Acórdão nº 820/15.1T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelJOÃO NUNES
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 820/15.1T8FAR.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório BB (Autor/recorrente) intentou na Comarca de Faro (Faro – Inst. Central – 1.ª Sec. Trabalho – J2) e com o benefício do apoio judiciário – na modalidade de nomeação e pagamento de compensação de patrono, e de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo –, a presente acção declarativa, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CC, Lda.

(Ré/recorrida), pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 15.210,59 (sendo € 13.170,38 a título de “compensação por despedimento e acerto de contas” e € 2.040,21 por “salários em atraso”), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 30-12-2014 e até integral pagamento.

Alegou para o efeito, muito em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré em 2 de Novembro de 1999 e que em 16-12-2014 celebrou um acordo escrito com a mesma, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1, 2 e 4 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro – acordo esse que designaram de “Acordo de cessação de contrato de trabalho” e pelo qual puseram termo ao contrato de trabalho –, nos termos do qual a Ré se obrigou a pagar-lhe a quantia supra referida, o que não cumpriu.

Realizada a audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, alegando, também muito em síntese, que o acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado não corresponde à verdade, tendo sido celebrado por um dos três gerentes da Ré, de nome DD, sem o assentimento dos restantes, no dia anterior à realização de uma assembleia geral desta, em cuja ordem de trabalhos estava prevista a nomeação (também) de um outro gerente para a Ré: e, com o fim de prejudicar a sociedade Ré e a gerência que lhe viesse a suceder, o referido gerente da Ré e o Autor celebraram o acordo ora em apreço.

Acrescentou que logo que a “nova gerência” tomou conhecimento da celebração do acordo em causa, remeteu uma carta registada ao Autor, comunicando-lhe que aquele não produzia efeitos, na medida em que os outros gerentes da Ré não tinham sido convocados para qualquer reunião nem davam o seu assentimento à celebração de tal acordo, pelo que convidavam o Autor para comparecer a uma reunião, o que este não aceitou.

Concluiu não dever ao Autor as quantias peticionadas, não só por o acordo de cessação do contrato não corresponder à vontade das partes, como ainda por a quantia nele referida a título de salários em dívida (€ 2.040,21) ter sido paga.

E requereu a intervenção principal provocada do gerente (DD) que celebrou o acordo em nome da Ré, bem como a mulher deste (EE), que exercia as funções de “gerente de facto”.

Mais requereu o depoimento de parte do Autor.

Respondeu o Autor, a reafirmar, no essencial, o constante da petição inicial e a validade do acordo de cessação do contrato de trabalho que celebrou com a Ré, na medida em que o gerente que assinou o mesmo em nome da Ré tinha poderes de representação e podia obrigar esta.

Em 16-09-2015 foi proferido despacho saneador stricto sensu, fixado valor à causa (€ 15.210,59) e admitido o depoimento de parte do Autor.

No prosseguimento dos autos, realizou-se a audiência de julgamento em 15-10-2015, tendo no início da mesma, e na sequência de anterior requerimento apresentado pelo Autor, sido proferido o seguinte despacho: «A Ré veio requerer o depoimento de parte do autor na sua contestação.

Sobre a contestação pronunciou-se o Autor em sede de resposta.

Era neste articulado que o Autor se deveria ter pronunciado sobre o objecto do depoimento de parte requerido, sendo certo que não o fez.

Pelo exposto, por absolutamente extemporâneo indefere-se o requerido pelo autor a fls. 115 a fls. 138.

Notifique».

A 1.ª instância respondeu à matéria de facto, e em 23-11-2015 foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformado com o assim decidido, o Autor interpôs recurso para este tribunal, tendo no respectivo requerimento suscitado desde logo a questão da nulidade da sentença, por esta ter conhecido de matéria de que não podia tomar conhecimento, concretamente por ter admitido o depoimento de parte do Autor a factos que entende não serem factos pessoais ou de que devesse ter conhecimento.

E concluiu as alegações mediante a formulação das conclusões que se transcrevem: «

  1. O anterior gerente da sociedade R., DD, foi a pessoa que assinou o acordo de cessação do contrato de contrato em causa nos autos, tinha poderes de representação e podia obrigar a sociedade R..

  2. Não subsistem dúvidas sobre a vinculação da sociedade R., uma vez que sobre a assinatura do gerente DD foi aposto o carimbo da sociedade.

  3. A R. sociedade deduziu a simulação por via de excepção.

  4. O acordo simulatório, quando invocado por terceiros, pode ser provado por quaisquer meios probatórios, incluindo testemunhas ou presunções.

  5. A prova testemunhal a que se refere o n.º 3 do artigo 394.º do Código Civil só é admissível no que se refere a terceiros que façam prova em processo em que sejam partes os simuladores ou um dos simuladores.

  6. Não é o caso, pois que, o n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil tem aqui aplicação porque o recorrido que alegou na sua contestação, por via de excepção, que o acordo de cessação do contrato de trabalho foi simulado é a própria R. sociedade, que é ela própria simuladora, não é terceiro.

  7. Já o anterior gerente, DD, terá de ser considerado terceiro em relação ao negócio realizado pois agiu como gerente da sociedade recorrida, portanto em representação desta, como, aliás, se reconhece, não podendo, assim, utilizar-se como se utilizou a prova testemunhal, pelo que este preceito foi violado no caso concreto.

  8. Com efeito, o acordo simulatório, quando não for invocado por terceiros, não pode ser provado através de testemunhas ou presunções, já que os efeitos jurídicos dos actos do representante, agindo em nome do representado, repercutem-se na esfera jurídica deste.

  9. A R. sociedade não arguiu o incidente de falsidade do documento (Acordo de Cessação do Contrato de Trabalho), J) A R. em sede de contestação requereu a Intervenção provocada do gerente que subscreveu o acordo de cessação do contrato de trabalho, que mereceu a oposição do ora recorrente, veio a Mma. Juiz do Tribunal a quo a decidir em sede de Despacho Saneador pela sua não admissão.

  10. Por não ter sido interposto recurso dessa decisão de não admitir a intervenção provocada do DD e EE a mesma transitou em julgado, uma vez, que, o despacho saneador só constitui caso julgado relativamente às excepções e nulidades referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 595.º do CPC, como é o caso da legitimidade, se tais questões forem concretamente apreciadas como sucedeu, isto nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 595.º.

  11. A questão do litisconsóricio necessário foi concretamente apreciada, afastando-se definitivamente a possibilidade por via do trânsito em julgado, de ser chamado o DD para dele se obter confissão.

  12. Deste modo, não tendo a R. sociedade arguido o incidente de falsidade do documento dos autos, e impossibilitada de obter a confissão do gerente DD por se ter conformado com a decisão de não admissão da intervenção provocada, já transitada em julgado, temos, por seguro, que estava vedado à R. sociedade o recurso à prova testemunhal para a prova do dito acordo simulatório.

  13. Assim sendo, com o respeito que é devido, a Mma. Juiz do Tribunal a quo ao admitir a produção de prova testemunhal para prova dos factos alegados na contestação, por via de excepção, para arguir a simulação do acordo dos autos, violou expressamente o disposto no n.º 1 e n.º 2 do artigo 394.º do CC.

  14. Assim sendo, com excepção da prova documental em que o tribunal se baseou para julgar provados os factos deles decorrentes, não é admissível a prova testemunhal para prova dos factos genericamente alegados em articulados 1.º a 77.º da contestação no que respeita a actos simulatórios, devendo, no despacho de resposta aos quesitos j) a II) na parte em que as respostas se basearam em depoimentos testemunhais, serem «NÃO PROVADOS» (artigos 394.º, n.ºs 1 e 2 e 662.º, n.º 1 do CPC.) P) Para além disso, dir-se-á ainda que a Mma. Juiz do Tribunal a quo violou, por erro de interpretação o disposto no artigo 451.º, n.º 1 do CPC ao admitir o depoimento de parte do A. aos factos alegados em articulados 5.º a 76.º da contestação, os quais, não são pessoais nem são factos que devam ser do conhecimento do A.

  15. Manifestamente, os factos alegados em 5.º (sabe apenas que era o referido sócio gerente DD quem geria o hotel), 7.º, 8.º, 9.º a partir de " e tentava-se inteirar ...", 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 41.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 56.º, 57.º, 58.º, 62.º, 63.º (sabe apenas que o seu contrato cessou), 67.º, 73.º e 74.º não são factos de que o A. deva ter conhecimento, aliás, tal foi referido em articulado 31.º da resposta (vide requerimento electrónico com a ref.ª 19879404 de 11/05/2015) R) Ao admitir o depoimento de parte do A. em violação do disposto no artigo 451.º, n.º 1 do CPC, permitiu-se ainda a Mma. Juiz do Tribunal a quo confrontar esse depoimento prestado pelo A. como parte com os depoimentos das testemunhas, cuja prova não é admissivel à luz do disposto no artigo 394.º, n.º 1 e 2 do CC, extraindo desse confronto as presunções judiciais que utilizou na fundamentação da sua decisão da matéria de facto.

  16. Ora como se sabe, presunções são as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um outro desconhecido, sendo as judiciais unicamente admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.ºs 349 e 351 do CC).

  17. As presunções judiciais inspiram-se nas regras da experiência, nos juízos correntes de...

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