Acórdão nº 147/19.0GALGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL DUARTE
Data da Resolução14 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1ª Subsecção Criminal da Relação de Évora: 1. Nos autos de Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular, n.º 147/19.0GALGS, do Tribunal de Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Instrução Criminal de Portimão – Juiz 1, foi interposto o recurso, pela ilustre Mandatária da Ofendida, do douto despacho do Exmo. JIC, proferido a fls. 81. e segs. dos autos acima referenciados, no qual julgou não verificado o justo impedimento e em consequência, julgou intempestivo o requerimento para intervenção como assistente e abertura de instrução apresentado pela queixosa RBMC, por o considerar intempestivo, nos termos do art.º 287 n.º 1 do CPP

  1. As conclusões da motivação de recurso, são as seguintes: 1. A Mandatária da Assistente sofreu temporariamente de doença que a incapacitou, em absoluto, de exercer a sua atividade profissional

  2. Durante o período de tempo em que se encontrou doente, a mesma Mandatária encontrou-se impossibilitada de, em representação da Assistente, apresentar requerimento para abertura de instrução

  3. Uma vez recuperada, a referida Mandatária requereu prontamente ao Tribunal a quo a abertura da instrução, já fora do prazo para a sua apresentação

  4. Em simultâneo, a Mandatária requereu ao mesmo Tribunal que fosse reconhecido justo impedimento para a prática atempada do mencionado ato por motivo de doença

  5. A Mandatária juntou a tal requerimento atestado médico com o seguinte teor: «A…. (…) atesta (…) que AMJS portadora do C.C. n.º ……. se encontra doente por um período previsto de 7 dias a contar da presente data. L………., 08/07/2019 (…….)»

  6. O Ministério Público promoveu que se julgasse verificada a situação de justo impedimento

  7. O Tribunal a quo não julgou verificado o justo impedimento, considerando intempestivo o requerimento para abertura da instrução apresentado pela Mandatária

  8. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão no facto de, no requerimento apresentado pela Mandatária, a mesma apenas se cingir à alegação «motivos de doença», e no facto de o atestado médico por si apresentado não referir ou esclarecer acerca das consequências da doença

  9. Segundo o art. 140.º do CPC (vide. arts. 107.º, n.º 2 e 4.º, ambos do CPP), são dois os requisitos do justo impedimento: ser estranho à vontade da parte e determinar a impossibilidade, para a parte, de praticar o ato por si ou por mandatário

  10. A doença de que padeceu a Mandatária da Assistente e que a impossibilitou em absoluto de exercer a sua profissão não se pode considerar, de modo algum, uma ocorrência que tenha dependido da sua vontade

  11. Quanto à prova do justo impedimento em caso de doença, a mesma deverá ser realizada mediante a apresentação de atestado médico

  12. A generalidade dos atestados médicos apresentam teor semelhante ao do atestado apresentado pela Mandatária

  13. Por outro lado, nem o art. 107.º do CPP nem o art. 140.º do CPC determinam que o atestado médico a apresentar pela parte que venha alegar justo impedimento, por motivo de doença, deve especificar que a mesma se encontrou impossibilitada de praticar o ato durante o período em que se encontrou doente, 14. E muito menos esclarecem tais normas que o atestado deve especificar as consequências da doença, conforme exigiu o Tribunal a quo, 15. Ou, inclusivamente, que o atestado deve esclarecer a gravidade do mal, conforme vem entendendo alguma jurisprudência

  14. Quando muito, tais requisitos, a existirem a terem que ser observados, resultarão apenas de entendimento jurisprudencial, e não de qualquer disposição legal que expressamente os consagre, 17. Pelo que o conhecimento de tais requisitos não seria exigível à Mandatária e muito menos ao médico que elaborou o atestado em crise

  15. O art. 6.º do CPC consagra o princípio do dever de gestão processual e o princípio da prevalência da substância sobre a forma

  16. O art. 7.º do CPC consagra o princípio da cooperação

  17. Por força do mencionado art. 4.º do CPP, os arts. 6.º e 7.º do CPC devem considerar-se aplicáveis ao processo penal na medida em que se harmonizam com o mesmo, contanto que não contrariem o princípio da acusação (vide o art. 32.º, n.º 5 da CRP) nem os deveres de isenção, objetividade e imparcialidade do julgador

  18. O processo penal é dominado pelos princípios da investigação e da verdade material, enunciados no art. 340.º, nos 1 e 2 do CPP, e o processo civil tem também como finalidade a descoberta da verdade material

  19. Pelo que, por todo o exposto, deveria o Tribunal a quo ter notificado a Mandatária para vir aos autos fornecer esclarecimentos acerca da doença de que foi acometida e especificar durante quanto tempo a mesma doença a impediu de praticar atos processuais, 23. Mais deveria o Tribunal ter notificado a Mandatária para vir juntar aos autos prova documental que o demonstrasse, in casu, novo atestado médico

  20. Com a sua decisão, Tribunal a quo violou o direito de intervenção da Assistente no processo penal, consagrado no art. 32.º, n.º 7 da CRP

    Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, requer a V. Exas. que se dignem: A) A conceder provimento ao presente recurso de apelação; B) A revogar o despacho recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que ordene a notificação da mandatária para vir aos autos fornecer esclarecimentos acerca da doença de que foi acometida e especificar durante quanto tempo a mesma doença a impediu de praticar atos processuais, e para a mesma vir juntar aos autos prova documental que o demonstre, in casu, novo atestado médico

    Fazendo-se assim a habitual e necessária Justiça.” 3. O Ministério Público, junto do tribunal “a quo”, apresentou a sua resposta, concluindo: “Entendemos, salvo melhor opinião, assistir razão à recorrente: Conforme decorre das conclusões da recorrente que delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir reside em saber se ocorreu justo impedimento tal como é definido pelo art. 140 n.º 1 do CPC

    Na óptica da recorrente terá ocorrido uma situação de justo impedimento, porquanto, acometida de doença súbita por um período de 7 dias, a partir do dia 08.07.2019, ficou absolutamente incapacitada de exercer os elementares actos da sua actividade profissional

    Conforme decorre do disposto no art. 107º n.º 2 do CPP, os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar, a requerimento dos interessados e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento

    E no seu n.º 3 que o requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de 3 dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento

    Considera-se assim justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto, como decorre do art. 140 n.º do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP

    O que permite a leitura de que no conceito de justo impedimento se deve integrar todo o evento que obste à prática atempada de acto jurisdicional que não seja imputável à parte que o invoca nem aos seus representantes ou mandatários, constituindo uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório

    No caso em apreço, foi proferido despacho de arquivamento o qual foi notificado por via postal simples com prova de depósito, com data de 13.06.2019 (fls. 29)

    O requerimento para constituição como assistente e abertura de instrução deu entrada em Tribunal no dia 15.07.2019 (fls. 30), ou seja, para além dos 20 dias a que alude o art. 287 n.º 1 do CPP, acrescido dos 3 dias úteis de multa, que terminaria no dia 11.07.2019

    Com data de 15.07.2019 (fls. 30) deu entrada em juízo o requerimento de incidente de justo impedimento e para prova da doença que impossibilitou a il. mandatária de praticar o acto judicial, juntou aos autos o atestado médico...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT