Acórdão nº 26/15.0T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO SOUSA E FARO |
Data da Resolução | 14 de Setembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Comarca de Santarém Tomar - Inst. Local - Secção Cível - Jl Proc.N° 26/15.0T8TMR ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I - RELATÓRIO 1.1. AA instaurou contra BB acção declarativa de condenação, sob a forma de processo Comum, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de €4.000,00 (quatro mil euros), acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento e ainda €3.500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos e incómodos no incumprimento do acordado.
Para tanto alegou, em suma, que celebrou com o Réu um “contrato de venda”, nos termos do qual lhe vendeu o direito de uso e exploração da marca comercial "... Chá", bem como todo o recheio presente no estabelecimento comercial sito na Rua … e que não obstante ter tomado posse do estabelecimento em Maio de 2014 e ter iniciado a exploração, o Réu não cumpriu com o plano de pagamentos acordado, tendo pago apenas o montante global de 5.000,00€ em prestações, ficando em dívida o valor de 4.000,00€.
Por outro lado, não tendo pago as prestações acordadas logo em Maio, Junho e Julho, o Réu deixou-a numa situação difícil, pois ainda teve de pagar duas rendas em atraso no valor de 740,00€, bem como liquidar a dois fornecedores as quantias em dívida, de 343,81€ e 314,88€. Acresce que naquela altura se encontrava grávida, tendo toda esta situação provocado ansiedade e nervosismo, sendo que lhe foi diagnosticada uma gravidez de risco com início em Julho e término somente com o nascimento da filha. Sentiu-se defraudada, pelo que entende ser indemnizada no valor de 3500,00€.
O Réu contestou referindo que o contrato celebrado com a Autora foi precedido de uma negociação prévia, no âmbito da qual aquela lhe assegurou que o estabelecimento em causa facturava mensalmente cerca de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) e que as despesas fixas rondavam os 600,00€, pelo que concluiu que o investimento realizado facilmente teria retorno. Mais lhe assegurou a Autora que o valor do recheio não ultrapassaria o montante de 6.000€, pelo que acedeu formalizar o contrato com base no valor global de 5.000,00€, comprometendo-se a liquidar o valor remanescente que resultasse do inventário apenas na perspectiva dos aludidos 6000,00€, ou seja, um encargo adicional de 1000,00€.
Sucedeu, porém, que a Autora veio a remeter-lhe uma listagem de bens totalizando o valor de 8.988,23€, embora sem qualquer suporte contabilístico de base. Aliás, desconhece os cálculos que a Autora realizou para apuramento do valor total do recheio, tendo a mesma se recusado a entregar a cópias da facturas de suporte. E quanto aos bens com que a mesma se disponibilizou a ficar, foram apenas aqueles que faziam falta no estabelecimento.
Acrescentou que a conduta da Autora posterior à formalização do negócio, designadamente ao pretender exigir o pagamento de um valor que consubstancia mais do dobro do que inicialmente haviam contratado, consubstancia uma conduta apta a trair o investimento de confiança que fez. Os factos, no seu entender, demonstram que a exigência do valor peticionado constitui, em si, uma clara injustiça. Concluiu que a conduta da Autora integra o conceito de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Por outro lado, referindo-se à cláusula 2.° al. d) do contrato, mencionou que a mesma é manifestamente atentatória do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança. Confrontando o conteúdo da mesma aos desígnios da Autora, em circunstância alguma podia prever o valor que no caso concreto ali estaria em causa. A admitir-se o preenchimento da cláusula fora do quadro de circunstâncias previamente acordadas entre as partes em sede de negociações pré-contratuais estar-se-ia a admitir um desequilíbrio injustificado entre as prestações contratuais. Trata-se de uma cláusula que, por abusiva, é contrária à lei nos termos previstos no artigo 280.° nº1 do Código Civil, devendo considerar-se nula e de nenhum efeito prático.
Mais veio o Réu deduzir pedido reconvencional mediante o qual peticionou se declarasse anulado o contrato de compra e venda outorgado em 24 de Abril de 2014 entre a A. e o R. por considerar que ocorreu uma alteração substancial das circunstâncias em que assentou a sua decisão de contratar, as quais se tivessem sido conhecidas antecipadamente teriam sido determinantes para a não celebração do contrato.
Replicou a Autora, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.
Realizada audiência final, foi subsequentemente proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu BB a pagar à Autora AA a quantia de 3.988,23€ (três mil novecentos e oitenta e oito euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora contados desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado e que julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo a Autora reconvinda.
1.2. Desta sentença recorreu o Réu, concluindo, como segue, as respectivas alegações: 1. Vem o presente recurso interposto de facto e de direito da Douta sentença proferida nos autos acima identificados e que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência condenou o R. ora recorrente a pagar à Autora AA a quantia de três mil novecentos e oitenta e oito euros e vinte e três cêntimos acrescida de juros de mora contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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E que, no mais, julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo a Autora Reconvinda, ora recorrida.
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Para formar a sua convicção, o Douto Tribunal "a quo" tomou em consideração o teor da prova documental junta, bem como a prova testemunhal constituída pelos depoimentos das testemunhas que ambas as partes arrolaram, tendo ainda sido considerado o depoimento de parte da Autora.
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Por requerimento datado de 19/11/2015, o recorrente procedeu à junção de diversos documentos que consistiam em certidões do registo comercial referentes a sociedades cujo NIPC figuram nas facturas apresentadas a juízo pela Recorrida, documentos cujo desentranhamento foi ordenado pelo Mmo. Juiz a quo, tendo mantido nos autos o dito requerimento, por considerar que "podendo o teor dos mesmos ser igualmente apresentado em sede de alegações, determina-se neste caso, a sua manutenção nos autos." 5. Reproduzindo, neste passo, integralmente o teor do requerimento apresentado pelo réu, para o qual remetemos, importa considerar que com o mesmo se pretendia provar não ser a recorrida parte legítima na venda dos bens cuja aquisição se encontra titulada por factura emitida em nome de pessoas colectivas diversas da autora, e da qual a mesma não fazia parte.
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Com efeito, no contrato celebrado com o recorrente junto aos autos como documento n° 1, junto à petição inicial, a recorrida, na qualidade de primeira contraente figura individualmente, e sem qualquer poder de representação, como vendedora do direito de exploração da marca comercial " ... Chá", bem como de todo o recheio presente no estabelecimento comercial sito na Rua ..., compreendendo os respectivos móveis, utensílios, maquinaria, mercadorias, alvarás e outras licenças, livres de qualquer passivo.
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Para prova da transmissão do estabelecimento, nos termos contratados entre recorrida e o recorrente, aquela emitiria uma factura, como veio a emitir, do suposto valor total do recheio, então apurado à data de 30 de Abril de 2014, com base nos preços de custo dos bens que compunham o estabelecimento.
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Factura que se encontra junta aos autos como documento com o n° 4 anexo à PI, a fls. 33 dos autos, no valor de € 9.000,00, que foi individualmente emitida pela recorrente, que totaliza valor diverso considerando o inventário do recheio do estabelecimento de fls. 26 e ss., supostamente calculado ao preço de custo dos bens que compõem este recheio e que reporta também valor diverso do mencionado pela recorrida no email remetido ao recorrente em 30 de Abril de 2015 e consta de fls. 93 dos autos.
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E apesar de não ter causado estranheza ao Mm. Juiz" a quo", sublinhamos, o caracter aleatório dos valores apresentados pela recorrida, afigura-se-nos que a decisão de que se recorre viola o disposto no artigo 342° do Código Civil, no sentido que a recorrida não fez prova cabal dos factos que alegou.
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Considerou o Douto Tribunal" a quo" que os pontos 3 e 4 da matéria de facto dada como provada respeitam a matéria assente por ambas as partes e que surge espelhada nos documentos juntos aos autos.
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Tal entendimento só pode resultar de mero lapso do julgador; quando não traduzirá um total alheamento aos factos carreados pelas partes a juízo.
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É que o âmago da questão dos presentes autos resulta no facto de a liquidação do valor total do recheio do estabelecimento não ter sido feita com base no preço de custo.
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Assim o não provou a recorrida durante as negociações tendo-se sempre imiscuído à apresentação dos documentos contabilísticos que lhe eram solicitados.
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Assim não o provou a recorrida em audiência de discussão e julgamento, na medida em que as facturas apresentadas pela mesma a fls. 152 e sego , e apenas quando notificada para o efeito, não provam o preço de custo pelo qual a recorrente adquiriu os bens nelas mencionadas, pressupondo fazerem parte do recheio, já que grande parte das mesmas se encontra facturada no nome de entidades diversas da autora.
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Neste sentido, veja-se o depoimento da testemunha I...registado no sistema de gravação áudio com o numero 20151006114419 _2499203_2871731 que refere ter acompanhado o processo negocial do contrato objecto dos autos (01.55m) - tendo sido, de resto, a única testemunha presente em audiência de discussão e julgamento que assistiu às negociações entre a autora e o réu.
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Esclarece que pediram para ver os documentos contabilísticos várias vezes mas nunca viram nada (04.18), sendo que não tinham prova de que efectivamente o que lá estava era o valor que a D. ... apresentou (09.09).
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Insistindo que as facturas foram diversas vezes...
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