Acórdão nº 81/13.7TALLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOÃO LATAS
Data da Resolução12 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo que correram termos no Juízo Central Criminal de Faro (Juiz 4) do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi sujeito a julgamento LF, nascido em 19/10/1961, natural de Loulé, divorciado, quem o MP imputara a prática de dois crimes de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217º n.º 1 e 218º n.º 1 e 2 al. a) e c) do CP, e um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º n.º 1 al. a) do CP.

  1. R. constituiu-se assistente e, em seu nome e como sucessora de MC, deduziu pedido de indemnização contra o arguido e o Banco …SA, pretendendo obter o pagamento das quantias de que o arguido se teria apropriado, que contabilizou em 969.713,02 euros, acrescido de 379.859,37 euros de juros vencidos e de juros vincendos.

  2. – Após audiência de discussão e julgamento, o tribunal coletivo decidiu: - Absolver o arguido LF da acusação da prática de dois crimes de burla mas apenas quanto à circunstância qualificativa prevista na al. c) do n.º2 do art. 218º do CP; - Condenar o arguido LF pela prática de: i. um crime de burla qualificada, p. e p. pelos art. 217º n.º 1 e 218º n.º2 al. a) do CP, na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão; ii. um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º n.º 1 e 218º n.º2 al. a) do CP, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; iii. um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256º n.º1 al. a) do CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão; - condenar, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas, o arguido LF na pena conjunta de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; - condenar os demandados LF e Banco----, SA a pagarem solidariamente à demandante R. a quantia de 834.805,93 euros (oitocentos e trinta e quatro mil oitocentos e cinco euros e noventa e três cents), a que acrescem juros de mora (à taxa legal), até pagamento, sendo: i. devidos pelo Banco demandado desde os últimos 5 anos anteriores à data da instauração do procedimento criminal (cinco anos que antecedem 28.12.2012), sendo os juros contados sobre o valor em dívida na data do início da sua contagem, e sobre os valores posteriormente desviados pelo arguido a contar da data de cada uma dessas «apropriações» (posteriores a 28.12.2007) – sendo que a partir de 06.03.2008 os juros incidem sobre o valor em dívida depois de descontado o valor que foi devolvido naquela data; ii. devidos pelo arguido desde a data de cada um dos actos apropriativos, sobre o valor da apropriação, descontados os valores devolvidos a partir das datas das devoluções, nos moldes referidos para o Banco popular Portugal, SA, devidamente adaptados.

    - Absolver os demandados do demais peticionado; 3.

    – Deste acórdão recorreram o arguido e o demandado Banco Popular Portugal, SA 3.1. – O arguido extrai da sua motivação as seguintes conclusões: «Em conclusão XIV 1 – O recorrente considera que acórdão recorrido fez errada apreciação da prova, Porém, 2 – Só através da reapreciação da prova poderá o recorrente ver reexaminados e reavaliados tais factos; 3 - Da análise do acórdão recorrido resulta não existir qualquer fundamentação da convicção do julgador relativamente aos factos dados como provados.

    4 - A fundamentação deve ser de modo a permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso, conforme impõe o artº 410º, nº 2 do CPP; 5 - E extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a própria sociedade.

    6- O princípio do dever de fundamentação dos actos decisórios, é um princípio geral extensivo a todos os ramos de direito, previsto no artº 208º, nº 1, da Constituição; 7 - Todos os actos decisórios em direito processual penal, de acordo com o disposto no artº 97º, nº 4 do CPP, devem respeitar o princípio da fundamentação; 8 – No acórdão recorrido verifica-se falta de fundamentação quanto aos factos constantes nos pontos 11, de fls 5, 16 de fls 6 28 e 29 de fls 12.

    9 - No processo penal, têm de ser fixados factos, efectivamente provados, e não meras suposições.

    10– Não existe qualquer tipo de fundamentação nestes factos a não ser uma eventual e mera suposição sem qualquer suporte legal e/ou factual.

    12 - Significa isto que todos os actos decisórios em direito processual penal, de acordo com o disposto no artº supra referido, devem respeitar o princípio da fundamentação e, quando tal não se verifique, constitui a nulidade relativa especial prevista no artº 379º, al. a), com o regime fixado nos artºs. 121º e 122, todos do CPP.

    13 - Nulidade esta que se verifica no presente acórdão e a qual deverá ser declarada 14 - Ora, Desde logo verifica-se que entre os factos provados e não provados existem contradições.

    15 - A assistente durante o seu primeiro depoimento, prestado em 09.11.2017, pelas 14h:19m:14s e que durou até 15h:28m:31s refere expressamente e por mais do que uma vez que sabia que eram efectuadas aplicações financeiras.

    Ora, 16 - Quanto aos factos não provados nas alíneas f) e g) verifica-se que existe, primeiro, contradição com alguns dos factos provados e depois porque resulta da prova gravada que os factos deveriam ter sido dados como provados.

    Isto é, 17 - Nos factos a fls 4 nos pontos 3) e 6) é referido as aplicações financeiras quando as demandadas foram informadas das mesmas.

    Acresce que, 18 - Ao longo dos facto dados como provados, o acórdão recorrido nunca refere que a assistente e sua irmã tinham conhecimento das aplicações financeiras e para que o recorrente se deslocava a casa das mesmas, podendo ouvir-se claramente das declarações prestadas pela assistente que o ora recorrente “ia a casa delas para que assinassem os documentos para fazerem novas aplicações financeiras” (primeiro depoimento, prestado em 09.11.2017, pelas 14h:19m:14s e que durou até 15h:28m:31s) Aliás, 18 - É clara a “ aversão” do acórdão recorrido em dar como provado que a assistente e a sua irmã tinham conhecimento de tais produtos (aplicações financeiras quando o faz logo nos primeiros) se atentarmos no ponto 11, 16, 21 dos factos dados como provados devidamente explanados a fls 57 e 58 das presentes alegações.

    19 – Estamos pois, perante ausência de factos e fundamentação.

    20 – Relativamente aos pontos 28 e 29 a fls 12 do acórdão recorrido verifica-se, no entender do recorrente que poderá configurar uma situação de erro na apreciação da prova.

    21 - Como resulta, tanto das declarações da assistente como do seu filho, expressamente referem que não sabem como tais documentos estavam na sua posse (fls 101 a 104).

    22 - A assistente vai mais longe ao dizer que não foi o ora recorrente que lhe entregou tais documentos, bem como o seu filho, o qual diz desconhecer quem o fez.

    (Vide gravações de 09.11.2017 às 14:19:53 e de 22.11.2017 às 11:44:22 da assistente e LD de 21.11.2017 às 15:45:30) Ora, 23 - O que se verifica confrontando a decisão recorrida é que esse erro com o âmbito assim definido, verifica-se na decisão recorrida.

    24 - O que existe, é uma discordância do recorrente em relação ao modo como a prova produzida foi apreciada o que é coisa diversa e não pode ser confundida com a existência de tal erro notório que, reafirma-se, resulta do próprio texto da decisão recorrida e da prova produzida.

    25 - O crime continuado, dá-se quando existe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

    Ora, 26 - No caso dos presentes autos, o Tribunal a quo, não considerou que o bem jurídico em causa é um e apenas um só.

    Isto é, 27 - Apesar de serem duas titulares, a conta bancária é só uma! 28 - Pelo que, pode verificar-se a continuação criminosa mesmo que sejam diversos os ofendidos, o que se verifica nos presentes autos uma vez que o crime visou o mesmo bem jurídico.

    29 - O recorrente, considera que se verificam os pressupostos legais para que seja condenado apenas no crime de burla na forma continuada nos termos do disposto no artº 30º do CP.

    30 - Termos em que salvo melhor opinião deveria o acórdão recorrido ter condenado o arguido noutra pena, devendo o mesmo ser revogado quanto a esta matéria e o ora recorrente ser condenado apenas por um crime de burla qualificada na forma qualificada.

    Por mera cautela, Do crime de Falsificação 31 - No caso subjúdice, e apenas por mera cautela, uma vez que entende o recorrente não existir prova da prática deste crime, há um concurso aparente de normas sob a forma da consunção entre o crime de falsificação de documentos e o crime de burla.

    32 - Terá que se entender “ se a falsificação de documentos é realizada como meio para atingir o crime de burla o agente apenas deverá ser punido pela prática de um crime de burla”.

    33 - Atendendo à vária doutrina, e aos factos supostamente dados como provados (com ausência de fundamentação no entender do recorrente) é claro e evidente que o recorrente, a ter eventualmente praticado este crime, apenas e só o terá praticado como meio necessário para praticar o crime de burla.

    34 - Trata-se, pois, de um caso de consunção impura na medida em que o crime punido com a pena mais grave é consumido pelo menos grave.

    35 - Aliás, esta solução é a única que se imporá caso se continue a dar como provado sem qualquer fundamento que o recorrente praticou este crime, pelo respeito ao princípio ne bis in idem, consagrado constitucionalmente no artº 29º, nº 5 da CRP.

    36 - Impor-se-á a alteração da sentença recorrida, devendo o recorrente:

    1. Ser absolvido do crime de falsificação ou Por mera...

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