Acórdão nº 2588/15.2T8FAR-E2 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMOIS
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Apelante: A… (autora).

Apeladas: Caixa … e … Companhia de Seguros, SA (rés responsáveis).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Faro, Secção de Trabalho, J2.

  1. No seguimento da ausência de acordo na fase conciliatória dos presentes autos com processo especial emergente de acidente de trabalho, veio A… intentar contra Caixa … e … Companhia de Seguros, SA, a presente ação especial pedindo a condenação destas últimas a pagarem-lhe a pensão anual e vitalícia de € 74 886,68, desde o dia seguinte ao do óbito ou pensão anual e vitalícia de € 22 466, correspondente a 30% da retribuição, até perfazer a idade da reforma, passando a partir daí a ser de € 29 954,67, correspondente a 40% da mesma retribuição, caso se entenda que não deve haver agravamento das prestações; indemnização por ITA de € 12 897,15; ou indemnização pelos períodos de ITA, de € 9 028, caso se entenda que não deve haver agravamento das prestações; subsídio de morte, de € 5.533,70; juros legais sobre as quantias em dívida; indemnização a título de danos não patrimoniais de € 75 000; a título de danos patrimoniais diretos, € 500; a título subsidiário, indemnização a título de danos patrimoniais futuros, de € 120 000, bem como o arbitramento das seguintes quantias, atribuídas de acordo com as regras do direito sucessório: a título de danos não patrimoniais do sinistrado, incluindo dano biológico, € 60 000; a título de dano por perda do direito à vida, € 60 000.

    Para tal alegou, em síntese, que D… foi admitido em 09 de fevereiro de 1981, pelo M…, sob cuja autoridade, direção e disciplina desempenhava as funções correspondentes à categoria profissional de subdiretor (Nível 15) sendo responsável pelo Departamento Regional do Algarve, organicamente integrado na Direção Comercial Sul, auferindo a retribuição anual ilíquida de € 74 886,68.

    Daniel Silveira trabalhava na agência do réu M… em Faro e tinha a seu cargo e responsabilidade os balcões de todo o distrito.

    No exercício das suas funções, D… recebia do Diretor da Direção Comercial Sul as instruções de serviço e normas internas aprovadas pela administração do banco, que fazia implementar e fazer cumprir junto da rede de balcões sob a sua responsabilidade direta.

    Cabia, ainda, a D… o acompanhamento pessoal e constante dos balcões do Algarve, o que o obrigava a frequentes deslocações pelo distrito, a fim de se articular com os respetivos gerentes de balcão, supervisionando o cumprimento das normas de serviço, o movimento e a organização locais.

    J…, era, à data dos factos, o Diretor Comercial Sul, e a hierarquia através da qual o réu M… exercia a sua autoridade, direção e disciplina no Departamento Regional, a cargo de D….

    Em 26 de dezembro de 2013, durante a tarde, D… encontrava-se a trabalhar no seu gabinete individual da Rua do Alportel, … em Faro, quando recebeu duas chamadas telefónicas de F… que quis convencer D… a reformar-se, argumentando que “já estás nisto há muitos anos ….”.

    D… mostrou-se imediatamente surpreendido, incomodado, e até chocado, com a “proposta” do seu diretor, que mais lhe pareceu uma ordem para se afastar das suas funções e do trabalho.

    D… nunca sentira até à data qualquer intenção de deixar de trabalhar, muito menos reformar-se antes do tempo, pois tinha apenas 61 anos de idade, pelo que muito o impressionou a intenção de F…, o que imediatamente recusou.

    Ainda incrédulo com a atitude do seu Diretor, e sem conseguir articular outra resposta, soube de imediato qual seria a alternativa à sua reforma, já que F… prosseguiu dizendo que, caso D… não aceitasse reformar-se, seria imediatamente substituído nas suas funções, e seria destacado para tarefas de menor exigência e responsabilidade, ainda que no próprio departamento.

    O telefonema de F…, porque imprevisto, injustificado e com uma motivação ilícita, causou em D… um grande mal-estar, traduzido num forte abalo psíquico de que jamais viria a refazer-se. Além disso, uma indescritível angústia apoderou-se de D… para sempre.

    Quando chegou a casa, a autora notou que o marido vinha muito alterado emocionalmente, o que a impressionou.

    Na manhã seguinte, visivelmente abalado, D… ainda conseguiu algum ânimo para ir, como foi, trabalhar.

    Porém, encontrando-se de novo no seu gabinete de trabalho, cerca das 12,30 horas, D… foi novamente interpelado pelo telefone por F…, insistindo na sua reforma.

    A única alternativa seria a anunciada e compulsiva mudança de funções.

    Prosseguindo com o discurso agressivo da véspera, F… declarou a D… o seu repúdio pelo trabalho por si desenvolvido enquanto responsável pelo Departamento Regional do Algarve.

    Depois do forte abalo psíquico da véspera, agora falava mais alto o desprezo manifestado pela sua hierarquia direta quanto ao seu trabalho.

    Pelas 18,59 horas de 27 de dezembro de 2013, e a partir do seu endereço eletrónico e do seu local de trabalho, remeteu ao Presidente a mensagem cuja reprodução consta do documento que junta.

    Sobressai nessa mensagem o anúncio da sua intenção de, nesse mesmo dia, pôr termo à própria vida.

    Depois de ter enviado a mensagem de correio eletrónico, D… abandonou o seu local de trabalho e dirigiu-se para a Estação de caminho-de-ferro “Parque das Cidades”, Esteval, Loulé, com a intenção de pôr termo à sua vida.

    No momento em que preparava o seu ato, duas pessoas anónimas que passavam no local aperceberam-se da sua intenção e conseguiram imobilizar D…, demovendo-o da sua intenção.

    D… recebeu assistência do INEM logo no local.

    De seguida, foi transportado para a Urgência do Hospital Distrital de Faro, onde deu entrada pelas 21,07 horas de 27 de dezembro de 2013, tendo ali permanecido em observação durante várias horas.

    D… ficou impossibilitado de regressar ao trabalho e com incapacidade temporária absoluta de 27.12.2013 a 02.02.2014, e passou a receber tratamento psiquiátrico.

    D… passou a ter dificuldade em andar, ficou impossibilitado de conduzir, preferindo ficar em casa, sentado no sofá, imóvel e sem vontade de falar ou comunicar.

    Quando voltou ao trabalho não lhe foram atribuídas quaisquer funções e, no dia 23 de setembro de 2014, dirigiu-se à Praia de Faro e, depois, à Estação de caminho-de-ferro “Parque das Cidades”, onde se dirigiu para a linha férrea, tendo sido impedido de realizar os seus intentos por colegas que o seguiram.

    D… foi assistido no hospital e em consulta de psiquiatria, continuando a afirmar que se queria suicidar e anunciando a todos a sua intenção, cuja concretização iniciou novamente em 02 de outubro de 2014, ao que se lhe seguiu assistência hospitalar, ITA e acompanhamento psiquiátrico.

    A 21 de outubro de 2014, véspera do dia em que deveria regressar ao trabalho após a ITA, disse à A. que ia à consulta de psicologia e após a mesma, dirigiu-se para a Estação de caminho-de-ferro “Parque das Cidades”, onde, pelas 21.00 horas, pôs termo à vida, sendo colhido pelo comboio Alfa Pendular 4010.

    Foi a grave depressão de que padecia, direta e necessária mente decorrente do acidente de trabalho, acentuadas pelas condições vexatórias e humilhantes que se lhe seguiram impostas pelo M…, que veio a ser a causa determinante do suicídio de D….

    Foi por estar doente do foro psiquiátrico que este último decidiu colocar termo à vida, não sendo o suicídio um ato voluntário por a vontade da pessoa estar dominada pela doença psíquica.

    Este foi um acidente provocado pelo empregador nos termos do artigo 18.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, pelo que é este último responsável nos termos aí estabelecidos, já que violou o dever de cuidado de respeitar a saúde e a integridade moral do trabalhador, provocando-lhe lesão psíquica seguida de doença, que o incapacitou para o trabalho.

    D… esteve submetido a uma situação de assédio moral durante mais de nove meses, visando que o mesmo desistisse da sua profissão.

    Regularmente notificada, veio a R. … Companhia de Seguros, SA apresentar contestação dizendo, em suma, que a obrigação de indemnizar só tem cabimento quando existir um nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano produzido.

    Não é acidente de trabalho a decisão de suicídio (em resultado de um possível estado depressivo – doença) do trabalhador que, ao receber uma ordem de transferência de serviço por razões orgânicas de funcionamento do seu empregador, sem perda de qualquer regalia, ou ao receber uma sugestão para se reformar atenta a sua idade, entrou num quadro depressivo anómalo, invulgar e excecional tendo como referência o padrão comportamental do homem médio normal nas circunstâncias concretamente verificadas.

    No caso concreto, a morte em consequência de suicídio, várias vezes tentado, ainda que precedido de um estado de depressão anómalo, invulgar e excecional é um ato voluntário de natureza endógena, sem nexo de causalidade com eventual “ordem de transferência” ou convite para a “reforma”, tendo como mera hipótese que, esses factos, ocorreram.

    Não será acidente de trabalho quando, em concreto, uma ou mais causas endógenas, sejam, de per se, o fator determinante do ato lesivo – o suicídio.

    O ato de suicídio não integra, o conceito de acidente e muito menos o conceito de acidente de trabalho, já que exige, sempre, um ato de premeditação da própria vítima que, tomando como referência os factos nela vertidos, se traduz nas três tentativas de suicídio no decurso de 10 meses.

    O ato de suicídio é um ato isolado, autónomo no plano jurídico quanto aos seus efeitos, mas nunca uma causa de legitimação do dever de indemnizar.

    É admissível que um telefonema “seco e duro” do superior hierárquico determine efeitos não motivadores e, ao mesmo tempo, coloque o trabalhador numa situação, até, de indefinição profissional.

    É normal que numa atividade como a da co-demandada os seus Diretores ou Sub-Diretores estejam sujeitos a “pressão” para atingirem objetivos: é para isso que eles existem, é para isso que eles são escolhidos e é por isso que, muitas vezes, eles são substituídos.

    Com a integração...

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