Acórdão nº 4724/10.6TBSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO SOUSA E FARO
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Instância Central de Setúbal Secção Cível – J2 Processo n.º 4724/10.6TBSTB ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I- RELATÓRIO AA – SGPS, S.A. e BB – Imobiliária, S.A., intentaram acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra CC DD pedindo ao Tribunal que decretasse: 1) A resolução do contrato-promessa dos autos, por incumprimento imputável aos 1.º e 2.º Réus, e serem estes condenados a pagar às Autoras a quantia de € 6.675.000,00, a título de indemnização correspondente à devolução, em dobro, do sinal por estas prestado, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Subsidiariamente, e na situação da improcedência deste pedido; 2) A anulação do contrato promessa dos autos, por erro sobre o objecto e os motivos do negócio, e serem os Réus condenados a pagar às Autoras a quantia de € 3.337.500,00, a título de restituição, em singelo, do sinal prestado, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

E, ainda, subsidiariamente; 3) A execução específica do contrato-promessa dos autos, com a declaração de venda às Autoras das participações sociais que compõem o capital social da 3.ª Ré, e, indirectamente, por via dessa venda, a venda da Quinta do ....

Realizada audiência final, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção e absolveu os Réus da integralidade dos pedidos formulados pelas Autoras.

  1. Desta sentença interpôs a Autora AA-SGPS, S.A. apelação, formulando as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Setúbal que julgou a presente acção totalmente improcedente, por não provada, tendo, consequentemente, absolvido os Recorridos dos pedidos que contra os mesmos foram formulados.

    B. O presente recurso tem por objecto, em primeira linha, a decisão proferida sobre vários pontos da matéria de facto que, por enfermar de manifesto erro na apreciação das provas, conduziu a um errado enquadramento legal do caso subjudice e à adopção de uma solução jurídica injusta e infundada.

    C. Em conformidade com o sentido comum de justiça, o resultado a que o Tribunal de Primeira Instância chegou confirmou um desequilíbrio manifestamente excessivo que não tem, salvo melhor entendimento, o menor cabimento legal.

    D. O que o Tribunal recorrido decidiu convalidar, ao não ter deferido qualquer dos pedidos formulados pela Recorrente e pela BB – Imobiliária, S.A., foi a manutenção dos Recorridos na posse do imóvel cuja aquisição era o objecto mediato do contrato-promessa celebrado entre as partes e que, de acordo com a avaliação pericial idónea constante dos autos (fls. 339 e ss), ascende ao valor de €808.000,00, e ainda da totalidade do sinal e princípio de pagamento entregue pelas Autoras pelo contrato que não chegou a realizar-se, num total de €3.336.330,00! E. O Tribunal chegou à decisão não por imperativo de lei, mas por uma avaliação dos factos e do direito que desconsiderou por completo os mais elementares princípios e regras de justiça, equidade e adequação das decisões aos parâmetros normais da vida em sociedade.

    F. Depois de analisado todo o processado, as provas produzidas e, posteriormente, a decisão recorrida, ressalta que se perdeu o sentimento geral de justiça, que há-de ser o primeiro critério da decisão jurisdicional, talvez pelo desfasamento temporal verificado entre o termo da fase de produção de prova e o momento da prolação da sentença: entre os dois momentos mediaram mais de dois anos.

    G. Ademais, o Tribunal não cuidou de ponderar todas as soluções plausíveis do diferendo em apreço, não sopesou os vários argumentos esgrimidos por ambas as partes, não atentou detidamente sobre a totalidade dos meios probatórios constantes do processo: desde a documental, pericial, por confissão até à prova testemunhal e, sobretudo, não fez temperar a sua análise dum critério decisório muito relevante que é o da experiência comum.

    H. Na presente acção, a Recorrente e a BB – Imobiliária, S.A. deduziram três pedidos subsidiários entre si: primeiro, o da declaração de incumprimento definitivo do contrato-promessa de cessão de quotas e de créditos por banda dos Recorridos, com a consequente condenação destes na devolução às Autoras do sinal pago em dobro; em segundo lugar e subsidiariamente, a anulação do aludido contrato-promessa por erro sobre o objecto do negócio, com a consequente condenação dos Recorridos na devolução do sinal recebido em singelo e, em terceiro lugar e ainda subsidiariamente, para o caso de nenhum dos pedidos proceder, a execução específica do contrato-promessa.

    I. O Tribunal recorrido decidiu que: i) O primeiro pedido – o da ilicitude da resolução operada pelos Recorridos e de declaração de incumprimento definitivo imputável aos Recorridos, com a consequente condenação dos mesmos em devolver à Recorrente e à BB – Imobiliária, S.A. o sinal pago em dobro – improcedia, porquanto a resolução operada pelos Recorridos seria válida e eficaz, atendendo a que as Autoras não celebraram o contrato definitivo no prazo definido pelos Recorridos e que para estes seria essencial; ii) Por outro lado, o Tribunal decidiu que o negócio não seria anulável, por não se ter provado que a Recorrente e a BB – Imobiliária, S.A. tenham celebrado o negócio com erro viciante da sua vontade, considerando que, no entendimento do Tribunal, os Recorridos nunca garantiram àquelas que o imóvel teria uma capacidade construtiva superior a onze mil metros quadrados; iii) Por último, o Tribunal decidiu não conceder às Autoras o pedido de execução específica do contrato-promessa por ter entendido que um contrato incumprido não era susceptível de execução específica.

    J. Por cada uma destas decisões consubstanciar erro de julgamento, enfermarem ainda de erro de julgamento quanto à matéria de facto, analisar-se-á cada uma de tais decisões separadamente.

    Da inexistência de incumprimento definitivo imputável às Autoras K. Na sentença proferida e objecto de recurso, o Tribunal decidiu que “o clausulado do contrato-promessa firmado entre as partes é impressivo para fundamentar uma conclusão acerca do carácter essencial do prazo fixado pelos promitentes cedentes para a celebração do contrato definitivo. As partes, no texto do contrato-promessa, evidenciam inequivocamente tal vontade, mormente através da advertência de que o incumprimento desse prazo fixado pelos promitentes cedentes faria recair as promitentes cessionárias em incumprimento definitivo. Estamos perante um prazo essencial.” L. Sucede que, ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal a quo, o prazo fixado no contrato-promessa em causa nos autos não é essencial e não existe outra causa de incumprimento definitivo.

    M. O prazo não é essencial, porque, em primeiro lugar, os Promitentes Cedentes, ora Recorridos, acompanharam activamente as Promitentes Cessionárias, entre as quais a aqui Recorrente, durante o longo período de quatro anos que decorreu após a celebração do contrato-promessa de cessão de quotas e de créditos e que ultrapassou largamente o prazo inicialmente definido em tal promessa para a outorga da escritura do contrato prometido.

    N. Por outro lado, os adiamentos sucessivos – o primeiro em Dezembro de 2006 e o segundo em 25 de Janeiro de 2008 - acordados entre as partes da data para a celebração do contrato definitivo é também indiciadora da não essencialidade do prazo originalmente definido no contrato para a outorga do contrato definitivo. Ou seja: o prazo contratualmente estabelecido tanto não era absolutamente essencial para os Recorridos que o mesmo foi sucessivamente recalendarizado – cfr. documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a petição inicial.

    O. Estes adiamentos foram provocados por não se terem reunido as condições necessárias à celebração do contrato prometido, que eram conhecidas dos Recorridos.

    P. Acresce ainda, em terceiro lugar, que os Recorridos, na carta enviada em 08 de Janeiro de 2010 e junta aos autos como documento n.º 7 da petição inicial, na qual procedem à marcação da escritura pública de cessão de quotas e créditos para o dia 03 de Fevereiro de 2010, pelas 15 horas, informam, todavia, que“apesar da marcação feita, admitimos que V. Exas. possam ter algum impedimento relativamente à data ou hora referidos, pelo que, sendo esse o caso, agradecemos nos indiquem, no prazo de 3 dias e de acordo com a BB – Imobiliária, S.A., outras alternativas, para que possamos atempadamente agendar nova marcação com o notário”.

    Q. Daqui resulta que nem sequer a data de 03.02.2010 marcada pelos Recorridos para a celebração do contrato definitivo se mostrava absolutamente essencial, porque são os próprios que admitem que, caso a parte contrária tivesse algum impedimento relativamente à data ou hora referidos, poderiam indicar datas alternativas.

    R. Acresce ainda, por outro lado, que também nunca se verificaria incumprimento definitivo por parte das Autoras, Promitentes Cessionárias, por desinteresse na celebração do contrato definitivo, porquanto as mesmas nunca desistiram do negócio ou sequer mostraram intenção de não o cumprir.

    S. E nem se diga, a este propósito, ao contrário do que fez o Tribunal a quo, que no dia Cartório Notarial as Autoras “manifestaram o propósito de não celebrar o dito contrato prometido”, porquanto tal é inexacto. Tal declaração não é uma manifestação da vontade de não cumprir o contrato, dizendo-se, ao invés, que, não se verificando os pressupostos com base nos quais o contrato-promessa foi celebrado, o contrato deveria ser celebrado em termos diversos daqueles que haviam sido projectados na pressuposição de certas condições essenciais que se constatou, então, não se verificarem.

    T. Aliás, foram os Recorridos pessoas singulares quem não cumpriu a obrigação assumida de vender a F..., cujo único activo consistia num imóvel com a capacidade edificativa necessária ao projecto imobiliário previsto, que constituiu pressuposto essencial da promessa...

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