Acórdão nº 644/19.7T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Santarém – Juízo Central Cível – Juiz 1 Comarca de Santarém ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I.

Relatório R… e B… intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Banco …, SA, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 57.676,71, acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre € 50.000,00 desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto alegaram, em síntese, que A…, cliente do réu na agência de Caxarias há mais de dez anos, subscreveu no dia 20.04.2006, a compra de uma obrigação “SLN 2006” no valor de € 50.000,00, por sugestão do gerente da referida agência, em quem confiava, na convicção de tratar-se de uma variante de um depósito a prazo, melhor remunerado e passível de ser resgatado a qualquer altura. Advogam ainda que, A… tendo, à data, mais de 75 anos de idade, sendo de baixa instrução escolar e avesso a qualquer situação de risco, caso tivesse sido informado da limitação do reembolso do produto financeiro em causa apenas a partir de 08.05.2016, da ausência de garantia do réu à aludida subscrição e da sua natureza subordinada, nunca aceitaria subscrevê-lo, o que era do conhecimento do gerente do balcão da Caxarias do réu. Confrontados com a nacionalização do banco réu, a insolvência da sociedade G…, SGPS, S.A.” (anteriormente S… , SGPS, S.A.), e, subsequentemente, com as reais características do produto financeiro do produto em causa e a inviabilidade de recuperação do capital investido na sua subscrição, pugnam pela responsabilidade do réu no ressarcimento dos danos daí advindos por violação dos deveres de informação, lealdade e protecção, que sobre si impendiam.

O R. apresentou contestação, excepcionando a ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade dos autores, a caducidade, a prescrição e ainda o abuso de direito dos autores, na modalidade de venire contra factum proprium. Mais alegou que a subscrição do produto em causa era segura, à semelhança de um depósito a prazo, sendo que o seu incumprimento foi determinado por circunstâncias imprevisíveis e anormais, alheias a um especial risco que o produto financeiro em causa pudesse assumir, não tendo existido qualquer violação do dever de informação que sobre si impedia, designadamente quanto à possibilidade do resgate do capital investido, tendo sido explicado que este poderia suceder antes de decorrido o prazo de dez anos, via endosso, frequente, à data, uma vez que a sua procura superava a oferta, para além de que nunca foi assegurado pelo Banco ao subscritor qualquer garantia numa eventual situação de incumprimento das obrigações da “S…”.

Os AA. pronunciaram-se acerca da matéria de excepção concluindo pela sua improcedência.

Realizada a audiência prévia, frustrada a tentativa de conciliação entre as partes e reforçado o contraditório quanto às excepções deduzidas, foi proferido despacho saneador por escrito, no âmbito do qual conheceu-se da arguida excepção da ineptidão da petição inicial e da legitimidade processual dos AA., tendo sido declarada a ilegitimidade activa de Rui Pereira de Sousa e, consequentemente, absolveu-se o réu da instância deduzida contra si pelo referido autor, relegando para final o conhecimento das demais excepções.

Definiu-se o objecto do litígio e elencaram-se os temas da prova.

Realizada a audiência final foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o R. dos pedidos contra si formulados.

Interposto recurso por R… e B… da referida sentença e admitido pelo tribunal a quo, não foi o mesmo admitido, enquanto interposto por R… por falta de legitimidade.

Foram apresentadas alegações e formulandas as seguintes conclusões: “A.

Um Banco não presta informação verdadeira, atual, clara e objetiva quando vende a investidores não qualificados, simples aforradores, obrigações subordinadas, dizendo aos clientes que se trata de um produto semelhante a um depósito a prazo.

B.

Reputa-se como um facto público e notório (que dispensa alegação e prova), o modus operandi do Banco réu, o qual consistiu em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comummente praticada por outros operadores financeiros.

C.

E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade.

D.

Atenta a prova produzida nos autos, deveriam ter sido dados por “provados” os factos não provados vertidos nas alíneas a); b), na parte que refere: “devendo os clientes ser convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um simples sucedâneo de um depósito a prazo”; m) e n) dos factos não provados.

E.

A alínea a) dos factos não provados deveria ter sido dada por provada, atento o depoimento da testemunha J… e o depoimento de parte do autor R….

F.

Sendo certo que, segundo as regras da repartição da prova, competia ao Banco réu demonstrar que o falecido A… havia realizado naquele Banco operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres, que o mesmo tivesse uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00, ou que houvesse prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no setor financeiro, numa posição profissional em que fosse exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários, o que não aconteceu.

G.

Também a alínea b) dos factos não provados, na parte que refere: “devendo os clientes ser convidados a aderir ao novo produto como se se tratasse de um simples sucedâneo de um depósito a prazo”, deveria ter sido dada por provada, atentas as declarações da testemunha J….

H.

O modus operandi, do Banco réu, em ordem ao seu financiamento consistiu, como é do conhecimento comum, em seduzir meros aforradores com produtos financeiros com remuneração superior à comumente praticada por outros operadores financeiros.

I.

E, em ordem a esse desiderato, convencerem tais aforradores que os produtos vendidos eram meros sucedâneos de depósito a prazo, mobilizáveis a qualquer tempo, com eventual perda de juros, o que na realidade não era verdade.

J.

A alínea m) dos factos não provados deveria ter merecido a resposta de “provada”, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 289.º do C.V.M. e no n.º 1 do artigo 293.º do mesmo Código e, bem assim, do Doc. 26 da p.i..

K.

Por último, também a alínea n) dos factos não provados deveria ter sido dada como “provada”, pois se assim não, fosse, os autores não se teriam vistos obrigados a recorrer ao tribunal, com o intuito de lhes ser restituído o valor entregue pelo falecido Armando Gomes de Sousa, pai do 1.º autor e avô do 2.º, acrescido dos respetivos juros, como, de resto, resulta do ponto 22 dos factos provados.

L.

Basta reler os documentos n.º 28 e n.º 29 da p.i. para se perceber que já em 2006, na data da subscrição da obrigação dos autos, a situação do grupo S… se encontrava em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da S… eram falsos, estavam viciados e não traduziam a verdadeira situação económico-financeira do grupo S….

M.

O corolário desta conclusão é que não foi a crise financeira do SUB PRIME que se propagou a todo o sistema financeiro e que se concretizou além do mais, na rutura do mercado financeiro Islandês, que esteve na origem na rutura e no buraco financeiro do grupo S….

N.

Foi antes sim, uma conduta premeditada desde o início de 1998, considerada como ilícita, criminosa e assente em práticas fraudulentas que originaram à intervenção do Banco de Portugal junto do governo da altura, que culminou como todos sabemos, com a nacionalização do B… em 2008 e a insolvência da holding S… posteriormente.

O.

Daqui se conclui, sem a mínima possibilidade de duvida razoável, que o Banco, através dos seus principais gestores de topo e em especial do Presidente do grupo S…, forneceu informações falsas do ponto de vista contabilístico e financeiro, que de forma fictícia se encontravam relevadas nas contas, que serviram de suporte à emissão e venda junto da rede comercial do B… SA, das obrigações subordinadas “S…”, que sabiam nunca viriam a ser pagas na data do vencimento! P.

Com esta prática fraudulenta, ocultando o buraco financeiro de muitas centenas de milhões de euros e conforme decorre dos autos, premeditada pelos seus gestores de topo desde o início, o Banco réu induziu toda a estrutura comercial do Banco acreditar e a confiar que estaria a vender produtos como as obrigações da S… de um grupo sólido e rentável e assim captou os fundos necessários dos clientes com a promessa de boa rentabilidade e segurança absoluta que era transmitida pela rede comercial aos seus clientes.

Q.

Foi neste enquadramento, sabemo-lo hoje, que, afinal as poupanças investidas pelos clientes através de aplicações de obrigações subordinadas da S…, que eram vendidas como seguras e com capital garantido, afinal eram um embuste, e que a crise financeira de 2008 não pode nem deve ser chamada para justificar a atuação do Banco réu.

R.

A relação de confiança que se estabelece entre o intermediário financeiro e o cliente releva, para efeitos de responsabilidade contratual, se ocorrerem danos em virtude de falta de informação detalhada fornecida pelo intermediário, ao nível habitualmente atingido pela prestação, no âmbito da relação estabelecida.

S.

No caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente em termos de informação.

T.

Quando o Banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos...

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