Acórdão nº 164/17.4T9EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA BRITO
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1.

No processo comum singular n.º 164/17.4 T9EVR, Tribunal de Comarca de Évora, foi proferido despacho em que a Senhora Juíza decidiu rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Púbico contra o arguido (…), por considerar que os factos nela descritos não constituíam crime.

Inconformado com o decidido, recorreu o Ministério Público, concluindo: “1. O despacho recorrido violou o disposto no artigo 311° n.º 2 alínea a) e n.º 3 alínea d) do CPP porquanto a rejeição da acusação fundamentada no juízo de que os factos descritos na mesma não constituem crime só pode ocorrer em situações em que se mostre evidente, claro, inequívoco e incontroverso que a factualidade em causa não é suscetível de enquadrar a prática de crime.

  1. Se a possibilidade de o Tribunal ter uma interpretação jurídica dos factos diversa da que foi feita por quem deduziu a acusação não fundamenta a rejeição da acusação, sob pena de violação do princípio do acusatório, menos a pode fundamentar o juízo de valor formulado sobre os factos.

  2. No caso em apreço tanto não é inequívoca e incontroversa a interpretação/valoração efetuada pela Mma Juíza recorrida que a própria, perante a acusação deduzida, seleciona factos que apresenta como passíveis de enquadrar a prática de crime de difamação e só afasta a verificação de tal crime após proceder a um raciocínio que, salvo o devido respeito, só lhe é permitido em sede de sentença e não de apreciação da acusação à luz do art. 311° do CPP.

  3. Ao decidir como decidiu a Mma Juíza debruçou-se sobre o mérito da acusação, em violação do princípio do acusatório, já que apenas lhe era permitido concluir se a mesma padece ou não de vícios estruturais de tal modo graves que a destinam ao insucesso.

  4. No caso dos autos, a acusação apresenta-se estruturalmente correta e as afirmações constantes da missiva nela transcrita - em particular as realçadas pela Mma Juíza no douto despacho recorrido - indiciam suficientemente a verificação de uma ofensa na perspetiva do preenchimento do crime de difamação imputado ao arguido, na medida em que colocam em causa a honra, bom nome, integridade moral e a reputação do ofendido no âmbito das funções que lhe estão confiadas enquanto guarda prisional.” Neste Tribunal, o Sr. Procuradora-geral Adjunto emitiu desenvolvido parecer, pronunciando-se fundamentadamente no sentido da procedência do recurso.

    Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

  5. O despacho recorrido é do seguinte teor: “Os presentes autos foram remetidos à distribuição para o efeito do disposto nos artigos 311.º e seguintes do CPP.

    O artigo 311.º do CPP, que inicia o livro VII relativo ao julgamento, refere-se ao saneamento do processo, ou seja, ao conhecimento das questões que podem obstar à prossecução do processo. Caso nada obste, então será designado dia para a realização da audiência.

    Dispõe este artigo: « 1 - Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.

    2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; b) De não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n. o 1 do artigo 284. o e do n. o 4 do artigo 285. ~ respectivamente.

    3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) Quando não contenha a identificação do arguido; b) Quando não contenha a narração dos factos; c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d) Se os factos não constituírem crime».

    Portanto, aquando do saneamento do processo, e quando não tenha havido instrução, o juiz pode rejeitar a acusação se esta for manifestamente infundada e isso sucede quando ela não contiver a identificação do arguido, a narração dos factos, a indicação das normas legais ou das provas ou se os factos narrados não constituírem crime.

    A acusação é condição indispensável ao julgamento, pois é nela que se fixa o objecto do processo. Daí que ela tenha que descrever, na integra, os factos imputados ao arguido e o crime(s) que esses factos configuram. Ou seja, a acusação tem que se bastar a si própria, de forma a suportar uma eventual condenação. Daí a rejeição da acusação quando isto não ocorra, ou seja, quando aquela acusação não possa determinar uma condenação. Naturalmente, esta sindicância restringe-se à análise da acusação em si própria.

    Por outro lado, é pacifico que alínea a) do n. 2 do artigo 311.º do CPP inclui a rejeição da acusação por manifesta insuficiência de prova indiciária.

    A circunstância do Tribunal entender que os factos descritos não integram a prática de um crime deve ser, naturalmente, casuística.

    Vejamos.

    Vem o Ministério Público deduzir acusação contra (…) quando na verdade o nome do arguido é (…), como resulta à exaustão dos autos.

    Imputa-lhe a prática de um crime de difamação agravada, porquanto, Em dia não concretamente apurado do mês de Janeiro de 2017, o arguido remeteu ao TEP de Évora missiva, onde proferiu as seguintes afirmações: " ... Durante o mandato da Dr.ª (…) que saiu recentemente, a Dr. o trouxe consigo o Chefe Principal da cadeia com ela, o Sr.° (…).

    Relativamente a esse senhor, pôs a munha vida em risco por diversas vezes e fui muitas vezes por informações que ele devia manter e não o fez.

    Durante o tempo em que este EP tinha 3 ou 4 reclusos agora ... o que transformaram este EP em algo em que as regras não imperam e pela capacidade financeira que tinham, alguns guardas prestavam obediência quando se percebe que o chefe até a reclusos dava informações a munha vida começou a ficar em risco, mas como estava em regime aberto, todos têm que justificar um olho negro ou duas costelas ou dentes partidos.

    Em Janeiro de 2016 como ia ser ouvido para a pulseira pedi para falar com o chefe como fiz com os restantes técnicos para ter noção do que podia esperar, o mesmo me começou peça 3 vez a relacionar com negócios de tráfico que terá que justificar e disse que o parecer era negativo e eu já tinha cozido quatro ou cinco pessoas.

    Quando cheguei ao regime aberto fui recebido com extrema violência pq ele ... um recluso que eu tinha lá estado a contar certas coisas e nada disso se tinha passado, o pai...

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