Acórdão nº 3374/14.2T8FNC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução14 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

P.3374/14.2T8FNC.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) - Agência Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…), peticionando a condenação do R. no pagamento de 32.730,00 €, acrescidos de juros desde 2.10.2013 até integral pagamento.

Para tanto, e em síntese, alegou a A. que concedeu uma bolsa de estudo ao R., para realização de doutoramento, em Dezembro de 2004, sendo tal bolsa válida por 12 meses, com possibilidade de renovação. Mais referiu que o valor global da bolsa de estudo foi de € 32.730,00 €, tendo a totalidade deste valor sido entregue pela A. ao R. Alegou ainda a A. que o R. foi pedindo sucessivas renovações e prorrogações de prazo para conclusão do doutoramento, tendo a A. acedido a tais renovações. Por fim, alega a A. que já em 2012, em Dezembro, o R. pediu a transferência do processo de doutoramento para outra universidade, não tendo tal pedido sido aceite e, por carta de 30.9.2013, foi o R. informado da anulação da bolsa que lhe foi atribuída, pedindo a devolução do valor recebido, o que, até hoje, não sucedeu.

Devidamente citado para o efeito veio o R. sustentar a declaração de nulidade da decisão de anulação da bolsa, por a mesma não ser fundamentada, nem quanto á decisão em si, nem quanto ao montante a devolver pelo R. Alegou ainda o R. que cumpriu todas as etapas do doutoramento, faltando apenas a defesa da tese, sendo que esta apenas não ocorreu por motivos externos à sua vontade. Por fim, alega ainda o R. que apenas não defendeu a tese de doutoramento, pelo que, caso assim se venha a entender, somente deverá ser condenado a proceder à devolução de parte da bolsa e não à sua totalidade, como foi peticionado pela A.

Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho identificativo do objecto do litígio e enunciativo dos temas da prova.

Posteriormente realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou totalmente procedente a acção proposta pela A. contra o R. e, em consequência, condenou este a pagar à A. a quantia de 32.730,00 €, acrescida dos juros de mora, calculados à taxa legal, desde 2.10.2013 até integral pagamento.

Inconformado com tal decisão dela apelou o R., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminado as mesmas com as seguintes conclusões: 1- Existe omissão de pronúncia na sentença a quo, porque esta não se pronunciou relativamente ao incumprimento parcial do contrato deduzido pelo recorrente.

2 - A decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, por força do disposto nos art.s 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, d), ambos do CPC; nulidade essa que se invoca, com as legais consequências.

3 - Existe falta de fundamentação de decisão de cancelamento da bolsa.

4 - A decisão de anulação/cancelamento da bolsa não está devidamente fundamentada, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 27º e 26º, nº 1, ambos do “Regulamento de Bolsas”.

5 - A sentença a quo violou o disposto no nº 2 do art. 27º e 26º, nº 1, ambos do “Regulamento de Bolsas” e nos art.s 801º e 808º, ambos do Cód. Civil, devendo, em consequência, determinar-se a nulidade da decisão de anulação/cancelamento da bolsa e, consequentemente, ser o R. absolvido do pedido.

6 - A decisão recorrida considera erradamente que existe um incumprimento total da obrigação por parte do ora recorrente.

7 - Com base nos factos dados como provados (ponto 72 e 79 dos factos provados), não se pode afirmar que houve incumprimento definitivo do recorrente.

8 - Ficou provado no ponto 72 que a ora recorrida comunicou ao recorrente que teria que entregar o certificado de aprovação do doutoramento até Dezembro de 2012 e que se tal não ocorresse o processo seria proposto para anulação (em data futura).

9 - Não ficou provado que se o certificado de aprovação do doutoramento não fosse entregue até Dezembro de 2012 então a ora recorrente perdia o interesse na prestação e que o contrato ficaria resolvido nessa data ou noutra em concreto, tendo ficado apenas que seria resolvido no futuro ("proposto para anulação") - o que era necessário para que fosse declarado que existiu incumprimento definitivo por parte do ora recorrente.

10 - Assim, não existe incumprimento definitivo por parte do ora recorrente, sendo que tendo decidido o contrário a douta sentença recorrida violou o disposto nos art.s 433º, 801º e 808º, todos do Código Civil.

11 - O incumprimento definitivo de uma obrigação ocorre quando, objectivamente, o credor perca o interesse na prestação e quando o devedor não cumpra num prazo razoavelmente fixado pelo credor – a chamada interpelação admonitória (artº 808 do Código Civil).

12 - Deve notar-se que o incumprimento definitivo surge não apenas quando por força da não realização ou do atraso na prestação o credor perca o interesse objectivo nela ou quando, havendo mora, o devedor não cumpra no prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor.

13 - O prazo de seis meses e meio (de 11/06/2012 a Dezembro de 2012) dado pela recorrida para o recorrente terminar a sua Tese de Doutoramento não é um prazo razoável, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 808º, do CC, pois não era suficiente para ele terminar a sua Tese de Doutoramento.

14 - A decisão recorrida violou o disposto no art. 808º, nº 1, do Código Civil.

15 - O recorrente apenas não concluiu a parte final dos objectivos a que se vinculou com a recorrida devido ao facto de o Orientador de Tese Prof. (…) o ter abandonado como orientador do seu Doutoramento.

16 - E também pelo facto de a recorrida não ter permitido a transferência do processo de doutoramento do recorrente para a Universidade do Porto, da forma supra referida.

17 - O não cumprimento integral dos objectivos da Bolsa não decorre de um acto voluntário do recorrente, antes teve na sua origem em motivo de força maior alheio a ele.

18 - Pelo que, inexiste incumprimento dos objectivos por parte do ora recorrente, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 26º do Regulamento de Bolsas a contrario, não tendo que devolver, por isso, quaisquer montantes, devendo a acção ser julgada improcedente, por não provada, e em consequência ser o recorrente absolvido do pedido.

19 - Existe impossibilidade de cumprimento, por parte do recorrente, por causa que não lhe é imputável, com a consequente aplicação do regime previsto no art. 790º do C. Civ.

20 - A impossibilidade objectiva de cumprimento da prestação a que o devedor está adstrito numa obrigação contratual rege-se pelas disposições do art. 790.º, com as explicitações dos arts. 801.º, 1, 804.º, 1 e 808.º, 1, do Código Civil.

21 - A matéria de facto dada como provada na sentença recorrida não suporta uma imputação subjectiva, a título de culpa, mesmo na forma mais leve, que inculque uma acção ilícita ou contrária à lei por banda do ora recorrente.

22 - Existe uma impossibilidade objectiva de cumprimento, não imputável ao ora recorrente.

23 - Decidindo o contrário, a sentença a quo violou o disposto nos arts. 790º, nº 1, do Cód. Civil.

24 - O recorrente levou a cabo o seguinte trabalho no âmbito do seu processo de Doutoramento: 25 - Cumpriu a parte curricular, tendo tido frequência e aproveitamento em todas as cadeiras nos dois anos lectivos na Universidade de Madrid (anos de 2003/2004 e 2004/2005), parte curricular esta que terminou com a elaboração e aprovação do Projecto de Investigação, denominado “(…)”; 26 - Depois, cumpriu toda a parte de investigação: apresentou o “Plano de Trabalhos” e procedeu a todo um trabalho de investigação de 2005 a 2009, com vista à elaboração da Tese de Doutoramento, o que fez, tendo-a depositado a 15 de Dezembro de 2009.

27 - O recorrente apenas não defendeu a Tese de Doutoramento.

28 - O recorrente cumpriu a quase totalidade dos objectivos a que se propôs quando contratou com a recorrida, tendo faltado somente a defesa da Tese de Doutoramento.

29 - De acordo com o ponto 82 dos Factos provados "O artigo 26.º do Regulamento de Bolsas Individuais de Formação prevê que “Sempre que os objectivos inscritos no programa de trabalhos aprovado não forem atingidos… o bolseiro será obrigado a devolver a totalidade ou parte das importâncias que tiver recebido”.

30 - Caso se entenda, sem prescindir, que existe incumprimento por parte do ora recorrente por causa que lhe é imputável, do contratualizado com a recorrida, então ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 26º do “Regulamento de Bolsas”, deve o recorrente ser condenado apenas a devolver parte do recebido, em montante concreto que se liquidar em execução de sentença.

31 - Nestes termos e ainda pelo muito que, como sempre, não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais, com o que farão, como é timbre deste Venerando Tribunal, Serena e Objectiva Justiça.

Pela A. foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.

Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir: Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].

Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas...

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