Acórdão nº 7079/15.9T8STB-F.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução23 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

P. 7079/15.9T8STB-F.E1 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: No processo principal a que estes autos estão apensos foi decretada a insolvência de (…), tendo esta requerido a exoneração do passivo restante, a qual lhe foi concedida pelo tribunal e fixado como rendimento indisponível, para o sustento do seu agregado familiar (ela própria e dois filhos menores), o montante de 1,6 o valor do salário mínimo nacional.

O administrador de insolvência veio apresentar nos autos o relatório da cessão (e mapas anexos), quanto aos rendimentos auferidos pela insolvente nos dois anos seguintes ao deferimento da referida exoneração do passivo e respectiva fixação do rendimento indisponível.

Notificados os credores do dito relatório constatou o credor (…) que o mesmo não incluía todos os rendimentos que advieram à insolvente durante os primeiros dois anos da cessão e disso deu conhecimento ao tribunal – nomeadamente quanto a valores referentes a assistência médica no SAMS e subsídios de estudo e pensões de alimentos a menores – pelo que requereu a alteração do relatório de cessão (e mapas anexos) em conformidade.

O Julgador “a quo” proferiu decisão a indeferir o solicitado, sustentando que tais itens não integravam os rendimentos da insolvente.

Inconformado com tal decisão dela apelou o credor (…), tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões: 1. O Recorrente teve conhecimento, pela primeira vez, do relatório elaborado pelo Senhor Fiduciário nos termos do artigo 241.º, n.º 1, do CIRE, relativamente ao primeiro e segundo ano de cessão de rendimentos pela Insolvente, em 17.9.2019, e pronunciou-se, em tempo, sobre o respetivo teor.

  1. O despacho ora recorrido é nulo, por falta de fundamentação, nos termos conjugados do disposto nos artigos 607.º, n.º 3, 2.ª parte e 615.º, n.º 1, alínea b), ambos do CPC, pois o Tribunal a quo não indicou as normas jurídicas em que estribou as suas decisões objeto do recurso.

  2. No que respeita aos valores referentes a assistência médica SAMS debitados pela entidade patronal da remuneração da Insolvente, é por demais evidente que os mesmos integram os rendimentos que advêm à Insolvente como produto do seu trabalho.

  3. Pois o rendimento efetivo da Insolvente é o indicado como “retribuição líquida” nos recibos de vencimento (correspondente à diferença entre todos os rendimentos colocados à disposição da Insolvente pela entidade empregadora) ou seja, o valor líquido efetivamente auferido pela Insolvente em cada mês, a título de rendimentos do trabalho.

  4. Não podia por isso o Tribunal a quo excluir do rendimento disponível da Insolvente os montantes despendidos com o pagamento das despesas por si incorridas (médicas ou outras), alegando que não chega a haver rendimento.

  5. A verdade é que a compensação de valores realizada pela entidade empregadora ocorre apenas após o apuramento da retribuição líquida, ou seja, depois de se constituir um crédito da Insolvente.

  6. Como a compensação de créditos pressupõe a existência de um crédito e de um contracrédito, a retribuição líquida da Insolvente é rendimento da própria (ou não seria um crédito sobre a entidade empregadora).

  7. E se a Insolvente recebe apenas parte do seu rendimento por transferência bancária (a que não foi objeto de compensação), a parte restante é utilizada no pagamento das suas despesas e do seu agregado.

  8. Por isso os montantes objeto de compensação de valores através do processamento salarial não podem ser excluídos dos rendimentos cedidos da Insolvente.

  9. De outra forma, a fixação de um rendimento indisponível seria completamente inútil, pois seria possível subtrair da cessão de rendimentos determinadas categorias de despesas, independentemente dos valores despendidos e sem qualquer critério ou exame por parte dos credores e do Tribunal.

  10. Conforme estabelece o n.º 3 do artigo 239.º do CIRE “Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor” (com a devida exclusão dos rendimentos elencados nas alíneas a) a b), iii) que, como veremos adiante, não têm aplicação no caso concreto) (realçado e sublinhado nossos).

  11. O legislador exclui expressamente, e de forma taxativa, nas alíneas a) e b) do mencionado n.º 3 do artigo 239.º do CIRE todas as quantias que não devem ter-se por abrangidas pela cessão e não restringiu os rendimentos a ceder pelos insolventes às quantias transferidas para as suas contas bancárias, podendo os mesmos advir “a qualquer título” (ainda que sujeitos a compensação de despesas adiantadas por um determinado credor).

  12. Assim, face ao disposto no supra aludido artigo 239.º, n.º 3, do CIRE, não subsistem dúvidas que, no caso dos presentes autos, todas as quantias auferidas pela Insolvente a título de “retribuição líquida” paga pela entidade empregadora constituem rendimentos cedidos aos credores e, portanto, a incluir nos mapas da cessão.

  13. Assim, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 3 do artigo 239.º do CIRE, pois deveria ter interpretado e aplicado a norma no sentido de que os rendimentos que advenham, a qualquer título, à Insolvente são todos aqueles colocados à sua disposição, seja por que meio for e independentemente de serem, ou não, transferidos para a sua conta bancária, ou sujeitos a compensação.

  14. Cumpre realçar também que o Tribunal a quo fixou o rendimento indisponível à Insolvente necessário ao seu sustento minimamente condigno e do seu agregado familiar, tendo ponderado todas as despesas indicadas pela mesma (incluindo as médicas), devidamente ajustadas à realidade do período de cessão.

  15. Num primeiro momento, o Tribunal a quo deu por provado que “nos meses de Maio a Julho [a Insolvente] gastou € 223,20 em despesas de saúde” (ou seja, uma média de € 74,50 por mês) e decidiu “adequada a exclusão do rendimento disponível para efeitos de cessão, da quantia correspondente a 1,6 (um vírgula seis) vezes o valor da retribuição mínima garantida”.

  16. Posteriormente, o Tribunal a quo decidiu que “tendo em conta as despesas fixas mensais invocadas pela Insolvente (...) entende-se que não se justifica, por ora, proceder a qualquer alteração do rendimento disponível, sendo o valor fixado suficiente para assegurar o pagamento das despesas mensais da insolvente.” 18. Não obstante o exposto, o despacho recorrido vem autorizar a Insolvente a não fazer qualquer contenção, durante o período de cessão de 5 anos, no que respeita a todas as despesas adiantadas e posteriormente compensadas pela entidade empregadora, que ficam automaticamente ressalvadas da cessão, independentemente do tipo de despesa e do seu valor.

  17. Acresce que a Insolvente não requereu a ressalva de quaisquer despesas médicas concretas, nos termos impostos pelo artigo 239.º do CIRE...

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