Acórdão nº 268/11.7TBRDD.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO A..., Lda. intentou a presente ação declarativa, com processo ordinário, contra JS, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 354.745,59, acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa legal, sobre a quantia de € 118.248,53.

Alegou a autora que foi associada da Adega Cooperativa de …, CRL sendo que, em Junho de 1989, era credora da mesma pelo valor da uva vendida na campanha de 1987. A referida Adega contraiu um empréstimo obrigacionista junto dos seus associados, mediante a emissão de títulos de investimento, tendo o réu - na qualidade de gerente da autora e utilizando o saldo credor que esta dispunha sobre aquela, no montante de 7.000.000$00 – subscrito, em 1 de Julho de 1989, 14 mil títulos de investimento, sendo que 8 mil desses títulos, no valor de 4.000.000$00, foram subscritos em nome da autora e 6 mil, no valor de 3.000.000$00, em seu nome pessoal.

Mais tarde, em 14 de Fevereiro de 1990, o réu voltou a subscrever, com fundos da sociedade, mais 2.600.000$00 de títulos de investimento e, em 31 de Março de 1990, deu ordens para a Adega transferir para seu nome pessoal 2.500.000$00 de títulos inicialmente subscritos em nome da Autora, tendo em 1 de Junho de 1990 dado a mesma ordem relativamente aos restantes títulos, no valor de 1.500.000$00. Nessa mesma data, o réu voltou a subscrever, novamente com fundos da autora, mais 3.000.000$00 de títulos de investimento. Entre 1 de Dezembro de 1989 e 1 de Junho de 1996, o réu recebeu por conta dos títulos de investimento subscritos com dinheiro da autora, juros no valor global de 11.106.702$00.

Alegou, por último, que o réu veio a proceder, em 1 de Junho de 1996, ao resgate em seu benefício da totalidade dos títulos de investimento subscritos com o dinheiro da autora, no valor de 12.600.000$00, o que fez aproveitando-se do facto de ser gerente da autora, com vista a apropriar-se de dinheiro que sabia pertencer àquela, tendo-lhe causado um prejuízo em montante equivalente, sem prejuízo dos respetivos juros de mora.

O réu contestou, invocando a existência de uma questão prejudicial a ser decidida no processo nº 253/09.9TBRDD, relativa à anulação de uma deliberação social que o excluiu de sócio da autora.

Por exceção arguiu a existência de litispendência por identidade de partes, causa de pedir e pedido relativamente ao processo nº 28/2001 a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Redondo, e a prescrição do direito invocado pela autora, por terem decorrido mais de 3 anos entre a data em que as partes foram remetidas para os meios comuns em processo criminal contra o mesmo instaurado e a propositura da presente ação, e, bem assim, de mais de 20 anos desde a data da prática dos factos que lhe são imputados.

Por impugnação alegou que enquanto gerente da autora sempre deu a conhecer aos demais sócios os movimentos e fluxos financeiros da sociedade, sendo todas as despesas da sociedade suportadas pelo réu, que adiantava significativas verbas à mesma para suportar os seus encargos correntes, afirmando serem falsos os factos alegados pela autora.

A autora replicou, defendendo a improcedência das exceções deduzidas e a inexistência da invocada questão prejudicial, concluindo como na petição inicial.

Por despacho de 23.10.2013, a fls. 351-354 dos autos, não foi reconhecida a existência da invocada questão prejudicial e, em consequência, foi indeferida a suspensão da instância.

Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador no qual foram julgadas improcedentes as exceções de litispendência e de prescrição do direito, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Nesta conformidade, tudo visto e ponderado, decide-se: A. Julgar a acção parcialmente procedente, por provada, e, consequentemente, condenar o Réu, JS, a proceder ao pagamento à Autora, A..., Lda, da quantia de €1l6.l60,75, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados, à taxa legal, desde a data da citação até integral e efectivo pagamento; B. Julgar a acção parcialmente improcedente, por não provada, quanto ao mais e, consequentemente, absolver o Réu do demais peticionado pela Autora.

C. Condenar a Autora e o Réu no pagamento das custas da acção, na proporção do respectivo decaimento.

» Inconformados, o réu e a autora apelaram da sentença, tendo finalizado a respetiva alegação com as seguintes conclusões: Recurso do réu «a) tendo os factos objecto dos presentes autos ocorrido até 1990, verifica-se a prescrição da pretensão formulada pela A. em juízo, na decorrência directo do determinado nos arts. 482º e 498° do Cod. Civil; b) a tal conclusão não obsta o facto de ter corrido processo crime pelo qual o recorrente foi condenado pela pratica de crime de abuso de confiança, na medida em que, mesmo considerando o prazo prescricional crime de dez anos, não podendo o mesmo exceder o prazo e metade, sempre também o prazo de prescrição já ocorreu; c) os arts. 674°A e 674°B do Cod. Proc. Civil não determinam, a exemplo do que se fez na sentença recorrida, uma represtinação integral probatória dos factos consignados em sede de sentença criminal, tendo de ser corroborados e aferidos á luz do art. 342º do Cod. Civil, que não pode ficar desvirtuado como elemento de repartição do ónus da prova, sendo que apenas podem ser considerados os factos confirmados em sede de processo civil que já mereceram afirmação no âmbito criminal se prova contraria lhe não for aposta e na estrita medida em que ocorreu a condenação e absolvição efectuada em sede de sentença criminal; d) tendo, em sede criminal ocorrida a condenação do recorrente JS pela pratica de um crime de abuso de confiança e de um crime de fraude na obtenção de subsidio, processo no qual a A. também foi arguida, apenas nos elementos de conexão poderão as sentenças em si ser consideradas para fins de confirmação probatória e nunca recuperadas em absoluto, inviabilizando a consideração probatória absoluta dos pontos 8 e 9 dos factos provados; e) foram alegados factos impeditivos da procedência da acção em sede de contestação que, por não haverem sido considerados para efeitos de produção de prova, limitaram, de forma violadora dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, a possibilidade do recorrente de demonstrar a incoerência de génese da pretensão deduzida; j) a sentença recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais invocados nas presentes conclusões e enferma de erro de julgamento.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!» Recurso da autora «1. Tendo sido instaurado processo-crime contra o lesante - o réu - pela prática de um crime semi-público, mediante a apresentação oportuna da competente participação criminal por parte do lesado - a autora - deve entender-se que este manifestou indirecta a intenção de exercer o direito de ser indemnizado pelos prejuízos que lhe foram causados pelo lesante; nesta medida, atento o disposto no art. 323º do CC, a instauração do processo-crime interrompeu a prescrição; 2. A participação criminal, a partir do momento em que é levada ao conhecimento pessoa denunciada no processo de inquérito, constitui também uma verdadeira interpelação para o cumprimento da obrigação de indemnização pelos prejuízos causados com a conduta que lhe foi imputada, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 805º, nº 1, do cc. E é justamente por se tratar de uma verdadeira interpelação, promovida no âmbito de um procedimento judicial, que a participação criminal tem a virtualidade de uma vez apresentada, interromper o curso do prazo prescricional, nos termos do art. 323º do CC; 3. No caso dos autos, o réu tomou conhecimento dos factos participados pela recorrente no dia 9 de Julho de 2002, quando inquirido em sede de inquérito. O réu nesse acto negou os factos e apresentou a sua posição. Posteriormente, os factos participados pela recorrente foram considerados provados por sentença criminal transitada em julgado. A presente acção tem por fundamento justamente os mesmos factos. Que foram considerados provados na sentença recorrida. Face a estas circunstâncias deverá considerar-se que o réu foi interpelado nos termos e para os efeitos do art. 805º, nº 1, do CC, em 9 de Julho de 2002; 4. No auto de inquirição de 9 de Julho de 2002 (doc. 41 anexo à p.i.), o réu, de forma inequívoca e categórica, negou os factos participados pela recorrente. O réu manifestou assim vontade de não cumprir a obrigação de indemnizar a autora recorrente pelos prejuízos causados com a sua conduta. Pelo que, perante a posição do réu, reassumida várias vezes no âmbito do processo criminal (instrução, julgamento e recurso), não é exigível a interpelação prevista no art. 805º, nº 1, do CC, constituindo-se o réu em mora naquela data; 5. Os actos ilícitos que consubstanciem a prática de crime dão origem a mora do devedor «independentemente de interpelação», nos termos do art. 805º, nº 2, b) do cc. No caso concreto dos autos os valores de que o réu se apropriou são certos e Determinados, sendo conhecida também a data em que a apropriação se concretizou. A obrigação de indemnizar proveniente de facto ilícito tem, por força do disposto na alínea b) deste artigo 80Sº, um termo inicial específico, que é o da data da prática do facto ilícito. Portanto, em último caso, a contagem dos juros de mora deveria ter início nas datas nos factos provados nº 8, n) e 9.

  1. A sentença recorrida violou as normas atrás referenciadas.

    Nestes termos e nos demais de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e consequentemente ser proferido Acórdão que...

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