Acórdão nº 2676/16.8T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2020
Magistrado Responsável | ELISABETE VALENTE |
Data da Resolução | 08 de Outubro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.
T… (A), residente em Alto da Sobreira, …, Entroncamento, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B… PRODUTOS NATURAIS, LD.ª, com sede na Rua …, Entroncamento e M…, SA (RR), com sede em Rua …, Entroncamento, pedindo que lhe seja reconhecido o seu direito de preferência na alienação do prédio identificado na petição inicial e que a A tem direito a haver para si o referido prédio e que seja a 2.ª R condenada a abrir mão de tal prédio, bem como seja declarada a substituição da 2.ª R pela A na titularidade daquele direito de propriedade e declarada a modificação do Registo Predial em conformidade.
Para tanto alega, com relevo para a causa, que: - é comproprietária na proporção de ½ do prédio identificado no art.º 1.º e 2.º da petição inicial, tendo o seu marido adquirido igualmente o referido prédio na proporção de ½; - no ano de 2013, o marido da A vendeu a sua quota parte à 1.ª R; - por seu turno a 1.ª R vendeu à 2.ª R, entre outros, aquela quota parte; - as RR nunca comunicaram à A a aludida venda.
Entende que, na qualidade de comproprietária, tem direito a haver para si, com fundamento em direito de preferência, aquela quota vendida.
As RR contestaram.
A 1.ª R veio invocar a simulação absoluta do negócio que esteve na base da aquisição pela A de metade do aludido prédio e a falsidade da escritura pública que o titulou, sendo que a aparência de negócio foi criada apenas para a vendedora eximir o seu património a terceiros. Invoca também a simulação da venda efectuada à própria R, com vista a eximir aquele bem ao património do vendedor, considerando que este é avalista na generalidade dos encargos das sociedades de que é sócio. Invoca, ainda, a simulação da venda à 2.ª R. Em consequência arguiu a nulidade de todos os negócios.
Invoca, ainda, a R a inexistência de direito de preferência, porquanto, sendo a prevalência do prédio em causa da parte rústica, tem aplicação o disposto no art.º 1380.º do Código Civil e a A não é proprietária de qualquer prédio confinante. Mais alega que a A sabia que a venda à 1.ª R era fictícia, porquanto a mesma é sócia da 1.ª R.
Invoca, também, a prescrição do direito da A, porquanto a mesma teve conhecimento da operação em causa desde Setembro de 2015, tendo aprovado a venda em causa e invoca o abuso de direito por parte da A, porquanto sabe que nunca pagou qualquer preço pela aquisição da sua quota parte.
A 2.ª R invocou a simulação do negócio que titulou a aquisição pela A da quota de ½, bem como a simulação da venda efectuada da 1.ª para a 2.ª R.
Foi admitida a intervenção da sociedade Manuel Barroso Tavares, Ld.ª e de Manuel Barroso Tavares, a título pessoal.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.
Veio a ser proferida sentença, que julgou a acção procedente e, em consequência: - reconheceu o direito de preferência da A na compra e venda de ½ do prédio id. Em 1.1. dos factos provados, adjudicando-se à A tal quota; - declarou a substituição da 2.ª R pela A no negócio id. em 1.5. dos factos provados titulado pela escritura de 15 de Janeiro de 2016.
Inconformada com a sentença, a R M… veio interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): a) Existe uma contradição insanável na Sentença, quando considera como provado que a Autora, por um lado, nunca pagou o preço do imóvel, apesar de ter declarado que pagou a quantia de €25.000,00 por uma quota-parte correspondente a ½ e, por outro, ao não considerar como provado que existiu simulação; b) Existe prova bastante nos autos que comprova a existência da simulação, mormente a prova documental e a prova (assente) de que a Autora não procedeu ao pagamento do preço; c) Sobre negócio – venda da propriedade por parte de M…, Lda. à Autora e a M… –, face à prova produzida, não podia o Tribunal a quo deixar de considerar como provada a simulação; d) O facto de Autora e M… terem residido no imóvel em causa, entre 2006 e 2010 e a Autora ainda residir no mesmo imóvel na presente data, não choca com a noção de simulação; e) Para que se verifique a nulidade do negócio simulado apenas é necessário que exista: a) acordo simulatório («pactum simulationis» ou, na terminologia legal, «acordo entre declarante e declaratário»); b) «intuito de enganar terceiros» («animus decipiendi», gerador da chamada «simulação inocente», ao qual acresce ou se cumula, por vezes, a forma agravada da simulação fraudulenta ou simulação com «animus nocendi») e c) «divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante»; f) Atenta a prova produzida no presente processo, verifica-se que, relativamente a este negócio se encontram reunidos todos, repete-se, todos os pressupostos da simulação negocial; g) A circunstância de a Autora ter residido – ou residir – no imóvel é irrelevante para se aferir se existe ou não simulação; h) Ainda que assim fosse, a prova produzida vai em sentido oposto àquele perfilhado pelo Tribunal a quo, isto é, o imóvel não se destinava à habitação da Autora (nem do então seu marido, M…); i) O imóvel – como decorre dos depoimentos das testemunhas C… e J… – foi adquirido para a família se reunir; j) A Autora e o então seu marido M… apenas foram residir no imóvel transitoriamente; k) Face à tese apresentada pelo Tribunal a quo, fica por explicar o motivo pelo qual após a permuta a propriedade não foi transmitida para o nome da Autora e de M…, permanecendo no património da empresa M…, Lda. por um período de 8/9 anos; l) Só em 2010, no momento da grave crise financeira, quando as empresas de construção (na qual se insere a M…, Lda.) estavam em dificuldades financeiras muito graves, é que, quer a Autora quer M…, “adquiriram” o imóvel na proporção de ½ para cada um, não tendo pago qualquer preço pela aquisição; m) Quer a Autora quer M…, não tinham qualquer intenção de adquirir o imóvel, nem a M…, Lda. tinha intenção de o vender; n) Do depoimento da testemunha C… decorre expressamente a existência de um acordo simulatório no momento em da realização da venda do imóvel da M…, Lda. à Autora e a M…; o) Tal depoimento foi desconsiderado pelo Tribunal, sem que o mesmo tivesse sido colocado em crise, ou sem que tivesse sido apresentado qualquer motivo para tal desconsideração, em detrimento de uma tese conclusiva; p) A fundamentação do Tribunal a quo não assenta em qualquer prova produzida; q) A fundamentação do Tribunal a quo entra em contradição com factos provados, designadamente com a falta de pagamento por parte da Autora do valor da alegada compra e venda; r) As contas referentes ao imóvel continuaram a ser suportadas pela sociedade M…, Lda, nada mudando após a realização de todos os negócios simulados; s) Ficou provado o requisito de enganar terceiros, consubstanciado pela intenção de dissipar património, para que o mesmo não fosse objeto de execução a título de garantia bancário, por motivo de incumprimento das obrigações, fruto da crise que se vivia no sector da construção imobiliária; t) Face à prova produzida no âmbito do presente processo, e por se encontrarem reunidos todos os pressupostos da simulação negocial, conforme melhor se explicou, não podia o Tribunal a quo deixar de ter considerado que o direito invocado pela Autora se baseou num negócio jurídico ferido de nulidade, circunstância que afasta a sua qualidade de comproprietária; u) No que tange à admissibilidade da prova testemunhal para justificar a existência de simulação, a jurisprudência maioritária vai no sentido de a para se demonstrar vícios de vontade com base nos quais se impugna a declaração documentada, designadamente com vista a definir os requisitos da simulação; v) Quando exista prova documental, é permitido o recurso à prova testemunhal para prova da matéria de facto referente aos vícios da vontade; w) Existindo prova documental referente à matéria em discussão nos presentes autos, mormente a matéria relevante referente à invocação das Rés sobre a existência de dois acordos simulatórios, o acordo simulatório de venda da quota-parte correspondente a ½ do prédio em causa por parte de M… à B… e da venda da mesma quota-parte por parte da B… à M…, sendo que tal prova documental corresponde à escritura pública de compra e venda que se encontra junta como doc. n.º 4 com a contestação (venda da B… à M…) e à escritura de compra e venda de M… à B… constante da contestação como doc. n.º 3, era sempre permitido o recurso à prova testemunhal para prova da matéria de facto referente aos vícios da vontade; x) A venda de ½ do prédio em causa por parte de M… à B… e a venda da mesma quota-parte por parte da B…. à M… foram simuladas; y) Sendo que o preço, em relação a este imóvel, em qualquer das escrituras, nunca foi pago; z) Do depoimento das testemunhas C..., J… e Jo…, conjugado com a prova documental, demonstra-se que estão preenchidos os requisitos necessários para estarmos perante uma simulação negocial; aa) No que respeita ao acordo simulatório, o mesmo encontra-se provado, uma vez que, de acordo com o depoimento das testemunhas decorre expressamente que a B… não pagou qualquer quantia a M… e que a M… não pagou qualquer quantia à B…, quanto a este imóvel, não obstante ter vendido vários imóveis nas mesmas condições, mas em que os respectivos preços foram pagos; bb) Relativamente ao critério “intuito de enganar terceiros”, também este se verifica, sendo, consubstanciado pela intenção de dissipar património, para que o mesmo não fosse objeto de execução a título de garantia bancária por motivo de incumprimento das obrigações, fruto da crise que se vivia no sector da construção imobiliária, relativamente à venda de M… à B…; cc) No que respeita à venda da B… à M…, tal intuito também existiu e prende-se, por um lado, com o facto de se pretender obstar a que o imóvel fosse executado pelo banco, e por outro, para obstar ao pagamento de impostos, defraudando assim a Administração Fiscal; dd)...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO