Acórdão nº 2359/19.7T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 04 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução04 de Junho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I.

Relatório No presente processo tutelar comum instaurado pelo Ministério Público, em representação da Direção Geral de Reinserção Social, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º als. a) e f) e 12.º da Convenção sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, concluída na Haia a 25.10.1980, de que tanto Portugal como a Ucrânia são partes contratantes, e do art.º 67.º do RGPTC, foi requerido que se declarasse ilícita a retenção da criança N… e se ordenasse o seu regresso imediato à Ucrânia, para junto de seu pai ali residente.

Fundamentou o M.P. o pedido na circunstância de a criança ter a sua residência habitual na Ucrânia e de a mãe, contra a vontade do pai, a ter retido em Portugal, quando aqui se encontrava a passar férias, o que constitui retenção ilícita, pelo que deverá ser ordenado o regresso imediato da criança.

Por despacho de 19.07.2019, foi determinada a inserção dos dados relativos à criança no sistema de informação Schengen, mediante comunicação ao Gabinete SIRENE, solicitado à segurança social que averiguasse as condições em que a criança se encontrava a viver, designadamente entrevistando a criança e colhendo informações complementares junto da escola, saúde e vizinhança, devendo, ainda, ser apurado o circunstancialismo que rodeou a deslocação para Portugal bem como a data da separação do casal, como se processou o exercício das responsabilidades parentais após essa ocorrência e a opinião da criança sobre o assunto e o seu grau de maturidade.

Foi ainda ordenado que a progenitora apresentasse prova do por si alegado junto da DGRS, ou seja, que lhe foram “atribuídas as responsabilidades parentais”.

Foi designada data para audição da progenitora, da criança e tomada de declarações à técnica gestora nomeada para o caso para oralmente transmitir a informação colhida a ser gravada no sistema informático e reduzida a escrito.

Foram ouvidas a progenitora, A…, que se encontrava acompanhada pela sua I. mandatária, a criança N… e a técnica gestora, C….

No final da diligência, o M.P. requereu que fosse solicitada à autoridade central portuguesa que diligenciasse junto da sua congénere ucraniana pela obtenção das decisões pertinentes ao menor, i.e., a sentença do divórcio e eventuais regulações e alterações das responsabilidades parentais.

Junta a sentença do divórcio de requerente e requerida, os autos foram com vista ao M.P., o qual reiterou o pedido formulado, ou seja, pela declaração da ilicitude da retenção da criança N… e pelo regresso imediato à Ucrânia.

Conclusos os autos, foi proferida decisão, em 23 de Março p.p. que, “Considerando ilícita a retenção em Portugal da criança N…” ordenou “o seu regresso imediato à Ucrânia”.

A…, mãe da criança N…, não se conformando com a sentença prolatada dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões “I. O presente recurso que se interpõe, versa sobre a douta sentença que determina o regresso da criança N…; II. A douta sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” errou ao determinar o regresso da menor à Ucrânia pelas razões que se passam a expor.

  1. Em sede de audição da mãe da criança, a ora recorrente, a mesma indicou circunstâncias que obstam à entrega da criança.

  2. O menor também foi ouvido e declarou, além do mais que: Tem 12 anos de idade, frequentou o 6.º ano mas não transitou de ano; Gosta muito de estar cá; Quer poder irà Ucrânia de férias visitar a sua família, mas só com a sua mãe; Vive com a mãe e com o irmão; não tem saudades do pai.

  3. Ademais face à prova dos autos, mormente, as declarações prestadas na Conferencia de Pais pelo menor N… perante a Mmª Juiz, conjugada com a demais prova documental dos autos impunha-se que o tribunal “a quo” julgasse provada a seguinte factualidade: a) O menor frequenta o 6.º ano de escolaridade na escola de Montenegro; b) Tem 12 anos de idade, frequentou o 6.º ano mas não transitou de ano; c) Tem algumas dificuldades linguísticas, mas já está melhor; d) Gosta muito de estar cá; e) Quer poder ir à Ucrânia de férias visitar a sua família, mas só com a sua mãe; f) Vive com a mãe e com o irmão; g) Não tem saudades do pai; VI. Não o tendo feito a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto.

  4. Além disso, a douta sentença recorrida foi proferida sem que tivesse em consideração a vontade do menor; VIII. O tribunal “a quo” antes de proferir decisão não ordenou a elaboração de relatório social a fim de aferir quais as actuais condições do menor em Território Nacional, IX. O Tribunal “a quo” também não solicitou relatórios à Segurança Social da Ucrânia, de molde a aferir se o regresso do menor a esse país, (que antes da Pandemia Covid-19 já se encontrava em situação económica difícil, para além de ser palco de uma guerra com a Federação da Rússia) sujeitaria a criança a risco grave, ou a ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou a ficar numa situação intolerável.

  5. O que se impunha e que, salvo melhor opinião, consubstancia omissão de diligências essenciais à boa decisão da causa que no caso é o superior interesse da criança, em violação do princípio do inquisitório, consagrado nos artigos 6.º e 411.º da lei processual civil.

  6. O tribunal “a quo” tomou a decisão recorrida após lhe ter sido remetida, a seu pedido, a certidão da sentença do divórcio decretado pelo tribunal da Ucrânia.

  7. Ora, em declarações prestadas perante a Mmª Juiz a mãe do menor disse que as responsabilidades parentais se encontravam reguladas, mas que ela não tinha nenhuma cópia desse acordo.

  8. Enquanto se encontrava a diligenciar pela obtenção desse documento, o que apenas logrou em 27-03-2020 (documento que ora junta) foi surpreendida com a sentença sub judice.

  9. E só com a notificação da decisão recorrida tomou conhecimento que as autoridades da Ucrânia haviam remetido certidão da sentença do divórcio decretado pelo tribunal da Ucrânia; XV. Ou seja, o tribunal “a quo” não deu à Requerida o direito ao exercício do contraditório, pois não a notificou quer da junção aos autos daquele documento, nem da douta promoção do MP subsequente à junção do mesmo, em violação do artigo 3.º do C.P.C. que estabelece que cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem.

  10. O tribunal “a quo” extraiu, mal a nosso ver, da certidão de divórcio junta pela autoridade central que não existia uma regulação das responsabilidades parentais, ao arrepio das declarações prestadas pela Recorrente na Conferencia.

  11. Impunha-se, sim, ao invés, que notificasse as competentes autoridades da Ucrânia a insistir na junção do documento solicitado ou esclarecer o porquê do envio de apenas aquele documento (quando existe outra decisão judicial transitada que ora se junta).

    XVIII.

    Acresce que a douta sentença recorrida foi proferida sem considerar o interesse primordial, a acautelar nestes casos e consagrado na Convenção de Haia: o superior interesse da criança.

    XIX.

    In casu, o tribunal “a quo” não efectuou, como se impunha, um juízo de ponderação e de conformidade entre o regresso da criança e o seu interesse, ou mesmo a sua vontade, elemento fundamental que está subjacente na Convenção de Haia.

  12. A sua execução é, por si só causadora de sujeição do menor a perigos de ordem psíquica e física, susceptíveis de comprometer irremediavelmente o seu desenvolvimento.

  13. Ora, ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 13.º da Convenção de Haia, cessa a obrigação de entrega da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se oponha ao retorno provar que existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica ou, de qualquer modo fica numa situação intolerável.

  14. O que sucede no caso vertente por duas ordens de razões: Primeira: a criança tem 12 anos de idade, encontra-se a residir em Portugal desde Julho de 2018, ou seja, há quase 2 (dois) anos, aqui frequenta a escola, reside com a mãe e um irmão que aqui trabalham e sobretudo verbaliza vontade de permanecer na companhia da mãe e não tem saudades do pai; Segunda: No ambiente de pandemia covid-19, a execução da decisão recorrida é expor o jovem a riscos graves para a sua vida e integridade física e psíquica.

  15. Ordenar o regresso do menor N… para a Ucrânia, país que já antes da Pandemia Covid-19 se encontrava mergulhado em crise económica, política e social (em virtude anexação ilegal da «República Autónoma da Crimeia» e da cidade de Sebastopol pela Federação da Rússia), é suscetível de comprometer irremediavelmente o saudável desenvolvimento do mesmo.

  16. Destarte, salvo melhor opinião, a situação sub judice integra a excepção impeditiva do regresso imediato da criança, com 12 anos de idade, já inserida em Portugal, num ambiente familiar onde disfruta de estabilidade emocional e psicológica há quase 2 (dois) anos, sobretudo por se desconhecer o ambiente onde o menor será acolhido no país de origem, até porque resulta dos autos que o vinculo afectivo do menor com o progenitor ali residente é ténue, atentas as suas próprias declarações acima transcritas.

    XXV.

    Normas jurídicas violadas: Artigos 3.º, 6.º, 411.º e 615.º n.º 1 al. d) todos do C.P.C.; artigo 4.º, n.º 1, al. c), do RGPTC; artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos da Criança, acolhida na nossa ordem jurídica pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 8/6/90; a Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança, adotada em Estrasburgo em 25/1/96, acolhida na nossa ordem jurídica pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13/12/2013; O artigo 24.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7/12/2000; os artigos 11.º, n.º 2, 23.º, al. b) e 41.º, n.º 2, al. c) do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003; o artigo 13.º nº 1, al...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT