Acórdão nº 25/15.1JAFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 25/15.1JAFAR da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Loulé, Juiz 3, submetido a julgamento por acusação do MP, foi o arguido (...) condenado: 1. Pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RGIT, na pena de cento e vinte dias de multa, à taxa diária de dez euros; 2. Pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punível pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 103.º RGIT, por referência à alínea b) do n.º 2 do artigo 104.º do RGIT, na pena de dois anos de prisão, suspensa por igual período, e subordinada à condição de, nos termos do artigo 14.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT:

  1. Até ao limite do período de suspensão da pena de prisão proceder ao pagamento, por qualquer meio documentado nestes autos, do imposto em falta e acréscimos legais, resultado da prática do crime de fraude fiscal qualificada, em falta aos cofres do Estado Português, em sede de IRS, referente ao ano fiscal de 2014, nos termos da alínea a) do n.º 5 do artigo 89.º-A da LGT, no valor de 89.100 € (oitenta e nove mil e cem euros); 2. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, no passado dia 04.03.2020, a fls., com a qual o Recorrente não se conforma.

    1. Em primeiro lugar porque, à data em que a factura n.º 0048 foi emitida (i.e., 14.08.2014) e a transferência creditada (i.e., 20.08.2014), a sociedade (…), Lda.”, , com sede na (…) (a “Sociedade”) encontrava-se extinta há cerca de 4 (quatro) meses, motivo pelo qual, por maioria de razão, não haveria lugar, quer à apresentação da declaração de rendimentos Mod22/IRC, quer ao pagamento do imposto em sede de IRC, referente ao ano fiscal de 2014, no valor de € 34.188,12 (trinta e quatro mil, cento e oitenta e oito euros e doze euros).

    2. Em segundo lugar porque da operação em causa não resultou qualquer lucro tributável para a Sociedade, na medida em que, para o apuramento do lucro tributável, deveria o Tribunal a quo ter considerado, nos termos do artigo 23.º, n.º 1 e 2 do CIRC e bem assim do artigo 89.º-A, n.º 5, alínea c) da LGT, o valor relativo à aquisição dos bens, no valor de € 148.644,00 (cento e quarenta e oito mil, seiscentos e quarenta e quatro euros), conforme factura n.º 52644, datada de 04.08.2014, emitida pela sociedade de direito canadiano denominada (…), junta no âmbito da audiência de julgamento realizada no dia 12.02.2020, a fls.

    3. Tanto mais que, à data da sua dissolução, a Sociedade não tinha qualquer activo – de outro modo, não poderia ter ocorrido o registo do encerramento da liquidação -, pelo que, inexistindo activo, a Sociedade não poderia ter vendido à sociedade (…) os bens titulados pela factura n.º 0048, de 14.08.2014 e, logo, obtido o rendimento que a Autoridade Tributária lhe imputa.

    4. Para pagamento da factura identificada em 3. supra, o Recorrente, na qualidade de gerente da Sociedade, realizou as transferências identificadas no ponto 6. dos factos provados na sentença recorrida, a pedido da testemunha (…), sócio-gerente da (…), conforme confirmado pelo próprio em sede de audiência de julgamento, directamente para a conta bancária daquela sociedade ou para pagamento de despesas relativas à mesma.

    5. Pelo que não existiu qualquer vantagem patrimonial ilegítima, quer para a Sociedade, quer para o seu gerente, ora Recorrente, motivo pelo que o eventual crime de fraude fiscal, a ter ocorrido, o que não se aceita, nunca seria punível, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º do RGIT.

    6. Em terceiro lugar porque as transferências identificadas no ponto 6. dos factos provados na sentença recorrida não constituem, na opinião do Recorrente, incrementos patrimoniais nos termos e para os efeitos previstos no artigo 87.º, n.º 1, alínea f) da LGT, porquanto, conforme resultou da prova, documental e testemunhal, produzida em sede de audiência de julgamento, o Recorrente, a título pessoal, não obteve qualquer benefício com o negócio.

    7. Tendo a Sociedade servido apenas como mera intermediária do negócio entre a (…), sociedade vendedora dos bens, e a (…), sociedade compradora dos bens, destinando-se as transferências bancárias identificadas no ponto 6. dos factos provados na sentença recorrida a pagar o preço dos bens vendidos pela (…).

    8. Pelo que é absolutamente falso que as referidas transferências hajam sido realizadas para pagamento de despesas comerciais, pessoais e familiares do Recorrente.

    9. Mesmo que se conclua pela verificação do crime de fraude fiscal, a verdade é que o montante do imposto alegadamente em falta, em sede de IRS, não se encontra correctamente calculado, correspondendo, no limite, a € 60.332,34 (sessenta mil, trezentos e trinta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), devendo, por conseguinte, ser esse o valor da prestação tributária a considerar nos termos do artigo 14.º do RGIT, o que expressamente se requer.

    10. Em quarto e ultimo lugar porque, em face da prova testemunhal produzida, revela-se evidente que o Recorrente não tinha consciência de que estava a praticar os crimes pelos quais foi condenado, motivo pelo qual não se encontra preenchido o elemento subjectivo do tipo legal.

      Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que absolva in tottum o Recorrente dos crimes pelos quais foi condenado (…)”.

      2.2. Das contra-alegações do Ministério Público Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1. O recorrente vem recorrer da douta sentença que o condenou nos crimes de fraude fiscal simples e no crime de fraude fiscal qualificado, respectivamente p. e p. pelos artigos 103º nº 1 al.a e b) do RGIT, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €10,00, e alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 103º, por referência à alínea b) do nº 2 do artigo 104º do RGIT, na pena de 2 anos de prisão suspensa por igual período e subordinada à condição de pagar ao Estado Português do imposto em falta, no valor de €89.100,00, apresentando as suas alegações.

    11. O recorrente faz a impugnação ampla da matéria de direito (artigo 413º nº 2 al. b) do CPP), uma vez que a recorrente entende que os pontos constantes da matéria de facto provada, imporia uma diversa interpretação das normas jurídicas aplicadas, nos seguintes sentidos: e) À data da operação de bypass financeiro, a sociedade estava extinta, pelo que não tem qualquer responsabilidade criminal; f) Não existiu qualquer lucro do recorrente que importasse prejuízo patrimonial para o Estado Português (falta de elemento objectivo do tipo), porquanto tratou-se, apenas, de bypass financeiro internacional; g) Erro de cálculo do imposto alegadamente devido pelo recorrente; h) Falta de consciência da ilicitude (falta de elemento subjectivo do tipo).

    12. Uma vez que o recorrente apenas recorre da matéria de direito, temos como definitivamente como assentes a matéria de facto.

    13. No entanto, sempre se dirá que a conjugação dos elementos probatórios produzidos em audiência de julgamento, entre si e com as regras da experiência comercial em casos análogos, nos termos expendidos na motivação de facto e de direito da douta sentença recorrida, faz com que o Tribunal a quo e bem, não desse credibilidade à tese da inocuidade fiscal da operação financeira aventada pelo recorrente.

    14. Em primeiro lugar, porque se a (…) nada tinha a ver com a transacção, qual a razão lógica e coerente porque o recorrente emitiu a factura nº 48, numa altura em que aquela sociedade já estava dissolvida; 6. Em segundo lugar, porque sendo o recorrente e o seu filho, comerciantes e financeiros experientes com longo historial de comércio internacional, não é credível, nem sustentável, de acordo com as regras de experiência de vida, designadamente as regras comerciais e usos comerciais, que desconhecessem em absoluto, a obrigação de reportar em termos tributários a operação, pelo que foi comprovado o elemento subjectivo do tipo; 7. Por outro lado, no que tange à aventada falta de lucro da sociedade extinta, de acordo com o Douto Acordão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2.10.2013, Processo nº 105/11.2IDCBR.C1, Relator: Jorge Dias, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário é o seguinte: “1.- O crime de fraude fiscal é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social e é um crime de “resultado cortado”, pois a obtenção de vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo. Basta apenas que as condutas sejam preordenadas à obtenção de tal vantagem; bem se vê que a comprovada utilização, por parte do recorrente, de uma aparência de pessoa colectiva para fazer uma operação financeira internacional, constitui conduta que visa a obtenção de vantagem patrimonial ilegitima que é o não pagamento de imposto devidos pela realização dessa mesma operação.

    15. Em consequência dessa falta deliberada de comunicação, como estava obrigado, era capaz e sabia, atenta a sua vasta experiência profissional, na qualidade de sócio gerente da (…) (esta sociedade arguida só não foi julgada e punida, porquanto foi dissolvida, estando, por conseguinte, a sua responsabilidade criminal extinta), resultou um montante de imposto em falta aos cofres do Estado, em sede de IRC referente ao ano de 2014, no valor de €34.188,00 em função de uma variação patrimonial positiva dessa firma no resultado liquido desse período de tributação, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 21º do CIRC, não havendo, por isso, qualquer erro de cálculo do...

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