Acórdão nº 1739/09.0TBLLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelMATA RIBEIRO
Data da Resolução14 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA AA, BB e G... – Compra, Venda e Exploração de Imóveis, SA.

, intentaram ação declarativa com processo ordinário, a qual corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Cível de Faro – J4), contra Banco ..., S.A.

atualmente, Banco ..., S.A.

, na qual também foi admitida como interveniente associada dos autores, DD ... Investimentos Imobiliários Lda.

, em que se invoca o incumprimento, por parte do réu, de um contrato-promessa, veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza: “Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente ação totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: a) Declarar a nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado a 22.12.2006, entre os Autores AA e BB e o Banco ..., S.A., atualmente Réu Banco …, S.A., descrito no facto provado nº 10; b) Absolver o Réu dos pedidos formulados pelos Autores; c) Absolver os Autores e a Interveniente dos demais pedidos formulados pelo Réu; e d) Condenar os Autores nas custas da presente ação.”* Irresignados com a sentença, vieram os autores interpor o presente recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formularem as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1.ª- A sentença recorrida declarou a nulidade do contrato-promessa de compra e venda celebrado, em 22-12-2066, entre os dois primeiros Autores e o Banco Réu e descrito no facto provado sob o n.º 10, porque entendeu que o mesmo viola a norma do n.º 1 do art. 112.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, doravante abreviadamente designado como RGICSF.

  1. - A norma do n.º 1 do art. 112.º do RGICSF determina que "As instituições de crédito não podem, salvo autorização concedida pelo Banco de Portugal, adquirir imóveis que não sejam indispensáveis à sua instalação e funcionamento ou à prossecução do seu objeto social.

    ".

  2. - Porém, verifica-se impossibilidade lógica e jurídica de o contrato promessa ter violado a mencionada norma legal.

  3. - Por um lado, porque o contrato promessa não teve, como efeito, a aquisição dos imóveis, por parte do BANCO ..., S.A., pois, como promessa de aquisição, produziu apenas efeitos obrigacionais.

  4. - E, por outro, porque o BANCO ..., S.A. se obrigou a "comprar, ou fazer comprar por pessoa, entidade ou entidades que vier a indicar, os referidos IMÓVEIS." – cfr. n.º 2 da Cláusula PRIMEIRA.

  5. - E, caso o BANCO ... tivesse solicitado autorização ao Banco de Portugal para a aquisição dos imóveis e este não a concedesse, o que o Réu nem sequer alegou ter ocorrido, ainda assim o Réu BANCO ... podia e devia cumprir a obrigação que assumiu, fazendo adquirir os imóveis por pessoa, entidade ou entidades que viesse a indicar.

  6. - Por isso, a sentença recorrida incorreu em erro na interpretação do contrato promessa de compra e venda descrito sob o n.º 10 dos factos provados; 8.ª- Quer porque considerou que a promessa do BANCO ... representava, já e juridicamente, a própria aquisição de imóveis.

  7. - Quer porque esqueceu, por completo, que nesse contrato promessa o BANCO ... também se obrigou a fazer comprar os imóveis por pessoa, entidade ou entidades que viesse a indicar, o que demonstra que o BANCO ... podia e devia cumprir sem ser ele próprio a adquirir os imóveis.

  8. - Acresce que, ao contrário do entendimento que a sentença recorrida adotou, não se afigura que a norma do n.º 1 do art. 112.º do RGICSF seja uma norma imperativa, no sentido de que a falta de autorização do Banco de Portugal nas aquisições de imóveis que não sejam indispensáveis à instalação e ao funcionamento das instituições de crédito ou à prossecução do seu objeto social determina a nulidade dos correspondentes negócios jurídicos.

  9. - Na verdade, o ato de autorizar ou de não autorizar a aquisição de imóveis que não sejam indispensáveis à instalação e funcionamento das instituições de crédito ou à prossecução do seu objeto social não representa um juízo sobre a legalidade ou ilegalidade de tal aquisição de imóveis.

  10. - Mas sim um ato praticado, pelo Banco de Portugal, no âmbito dos poderes de supervisão que lhe estão atribuídos, para verificar se os fundos das instituições de crédito são aplicados de forma a assegurar a todo o tempo níveis adequados de liquidez e solvabilidade.

  11. - Com efeito, o mencionado art.112.º insere-se no CAPÍTULO II relativo a NORMAS PRUDENCIAIS, o qual, por sua vez, está integrado no TÍTULO VII sobre a SUPERVISÃO PRUDENCIAL.

  12. - Por isso, a razão de ser da autorização do Banco de Portugal para aquisição de imóveis que não sejam indispensáveis à instalação e funcionamento das instituições de crédito ou à prossecução do seu objeto social insere-se no âmbito da supervisão prudencial que lhe está atribuída, como entidade reguladora, para verificar se as instituições de crédito aplicam ou não os fundos de que dispõem de modo a assegurar a todo o tempo níveis adequados de liquidez e solvabilidade.

  13. - O que demonstra que a autorização do Banco de Portugal não é um requisito de validade do negócio jurídico de aquisição de imóveis que não sejam indispensáveis à instalação e funcionamento das instituições de crédito ou à prossecução do seu objeto social, mas sim um meio de o Banco de Portugal poder verificar se o dinheiro gasto, pelo Banco, nessa aquisição lhe permite ou não continuar a ter níveis adequados de liquidez e solvabilidade.

  14. - Acresce que é o próprio RGICSF, no respetivo art. 114.º, que considera a norma do n.º 1 do art. 112.º, como uma restrição e que esta pode ser ultrapassada, em resultado de aquisições em reembolso de crédito próprio, devendo as situações daí resultantes ser regularizadas no prazo de dois anos, o qual, havendo motivo fundado, poderá ser prorrogado pelo Banco de Portugal, nas condições que este determinar.

  15. - O que demonstra que a autorização do Banco de Portugal não é um requisito da validade jurídica de aquisições de imóveis que não sejam indispensáveis à instalação e funcionamento das instituições de crédito ou à prossecução do seu objeto social, pois não é necessária para as aquisições de imóveis em reembolso de crédito do próprio Banco.

  16. - Por isso, a sentença recorrida incorreu em erro de interpretação da norma do n.º 1 do art. 112.º do RGICSF, ao ter-lhe atribuído o sentido imperativo de uma proibição legal absoluta, cuja violação importaria e acarretaria a nulidade dos negócios jurídicos de aquisição praticados com a sua inobservância.

  17. - Mas ainda que se qualifique a norma do n.º 1 do art. 112.º do RGICSF como imperativa, o que não se admite ou aceita, pelos motivos que já se indicaram mais acima, ainda assim a falta de autorização do Banco de Portugal, para adquirir imóveis que não sejam indispensáveis à instalação e ao funcionamento das instituições de crédito ou à prossecução do seu objeto social, também não acarretaria a nulidade do negócio jurídico de aquisição, dado que da lei resulta outra solução.

  18. - Com efeito, o art. 294.º do Código Civil estabelece que “Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.”.

  19. - E do disposto nos arts. 116.º e 116.º-C do RGICSF resulta que a falta de autorização, para a aquisição de imóveis que não sejam indispensáveis à instalação e funcionamento das instituições de crédito ou à prossecução do seu objeto social, é sancionada com eventuais medidas corretivas a aplicar, pelo Banco de Portugal, e não com a nulidade do correspondente negócio jurídico.

  20. - A sentença recorrida, ao ter concluído que a violação da norma do n.º 1 do art. 112.º do RGICSF importa a nulidade do negócio jurídico de aquisição de imóveis, cometeu erro na interpretação do disposto na parte final do art. 294.º do Código Civil, em conjugação com o disposto nas normas dos arts. 116.º e 116.º-C do RGICSF, dado que estes últimos normativos sancionam a inobservância de regras prudenciais com medidas corretivas e não com a nulidade.

  21. - Ressalvado sempre melhor entendimento, não se afigura que, quer a Cláusula 5.ª do contrato promessa, quer os factos provados sob os n.ºs 4 a 9 excluam a possibilidade legal de o BANCO ... poder afetar os imóveis à prossecução do seu objeto social, no caso, que o próprio BANCO ... admitiu, de os vir a adquirir para si próprio – cfr. facto provado sob o n.º 6.

  22. - Pois, não obstante o objetivo ser o de os Autores adquirirem os imóveis para os revender, está assente e provado que o acordo que estabeleceram com o BANCO ... e do qual fez parte o contrato promessa celebrado, em 22-12-2006, contemplou a obrigação de o BANCO ... poder vir a adquirir os imóveis.

  23. - E, no caso de ter de cumprir essa obrigação, o BANCO ... podia, legalmente, afetar os imóveis à prossecução do respetivo objeto social.

  24. - Com efeito, um banco pode adquirir imóveis para integrar num fundo de investimento imobiliário aberto ou fechado que pretenda constituir e ficar assim detentor de unidades de participação, cujo valor é determinado pelo valor dos imóveis com que tiver entrado para o fundo.

  25. - Ora, conforme resulta do disposto na alínea d) do art. 1.º do Código dos Valores Mobiliários, as unidades de participação em Fundos de Investimento Imobiliário também são valores mobiliários e, nos termos do disposto na alínea e) do art. 4º do RGICSF, os bancos podem efetuar transações sobre valores mobiliários, por conta própria ou da clientela.

  26. - Por isso, a aquisição de imóveis para integrar num fundo de investimento imobiliário, permitindo que o valor desses imóveis seja convertido em unidades de participação, vai possibilitar a realização de transações sobre essas unidades de participação que mais não são do que valores mobiliários e, consequentemente, enquadrar-se num dos tipos de operações que a alínea e) do n.º 1 do art. 4.º do RGICSF permite aos bancos, ou seja, numa atividade que se...

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