Acórdão nº 1214/16.7T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução25 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora *** I. Relatório.

O Digno Magistrado do Ministério Público intentou a presente ação declarativa comum contra AA, BB e CC, pedindo a declaração de nulidade da divisão de um prédio rústico, titulada por escrituras de justificação outorgadas pelos réus em 26.09.2013.

Para tanto, alegou, em síntese, que através daquelas escrituras, os réus justificaram a posse de duas parcelas de um prédio misto sito em C..., Freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, uma com a área de 2753,17m2 e outra com a área de 2623,92m2, tendo a divisão e desanexação ocorrido nessa data, ou em data próxima, pelo que as declarações constantes das escrituras são falsas. A divisão do prédio primitivo é proibida por Lei, porquanto as parcelas têm área inferior à área de cultura mínima, nos termos do art.º 1376º n.º 1 do Cód. Civil e Portaria 202/70, de 21/04.

Citados, os réus contestaram, alegando que o prédio foi objeto de divisão e doação verbal nos anos 70 e que desde então exerceram o direito de propriedade sobre a respetiva parcela, à vista de todos e sem oposição de quem quer que seja, adquirindo tais parcelas por usucapião, pelo que a ação deve ser julgada improcedente.

Foi proferido o despacho saneador, que afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto de litígio e enunciou os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu os réus do pedido.

Inconformado com esta sentença, veio o Digno Magistrado do Ministério Público interpor o presente recurso, apresentando alegações e terminando com as seguintes conclusões: 1. Ainda que se tenha verificado a usucapião, tal instituto jurídico não prevalece sobre as normas que proíbem o fracionamento de prédios rústicos por ofensa da área de cultura mínima; 2. Estas últimas normas constituem a disposição legal em contrário, mencionada no próprio art.º 1287º do Código Civil; 3. Assim, os negócios jurídicos titulados pelas escrituras juntas aos autos são anuláveis, por ofensa do disposto no art.º 1376º do Código Civil.

Pelo que deve ser a douta sentença ser revogada, no que se fará Justiça!*** Contra-alegaram os réus, defendendo a bondade e manutenção integral da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*** II – Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente, as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se as escrituras públicas realizadas pelos réus são nulas, por violarem preceitos legais imperativos que impedem o fracionamento de prédios rústicos nos termos aí concretizados.

***III – Fundamentação.

  1. Matéria de facto.

    1.1. Na 1.ª instância foi considerada assente a seguinte factualidade, a qual não vem questionada: 1 – No dia 26 de Setembro de 2013, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial da Licª … em Palmela, o 1º R justificou a posse do prédio misto sito em C..., Freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, composto- na sua parte rústica de terreno hortícola de regadio, confrontando de Norte com António ..., de Sul com BB e CC, de Nascente com vala de água, e de Poente com Estrada pública, com a área de 2.753, 17 m2, atualmente inscrito na matriz com o art. … da Secção D.

    2 - No dia 26 de Setembro de 2013, por escritura pública celebrada no Cartório Notarial da Licª … em Palmela, os 2º e 3º RR justificaram a posse do prédio rústico sito em C..., Freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, composto de terras de semeadura e árvores de fruto, confrontando de Norte com Filipe … e Maria …, de Sul e poente com estrada pública e de Nascente com vale de água, com a área de 2.623,92 m2, atualmente inscrito na matriz com o art. … da Secção D.

    3 – Sendo ambos a destacar do prédio rústico com a área total aproximada de 5.500m2, composto a parte rústica de terreno hortícola de regadio e charco e a parte urbana de casas térreas de habitação, sito em C..., Freguesia de Pinhal Novo, concelho de Palmela, inscrito na matriz sob o art.º …- secção D da Freguesia de Pinhal Novo, e descrito no registo predial de Palmela sob o nº … .

    4 – No ano de 1970, o proprietário do prédio identificado em 3., Manuel …, dividiu-o em duas parcelas, a que correspondem os prédios descritos nas escrituras de justificação, e doou verbalmente cada uma delas a cada um dos filhos: o aqui réu AA e António …, pai dos 2º e 3º réus.

    5 - Desde os anos 70 que o 1º R habita na casa implantada na parcela de terreno descrita em 1., pagando as respetivas contribuições (IMI) e realizando obras de melhoramento e conservação, designadamente, rebocou paredes, pintou o exterior e interior, colocou janelas novas em madeira e persianas.

    6 – E vedou a parcela com rede e portão em chapa.

    7 – Bem como lavrou e plantou a terra (com batatas, ervilhas, feijão) procedendo também à sua colheita.

    8 – Atuando sempre à vista de todos, sem oposição de ninguém e na convicção de ser o dono da parcela.

    9 – Nos anos 80, o pai dos 2º e 3º réus - Manuel … – doou-lhes verbalmente a parcela de terreno descrita em 2.

    10 – Os 2º e 3º réus, e antes deles o seu pai, também vedaram a parcela e colocaram um portão em ferro.

    11 – Desde 1970, o pai dos 2º e 3º réus, e depois eles próprios, cuidaram do terreno, mantendo-o limpo, lavrando, plantando e colhendo o produto das sementeiras.

    12 – Atuando sempre à vista de todos, sem oposição de ninguém e na convicção de serem os donos da referida parcela*** 2. O direito.

    2.1. A questão central a decidir consiste, pois, em saber, se a usucapião, como forma originária de adquirir, pode incidir sobre parcela de terreno inferior a unidade de cultura, contrariando o regime previsto no art.º 1376.º/1 do C. Civil.

    Na decisão recorrida entendeu-se que ficou demonstrada a aquisição, por usucapião, por banda dos réus, das parcelas de terreno em causa e que essa aquisição prevalece sobre a proibição contida no art.º 1376.º/1 do C. Civil, não operando a nulidade do ato de fracionamento previsto no n.º1 do seu art.º 1379.º.

    Com efeito, escreveu-se na decisão recorrida: “(…) Mais se conclui, da factualidade assente, que essa utilização do terreno é conhecida e feita à vista de toda a gente, não havendo notícia de oposição de quer que seja, mantendo-se continuamente e sem interrupções desde 1970 e até à presente data.

    Trata-se, pois, do exercício de posse não titulada, não registada, pacífica, pública, de boa-fé e ininterrupta, e que conduziu à aquisição originária do direito de propriedade sobre cada um dos lotes de terreno por usucapião (artigos 1296.º e 1316.º, do Código Civil).

    Por tudo o...

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