter havido enriquecimento sem causa à custa desta.

Contestando, ambos os RR. impugnaram o pedido. O Banco R. alegou, no essencial, que as contas bancárias a que se refere a A. eram contas solidárias, em nome do pai da A. e da irmã da R., pelo que o Banco se teria de orientar pela presunção legal (designadamente emergente do artº 516º do C.Civil) de que o dinheiro em causa pertencia a ambos os titulares em partes iguais, desconhecendo e não tendo de saber se o dinheiro era pertença efectiva de apenas um dos titulares, pelo que, perante o falecimento da irmã da R. não poderia deixar de entregar metade do valor dos depósitos à sucessora daquela, procedimento esse que foi, aliás, aceite pela A., uma vez que a mesma emitiu uma declaração perante o Banco nesse sentido (declarando ter recebido do Banco a quantia de 213.723,44 € e «nada mais ter a receber do Banco indicado seja a que título for») – e, nessa base, sustentou a sua absolvição do pedido. Por sua vez, a R. alegou, no essencial, que tinha direito a metade do dinheiro depositado nas contas solidárias em nome do pai da A. e da irmã da R., por esse dinheiro ser produto da vida em comum de ambos ao longo de cerca de 30 anos, para que a sua irmã contribuiu com apoio e trabalho em prol do companheiro e outros valores por si angariados, pelo que o Banco R. procedeu correctamente ao entregar metade desse dinheiro à R., em aplicação da presunção de comparticipação em partes iguais decorrente do artº 516º do C.Civil – e, nessa base, pediu em reconvenção o reconhecimento da união de facto que existiu entre o pai da A. e a irmã da R., e a condenação da A. a reconhecer essa união de facto e que o valor de 268.723,44 € pertence à R., enquanto herdeira daquela.

Na sequência da normal tramitação processual, foi realizado o julgamento, após o qual foi lavrada sentença (a fls. 305-330) em que se decidiu julgar parcialmente procedente a acção – condenando os RR. a pagar à A., solidariamente, a quantia de 267.979,91 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre 23.187,40 € desde 3/4/2014 e sobre 244.792,51 € desde 10/3/2014, vencidos e vincendos, até integral pagamento – e parcialmente procedente a reconvenção – declarando o reconhecimento da união de facto entre o pai da A. e a irmã da R. por mais de 20 anos.

Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, no essencial, o seguinte: estando em causa apurar a propriedade do dinheiro depositado no Banco R., em conta solidária em nome do pai da A. e da irmã da R., com depósitos a prazo associados, resultou da matéria de facto provada que naquela conta foi depositada a quantia de 495.907,04 €, que pertencia em exclusivo ao pai da A.; mais se provou que nessa conta era também depositada a pensão de sobrevivência auferida pela irmã da R., no montante mensal de 175,43 €; provou-se igualmente a existência de uma união de facto que ligou o pai da A. e a irmã da R. e que durou mais de 20 anos; não sendo estes casados e tendo o pai da A. sobrevivido à morte da companheira, não adquiriu esta um direito a alimentos que lhe pudesse conferir qualquer direito sobre as quantias pertencentes ao pai da A., ao abrigo do artº 2020º do C.Civil; para efeitos patrimoniais, a união de facto deve ser aproximada das sociedades de facto, sendo de aplicar por analogia o regime das sociedades civis, no que for compatível, pelo que será de ter em conta o artº 992º, nº 1, do C.Civil, segundo o qual os sócios participam nos lucros e perdas na proporção das respectivas entradas; neste contexto, é de concluir que o pai da A. participou quase por inteiro na composição do depósito bancário existente à data da sua morte, sendo de admitir que a irmã da R. gastaria a totalidade da sua pensão nas duas despesas básicas; e, nessa base, deve proceder o pedido formulado pela A. em relação à R., pelo montante de que a R. efectivamente beneficiou, que corresponde a 267.979,91 € (montante que foi repartido em duas verbas, uma de 244.792,51 €, de que a R. se apropriou em 10/3/2014, e outra de 23.187,40 €, que foi afecta ao pagamento de imposto de selo ao Banco, devido a partir de 3/3/2014); em todo o caso, sempre estariam verificados os requisitos do enriquecimento sem causa, previsto no artº 473º do C.Civil, de aplicação subsidiária, pelo que também por aí procederia o pedido da A.; quanto ao pedido reconvencional apenas poderá proceder a pretensão respeitante ao reconhecimento da existência da referida união de facto; em relação ao Banco R., a presunção de igualdade de comparticipações do artº 516º do C.Civil, que aquele invoca, cede quando se verifica a situação prevista na própria norma («sempre que (…) resulte que são diferentes as suas partes»); ora se é certo que o Banco não tinha de conhecer a quem pertencia efectivamente o dinheiro, não lhe cabendo apurar a respectiva titularidade, também é exacto que esse Banco, em face do óbito dos titulares e do desacordo dos interessados seus sucessores, que foi levado ao conhecimento do Banco R., não deveria este ter procedido à entrega das quantias a que procedeu, antes devendo ter procedido ao congelamento dos saldos até ao apuramento definitivo da propriedade do dinheiro; como se decidiu já em Ac. RL de 26/1/2016, a solução neste caso seria o Banco colocar-se à margem do diferendo entre os sucessores dos titulares da conta solidária e manter indisponível a movimentação da conta até à resolução do diferendo, por acordo ou por via judicial, e não substituir-se à vontade das partes ou à decisão judicial, definindo a propriedade das quantias depositadas, através da atribuição de metade a cada um dos interessados; e assim incumpriu o Banco R. os deveres contratuais a que estava obrigado, incorrendo em responsabilidade contratual, pelo que deve indemnizar a A., ao abrigo dos artos 798º e 562º do C.Civil.

Inconformado com tal decisão, dela apelou o Banco R., formulando as seguintes conclusões: «1. O Banco aqui Recorrente, não concordando com a, aliás, Douta Sentença, proferida pelo Tribunal a quo, vem da mesma recorrer, impugnando igualmente a decisão relativa à matéria de facto.

  1. Face aos fundamentos invocados e aos concretos meios probatórios constantes do processo igualmente indicados nas alegações, bem se verifica que o Banco não procedeu a uma meação, por herança (nos termos dos arts. 2050º e seguintes do CC), atendendo unicamente à titularidade das contas e bem assim à forma de movimentação da mesma, nos termos dos artigos 1185º, 1187º, 1192º, 1206º, 1142º e 1144º, todos do CC.

  2. A conta de depósitos à ordem, era uma conta colectiva, com dois titulares – a Sra. (…) e o Sr. (…) – e solidária, nos termos do artigo 7º do CdVM.

  3. Todas as subcontas de aplicações financeiras eram igualmente contas colectivas, com dois titulares – a Sra. (…) e o Sr. (…) – e solidárias.

  4. Assim a questão da titularidade diz respeito à propriedade do património nas contas depositado, ao passo que a questão da solidariedade é relativa à movimentação da conta.

  5. A propriedade do capital é alheia ao Banco Recorrente, dizendo unicamente respeito aos titulares, tendo unicamente o Banco Recorrente que o restituir in casu, aos legítimos herdeiros, nos termos dos artigos 1185º, 1187º, 1192º, 1206º, 1142º e 1144º, todos do CC, e do artigo 7º do CdVM.

  6. E, quer a Sra. (…), quer o Sr. (…), eram ambos titulares e, portanto, proprietários de todo o património ali depositado.

  7. E tal foi o que contratualizaram com o Banco aqui Recorrente, bem sabendo o Sr. (…), homem de negócios experiente e com muito sucesso, que poderia ter optado por outro tipo de conta (entre elas a mista), para proteger a propriedade de todos os fundos, caso assim o quisesse.

  8. Poderia também – caso não quisesse que a sua companheira de 30 anos fosse proprietária daquele capital – ter recorrido à figura da Representação Voluntária, nomeadamente a Procuração, nos termos previstos dos artigos 262º e seguintes do CC.

  9. Contudo, ambos não quiseram que assim fosse, tendo optado por uma conta colectiva, com os dois como titulares e solidária.

  10. Solidariedade essa que permitia que qualquer um dos titulares (proprietários do capital) movimentasse todo o capital de tais contas, e no limite esvaziar as mesmas.

  11. As decisões que tomaram foram assim tomadas de forma consciente, livre e esclarecida.

  12. Não esteve bem o Tribunal a quo, ao não considerar a intenção livre e consciente de ambos ao contratarem com o Banco, naqueles termos.

  13. Ao Banco não cabe conhecer se o dinheiro em depósito...

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