Acórdão nº 3283/17.3T8STR-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO SOUSA FARO
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO 1.1. Caixa …, S.A., propôs acção de reivindicação, sob a forma de processo comum, contra J… e M…, pedindo que os RR sejam condenados a: - Verem declarada a Autora, como legítima proprietária do prédio urbano sito na Rua dos Açores, … em Almeirim, freguesia e concelho de Almeirim, descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim, sob o nº … e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo …; - Entregar à Autora o referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens; - Pagar à Autora, uma indemnização pelos prejuízos por esta sofridos, em virtude da ocupação ilegal e abusiva, contada desde a aquisição do imóvel pela Autora, que se fixa em €35.312,88 até efectiva entrega do imóvel, devoluto de pessoas e bens, acrescido de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal, desde a data de interpelação dos RR, para proceder à entrega o imóvel desocupado, que à data corresponde a €297,86.

Alegou a Autora, em síntese, o seguinte: - É dona e legítima proprietária da fracção em causa, cuja aquisição está registada a seu favor; - O imóvel em causa, veio à posse e propriedade da Autora através de escritura de dação em pagamento, celebrada a 27 de Setembro de 2012; - Ao diligenciar pela tomada de posse, deparou-se com o facto de a fracção se encontrar ocupada pelos ora RR, sem a sua autorização, ou qualquer título que legitime tal ocupação; - Por carta datada de 24 de Agosto de 2017, interpelou os RR para procederem à desocupação e entrega do imóvel; - Esta ocupação tem causado prejuízos, porque contribui para a depreciação do imóvel, impossibilita a realização de capital através de venda do direito de propriedade e priva a Autora de receber o valor locativo correspondente a cada mês de ocupação; - A Autora exerce a sua actividade comercial como instituição financeira e nessa qualidade, não pode deter no seu imobilizado o prédio adquirido por um período superior a dois anos.

Regularmente citados, os RR, apresentaram Contestação/Reconvenção na qual, em síntese, alegaram: - Em 27 de Setembro de 2012, foi efectuada escritura de dação em pagamento do imóvel à Autora, pela administração da sociedade insolvente T…, S.A.; - O prédio não está, nem nunca esteve, na posse da Autora; - A escritura de dação não conferiu posse à Autora; - No processo nº 1146/10.2TBALR, do 2º Juízo de Comércio de Santarém, em 13/12/2010 foi proferida sentença de insolvência da sociedade T…, S.A., tendo em aditamento, proferido em 20/12/2010, sido consignado que a administração da massa insolvente seria assegurada pelo devedor; - Os RR como consumidores, apresentaram-se como credores nos autos de insolvência, resultante do incumprimento pela insolvente, do contrato-promessa de compra e venda de imóvel destinado a habitação própria e permanente, com entrada na posse e entrega de €50.000,00 a título de sinal; - Reclamaram o crédito de €50.000,00 acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento, garantido pelo direito real de retenção sobre o prédio urbano, para efeito de ser pago pelo produto da venda; - O crédito reclamado foi reconhecido, aprovado e graduado como garantido pelo direito real de retenção; - A Autora, nunca reclamou da aprovação e graduação do direito de crédito dos RR; - No Plano de Insolvência aprovado, os RR têm o seu crédito de €50.000,00 graduado como crédito garantido, com direito real de retenção sobre o imóvel em causa; - De igual modo, a Autora tem o seu crédito, quanto a este imóvel, graduado como crédito garantido, por ter um direito real de hipoteca a seu favor; - Na Assembleia de Credores, que aprovou o Plano de Insolvência, a Autora integrava a Comissão de Credores e votou favoravelmente a sua aprovação; - Com a escritura de dação, os direitos dos RR foram prejudicados por favorecimento de um credor que, tinha um direito de crédito em posição inferior; - Os RR não deram o seu consentimento à dação, nem efectuaram voto favorável à aprovação do Plano de Insolvência; - Nos termos do nº2 do art.º 192º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), no Plano de Insolvência só podem afectar-se os direitos do interessado, se no texto do mesmo, isso estiver expressamente autorizado ou for consentido pelo visado; - No Plano de Insolvência, não está expresso que os RR renunciam à graduação do seu crédito como garantido, ou seja, ao direito de retenção que detém sobre este imóvel; - Impunha-se o consentimento escrito dos RR, por serem detentores do direito de retenção; - Não está expresso no Plano de Insolvência, que a dação também incide sobre o prédio onde os RR têm o direito real de retenção; - É nula a dação por violação dos artigos 192º e 194º do CIRE; - A Autora realizou a escritura de dação sem o conhecimento ou consentimento dos RR; - Os RR estão na posse do imóvel como consumidores, porque o mesmo constitui a casa de morada de família; - O imóvel terá de regressar à massa insolvente, para ser alienado e os RR receberem a quantia do seu direito de crédito; - A massa insolvente nunca entregou aos RR, qualquer quantia para pagamento do seu crédito; - Os RR estão na posse do imóvel desde 18/07/2010; - Os RR apenas foram interpelados para proceder à desocupação e entrega do imóvel, uma única vez, através de carta datada de 24/02/2017 e recebida a 03/03/2017; - Os RR, até 10/03/2017, desconheciam que a Autora era proprietária do imóvel; - A Autora ao efectuar a escritura de dação deste imóvel, sem conhecimento e consentimento dos RR, actuou em claro abuso de direito e má-fé, com intuito de prejudicar os RR na satisfação do seu crédito, o que logrou conseguir até então; - Os RR reclamam a condenação da Autora, no pagamento de uma indemnização, pelos danos morais e transtornos que se computam no valor de €25.000,00; - A Autora adquiriu a dação o imóvel onerado, com direito de retenção e por isso, terá de ressarcir aos RR o crédito garantido; - No contrato-promessa, a sociedade T…, SA, posteriormente insolvente, prometeu vender ao marido consumidor, ora Réu, a referida fracção e os RR, entraram na posse do imóvel, aquando da assinatura do contrato-promessa de compra e venda, no dia 15/07/2010, com a entrega do valor de €50.000,00 e entrega da chave. Mudaram-se e aí, passaram a ter a sua casa de família; - Após a aprovação do Plano de Insolvência, os RR efectuaram o contrato de fornecimento de electricidade em nome do Réu marido, em 14/10/2011; - Caso venha a entender-se, que a Autora é proprietária desde 27/09/2012, o seu direito à restituição da posse, está onerado com um novo direito de retenção, decorrente de benfeitorias que os RR efectuaram a partir de 01/01/2012; - Construíram dois quartos, casa de banho e sala, o que se traduz na construção de um verdadeiro 2º piso, avaliadas as benfeitorias em €41.000,00; Conclui, pedindo a procedência dos pedidos reconvencionais e em consequência, ser: I – Declarada nula e sem nenhum efeito a escritura de dação, quanto a este imóvel, e em consequência não serem reconhecidos quaisquer direitos à Autora, neste âmbito, sendo o imóvel restituído à massa insolvente.

EM ALTERNATIVA II – Reconhecida como legítima a posse dos RR e a manutenção do seu direito de retenção sobre o imóvel na dação, condenando-se a Autora no pagamento de €50.000,00 para satisfação do crédito dos RR, acrescido dos juros vencidos desde 27/09/2012, no valor de €10.613,70 e vincendos até integral pagamento; III – Dado como provado que os RR, de boa-fé, efectuaram benfeitorias úteis no imóvel, no valor de €41.000,00, sobre os quais têm uma posse legítima que lhes confere o direito de retenção, até ao pagamento pela Autora do valor das mesmas, a título de enriquecimento sem causa, acrescido de juros vincendos a partir da citação, até integral pagamento; IV – Em qualquer dos pedidos condenada a Autora a pagar aos RR o valor de €25.000,00 de indemnização, a título de danos morais, por abuso de direito, pela ocultação da escritura de dação do imóvel.

Notificada da Contestação/Reconvenção, veio a Autora apresentar Réplica, na qual, em síntese, alega: - No identificado processo de insolvência não houve sentença de graduação de créditos; - Só por manifesto lapso de leitura do Plano de Insolvência, junto aos autos pelos próprios RR, podem estes invocar a nulidade da escritura de dação junta aos autos; - Resulta do Plano de Insolvência que o crédito da Autora no montante de €567.516,66, seria satisfeito em dois momentos distintos: - Numa primeira fase, o Sr. Administrador deveria tentar proceder à venda dos imóveis até 15/11/2011; - Findo esse prazo, à Autora estava conferido o direito de requerer a realização da escritura de dação em pagamento, nos termos do próprio Plano de Insolvência, o que fez; - Quanto ao crédito dos RR/Reconvintes, reclamado em tal processo, o montante é de €50.000,00, conforme confissão que se aceita para não mais ser retirada; - Foi deliberado que o mesmo seria totalmente pago: Créditos garantidos - 50.000,00 Euros Plano de regularização: pagamento da totalidade do capital em dívida, em 50 prestações trimestrais e sucessivas, com taxas de amortização crescentes, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verificar o trânsito em julgado da sentença de homologação do Plano de Insolvência com perdão de juros vencidos e vincendos.

- De parte alguma do Plano de Insolvência, se retira ou conclui, que o imóvel seria adjudicado ou alienado aos RR, como forma de pagamento do seu crédito, ou mesmo, que o produto da venda lhe fosse, sem mais, atribuído; - Caso os RR se sentissem prejudicados com o plano aprovado e homologado, um caminho lhes restava seguir: o do recurso; - É este o alcance do caso julgado material no processo de insolvência; - Os RR e os familiares, estavam conscientes da aquisição da propriedade do imóvel por parte da Autora desde 2012, ocupando-o ilícita e ilegalmente; - Quanto às benfeitorias, os RR reclamaram o montante de €50.000,00 no processo de...

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