Acórdão nº 343/19.0T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Data14 Julho 2020

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelante: STRUP - Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (autor).

Apeladas: Barraqueiro Transportes, SA e Ribatejana Verde - Transportes Rodoviários de Passageiros, Unipessoal, Lda (rés).

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, Juiz 1.

  1. O A. veio intentar a ação declarativa, sob a forma de processo comum contra as rés e pede a condenação das rés a:

    1. Anular as cláusulas relativas ao local de trabalho inscritas nos contratos individuais de trabalho de todos os trabalhadores motoristas associados do autor por indeterminação do local, demasiada amplitude geográfica, nos termos do artigo 22.º n.º 1 al. n) e artigo 15.º do DL.446/85 de 15/10, artigo 280.º do CC; artigo 105.º do CT e cláusula 16.ª do CCT.

    2. Inserir em cada contrato de trabalho de todos os trabalhadores motoristas associados do autor uma cláusula com a indicação de um único local de trabalho concreto e determinado; c) Cumprir o conteúdo integral da cláusula 16.ª do CCT aplicável à relação de trabalho entre as rés e os associados do autor, publicado no BTE n.º 48 de 29.12.15.

    Alegou, em síntese, que nos contratos de trabalho celebrados entre as rés e os seus associados o local de trabalho não se encontra suficientemente determinado, o que leva a que os trabalhadores possam iniciar e terminar o serviço sempre em sítios diferentes, gerando incerteza na organização da vida pessoal e falta de segurança no emprego.

    Alega que a ré não disponibiliza transporte aos motoristas para se deslocarem para os locais onde iniciam ou terminam o serviço e não pagam deslocações, pelo que os motoristas são obrigados a fazer deslocações diárias em transportes próprios de dezenas ou mesmo centenas de quilómetr-os às suas custas exclusivas.

    Alega ainda que os contratos de trabalho não são negociados, sendo que apenas é admitido a trabalhar com as rés quem aceitar as condições previamente definidas.

    Realizada a audiência de partes, não foi possível a obtenção de acordo.

    A ré contestou e alegou, em suma, que: O recrutamento é efetuado pela ré BT em função das necessidades de cada zona operacional, sendo prestada informação aos candidatos da zona (denominação e zona geográfica abrangida).

    Até meados de 2015 os contratos celebrados pela ré BT continham uma cláusula onde se mencionava a zona operacional onde o motorista exerceria a sua atividade.

    De meados de 2016 até à atualidade, a cláusula relativa ao local de trabalho nos contratos de trabalho que a ré BT tem vindo a celebrar com os motoristas admitidos para as zonas operacionais “Mafrense”, “Boa Viagem” e “Barraqueiro Oeste” com seguinte conteúdo: “O Segundo Contraente é contratado para prestar o trabalho na zona de tráfego denominada “Boa Viagem” cuja atividade se desenvolve com predominância, na área dos municípios de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço e Vila Franca de Xira, pelo que ele poderá iniciar, reiniciar ou terminar a sua jornada de trabalho em qualquer ponto dessa zona”.

    Relativamente aos motoristas contratados em data anterior a 2016, a ré RBV tem restringido a três estações/bases de tráfego a área geográfica da prestação do trabalho inicialmente contratada, desde que eles nisso manifestem interesse.

    O local de trabalho dos motoristas das rés está suficiente e claramente indicado e determinado nos respetivos contratos de trabalho, correspondendo ao centro estável ou predominante do desenvolvimento da atividade laboral de cada um; A esta forma de definição do local de trabalho tão-pouco pode afirmar-se excessivo e desproporcionado, tendo em atenção, desde logo, o tipo e as caraterísticas da atividade contratada, que não se compadece, nem se ajusta, com a fixação de um local de trabalho limitado a um lugar ou uma localidade, como pretendido pelo autor.

    As rés disponibilizam transporte em veículo da empresa e remuneram o tempo necessário às deslocações quando determina a prestação de serviço fora da respetiva área habitual e preponderante.

    Foi proferido despacho saneador no qual foi fixado o objeto do litígio, bem como os temas da prova, não tendo havido reclamações.

    Realizou-se audiência de julgamento, como consta da respetiva ata.

    Após, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu as rés do pedido.

  2. Inconformado, veio o A. interpor recurso motivado com as conclusões que se seguem: 1. A sentença fez uma incorreta interpretação dos factos provados e uma deficiente aplicação do Direito aos mesmos, (factos provados sob os pontos 6, 7, 10, 11, 15, 16, 17, 18, 28, 29, 33, 34, 35, 37, 38, 39 e 42) e violou o artigo 193.º do CT, artigo 22.º n.º 1 al. n) e artigo 15.º, ambos do DL. 446/85, de 15/10, artigo 280.º do CC, artigo 105.º do CT e Cláusula 16.ª do CCT.

    1. Da nulidade das cláusulas dos contratos de trabalho por indeterminabilidade 2. O local de trabalho é o correspondente à “zona de exploração” ou à “zona de tráfego” ou à “zona operacional” das RR., sendo certo que estas zonas são constituídas em função da tipologia dos serviços que visam prestar e da área geográfica que ocupam.

  3. A tipologia dos serviços prestados tem a ver com os serviços concessionados, serviços ocasionais e serviços dos transportes públicos, enquadrando-se nas zonas de exploração das RR., sendo certo que, nessa medida, o local de trabalho dos motoristas pode abranger todo o território nacional, pois estas têm como zona de exploração – se somarmos todas as zonas das RR. - praticamente todo o país, podendo mesmo a zona de exploração ser fora de Portugal tendo em conta que os serviços ocasionais podem sair do país.

  4. Nunca se pode considerar que o local de trabalho nestes casos seja determinado, pois a indeterminação é a sua caraterística essencial, uma vez que não está especificado um lugar físico concreto e determinado.

  5. O ponto 2. da cláusula contratual constante do facto 28 não torna determinado o local de trabalho uma vez que refere que o trabalhador “ficará afeto, por ora, à zona de tráfego da Ribatejana podendo, porém, vir a ser afeto a outra de acordo com o disposto no número anterior”.

  6. A referida cláusula considera que a prestação do trabalho ocorrerá em toda a zona de exploração da R., o que é evidentemente indeterminado, mas depois o ponto segundo da mesma cláusula remete de novo para este ponto primeiro, com a agravante de que o ponto segundo refere que o trabalhador só ficará afeto à zona de tráfego da Ribatejana, para efeitos “meramente administrativos”, o que não é manifestamente o caso do local de trabalho uma vez que este não é um aspeto meramente administrativo mas um dos aspetos essenciais do contrato de trabalho.

  7. Ora, é a vacuidade, imprecisão e indeterminabilidade das cláusulas indicativas do local de trabalho, e ainda-por-cima abrangendo uma área geográfica indefinida, que verdadeiramente as carateriza e as tornas ilegais.

  8. Assim, a única conclusão óbvia e correta a retirar de tais considerações seria a de que o local de trabalho padece de indeterminação, sendo certo que tal indeterminação conduz inevitavelmente à conclusão de que tal é ilegal e por conseguinte ilegais são as cláusulas que o abordam.

  9. Nada existe nos autos que invalide ou negue o acerto da interpretação de que é notória e clara a indeterminação do local de trabalho constante das cláusulas em abordagem.

  10. O facto de o local de trabalho não estar bem definido, delimitado ou determinado nos contratos de trabalho, atribui às RR. um poder arbitrário prenhe de ilegalidade, sendo que tal indeterminação causa inúmeros e óbvios prejuízos aos trabalhadores, sendo o económico naturalmente o mais evidente.

    1. Da conformidade das cláusulas dos contratos de trabalho com o CCT aplicável 11. A cláusula 16.ª n.º 1 do CCT é absolutamente clara quando determina que se considera local de trabalho “aquele para onde o trabalhador foi contratado”, sendo que tal referência explicita a apenas um único local de trabalho não pode ser ignorada ou desvalorizada.

  11. Com efeito, a cláusula do CCT refere-se ao local de trabalho, no singular, e não aos locais de trabalho, no plural, sendo certo que a referida cláusula teve em vista a condição dos motoristas e aplica-se a estes.

  12. Com efeito, estamos perante um CCT aplicável aos motoristas de autocarros coletivos de passageiros, as RR. são empresas de transportes coletivos de passageiros e os trabalhadores em causa são motoristas de transportes coletivos dessas empresas, os quais são associados do STRUP, sindicato que os representa.

  13. Também neste particular só pode concluir-se que as cláusulas dos contratos de trabalho que abordam a matéria do local de trabalho não revestem qualquer coerência ou conformidade com o disposto na cláusula 16.ª do CCT, violando-a.

    1. Da invalidade das cláusulas dos contratos de trabalho por serem relativamente proibidas 15. Estamos perante contratos de adesão, sendo que o artigo 22.º n.º 1 al. n) do DL. 446/85 de 15/10 determina que são proibidas as cláusulas contratuais gerais que “fixem locais, horários ou modos de cumprimento despropositados ou inconvenientes”.

  14. As cláusulas que abordam o local de trabalho fixam locais de trabalho despropositados uma vez que aqueles são indeterminados, demasiado amplos geograficamente, vagos e imprecisos, e por isso ilegais, atribuindo às RR. um poder arbitrário e ilegal.

  15. As rés responderam e concluíram que a sentença recorrida interpretou e aplicou corretamente os factos e o direito.

  16. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelas razões apontadas na decisão recorrida, a qual deve ser confirmada.

    As partes foram notificadas do parecer referido no ponto anterior e nada disseram.

  17. Dispensados os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

  18. Objeto do recurso O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que seja de conhecimento...

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