Acórdão nº 789/17.8T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelEMÍLIA RAMOS COSTA
Data da Resolução23 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório O sinistrado A… veio participar acidente de trabalho de que foi vítima, o qual ocorreu em 21-01-2017, pelas 10h45, em Serpa, quando se encontrava ao serviço de J…, o qual tinha transferido a responsabilidade infortunística para a seguradora “T…”.

…Em 04-08-2017, foi realizada perícia médico-legal ao sinistrado, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente parcial de 4,96%, sendo a data da consolidação médico-legal das lesões fixada em 16-02-2017 e a incapacidade temporária absoluta fixada em 27 dias.

…Realizada a tentativa de conciliação, não houve conciliação das partes, devido ao facto de o sinistrado não concordar com a IPP atribuída e de a seguradora não reconhecer o acidente sofrido como de trabalho nem aceitar o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas.

…O sinistrado A… (A), com o patrocínio do M.º P.º, veio intentar acção especial emergente de acidente de trabalho contra J…, SA” (RR), solicitando, a final, que sejam as RR. condenadas a pagar ao A.

- pensão global, anual e vitalícia, com início no dia seguinte ao da alta definitiva; - a quantia de €383,81, a título de diferencial de 27 dias de incapacidade temporária absoluta; - a quantia de €140,00, a título de despesas de transportes; e - juros de mora sobre todas as importâncias em dívida, à taxa legal, desde o vencimento e até integral pagamento.

Requereu ainda a realização de exame por junta médica, nos termos do art. 139.º do Código de Processo do Trabalho, formulando os respectivos quesitos.

Em síntese, alegou que, em 2017, trabalhava sob as ordens e direcção do 1.º Réu Joaquim Horta, exercendo funções de trabalhador agrícola, auferindo a retribuição base mensal de €557,00 e subsídio de alimentação no montante diário de €3,52, tendo o 1.º Réu celebrado com a 2.ª Ré um contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 0004335561, para transferência da responsabilidade civil emergente de acidentes laborais dos trabalhadores.

Mais alegou que, no dia 21-01-2017, pelas 10h45, em Serpa, no exercício das suas funções e por ordem do 1.º Réu, o A. foi atingido na mão esquerda por uma motosserra, com a qual estava a trabalhar, sendo-lhe, posteriormente, atribuída uma IPP de 4,96%, com a qual o A. não concorda, pois desde a data do acidente não consegue agarrar objectos com a mão esquerda, dada a reduzida sensibilidade que tem.

Alegou ainda que já se deslocou seis vezes de Serpa a Beja para consulta no médico da seguradora e uma vez ao tribunal.

…O R. J… contestou, solicitando, a final, a procedência da acção, devendo a companhia de seguros ser condenada na medida da sua responsabilidade.

Alegou, em síntese, que o R. já manifestou a sua concordância com o acidente, aceitando-o como acidente de trabalho, tenho transferido a sua responsabilidade para a R. Companhia de Seguros, sendo que nas condições particulares está previsto que a companhia cobre o risco de quatro trabalhadores agrícolas, cada um com um salário base de €557,99, constando ainda “Natureza dos trabalhos: Trabalhos Agrícolas – utiliza pontualmente motosserra”.

…A R. “S…, S.A.” contestou, solicitando, a final, que o contrato de seguro de acidente de trabalho fosse considerado inválido e ineficaz, sendo a 2.ª R. absolvida do pedido.

Para o efeito alegou, em síntese, que não foi validamente transferida para a 2.ª R. a responsabilidade por acidente de trabalho, uma vez que foi celebrado entre o 1.º R. e a 2.ª R. um contrato de seguro de acidente de trabalho nos termos da modalidade “fixo sem nomes”, abrangendo um número de quatro trabalhadores agrícolas eventuais, sendo que, à data do acidente, na unidade de exploração abrangida pelo seguro prestavam a sua actividade, por conta e direcção do 1.º R., doze trabalhadores agrícolas, sendo que a cobertura do seguro abrangia apenas o capital seguro referente aos salários de quatro trabalhadores, valor esse que precedeu a determinação do prémio do contrato.

Alegou ainda que, segundo a cláusula 7 das condições gerais, o tomador do seguro está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador, sendo que, de acordo com a cláusula 8, o Segurador não está obrigado a cobrir o sinistro nessas condições, razão pela qual o 1.º R., ao declarar que na unidade de exploração em causa, tinha ao seu serviço quatro trabalhadores, violou dolosamente o dever de declarar com exactidão as circunstâncias relevantes para avaliação inicial de risco, uma vez que na modalidade de prémio de contrato de prémio fixo sem nomes é elemento essencial do contrato a declaração do número exacto de trabalhadores, visto que é através desse elemento que a seguradora avalia o risco a transferir e define as condições contratuais.

Alegou também que a conduta do 1.º R. constitui uma conduta manifestamente fraudulenta, na medida em que, tomando vantagem da modalidade do seguro contratado (fixo sem nomes), sempre poderia participar o evento de qualquer um dos trabalhadores ao seu serviço (doze), pagando apenas o equivalente a quatro trabalhadores, sendo que a violação do dever contratual pelo 1.º R. origina a invalidade do contrato de seguro celebrado.

Alegou, por fim, que, na declaração de risco, o 1.º R. indicou que a cobertura do contrato se destinava a trabalhadores agrícolas com utilização pontual a motosserra, o que também não corresponde à verdade, uma vez que o sinistrado foi contratado para campanha de limpeza das árvores, cuja função se realizaria com recurso contínuo e necessário à motosserra, tendo o 1.º R., também nesta parte, incumprido os deveres de declaração do risco.

…Foi proferido despacho saneador, onde foi fixada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.

…Por apenso, foi realizada, a 05-12-2018, junta médica, na qual foi mantida a IPP em 4,96%.

…Em 29-01-2019, foi proferida decisão no referido apenso com o seguinte teor: Por todo o exposto, e ao abrigo do disposto pelo artigo 140.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, declaro que o sinistrado apresenta como sequelas: rigidez da interfalângica proximal do segundo dedo e amputação parcial da falange distal do 3.º dedo (menos de 50%) da mão esquerda, as quais determinam uma IPP de 4,96%, sem IPATH.

…Realizada a audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais, foi proferida sentença em 22-07-2019, com a seguinte decisão: Por tudo o exposto, decido: 1) Fixar ao Sinistrado A… uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 4,96%, desde a data da alta (16.02.2017); 2) Condenar o Réu J… a pagar ao sinistrado: i. O capital de remição de uma pensão anual e obrigatoriamente remível de €29,57 (vinte e nove euros e cinquenta e sete cêntimos), devida desde 16.02.2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal cível, desde o dia seguinte ao da alta até efetivo e integral pagamento; ii. A quantia de € 44,11 (quarenta e quatro euros e onze cêntimos) a título de indemnização por 27 dias de ITA, quantia a que acrescem juros de mora à taxa civil desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento.

3) Condenar a Ré S…, S.A. a pagar ao sinistrado: i. O capital de remição de uma pensão anual e obrigatoriamente remível de € 270,75 (duzentos e setenta euros e setenta e cinco cêntimos), devida desde 16.02.2017, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde o dia seguinte ao da alta até efetivo e integral pagamento; ii. A quantia de € 339,71 (trezentos e trinta e nove euros e setenta e um cêntimo), a título de diferencial de indemnização por 27 dias de ITA, quantia a que acrescem juros de mora à taxa civil desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento.; iii. A quantia de €140,00 (cento e quarenta euros) referente a deslocações efetuadas pelo sinistrado em virtude do acidente dos autos, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde a data da presente sentença.

…Não se conformando com tal sentença, veio a R. “S…, S.A.” interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem: A.

O tribunal incorreu num lapso na apreciação da prova testemunhal produzida em julgamento uma vez que todas as testemunhas inquiridas (em especial N…), bem como o próprio Autor, declararam que, à data do acidente (coincidente com a da contratação), trabalhavam para o Recorrido mais de 4 pessoas.

B.

Isto mesmo foi admitido pelo tribunal na sentença recorrida; C.

Ora, provando-se o facto essencial alegado pela Recorrente (que o número de trabalhadores ao serviço do Recorrido era superior ao número por este indicado – 4), era irrelevante provar-se se eram 5, 12 ou mais.

D.

Assim, com base na reapreciação dos depoimentos indicados, deverá ser alterada a factualidade constante na al. a) dos factos “não provados”, sendo esta aditada aos factos “provados” com a seguinte redacção: “À data em que o 1º Réu transferiu a responsabilidade emergente de acidente de trabalho dos trabalhadores para a 2ª ré e do acidente, na unidade de exploração do 1º Réu, prestavam a sua atividade, por conta e direção do 1.º R., mais de 4 (quatro) trabalhadores.

E.

Ora, com base nesta factualidade, a que acrescem as declarações quanto à regularidade do uso de motosserras pelos dos trabalhadores (matéria dada como provada), verifica-se que o Recorrido prestou declarações inexatas aquando da contratação do seguro, violando o dever de declaração inicial de risco previsto no art. 24.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril.

F.

O que fez certamente a título doloso, para evitar o necessário agravamento do prémio.

G.

Nessa medida, deverá ser eliminado do elenco dos factos “não provados” a sua al. b), sendo o mesmo aditado aos factos “provados”.

H.

E como à Recorrente apenas se impunha a prova de que o Recorrido prestou declarações inexactas e, bem assim, a prova de que estas influiram na celebração do contrato de seguro e respectivas condições para ver declarada a...

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