Acórdão nº 1445/08.3TBLGS.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelTOMÉ RAMIÃO
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam no Tribunal da Relação de Évora *** I. Relatório.

1.

J… e mulher, G…, residentes no Sítio de …., Lagos, intentaram a presente ação declarativa, condenatória, sob a forma ordinária, contra A…, casado, residente em …, e F…, viúva, residente na Rua …, Odivelas, pedindo a condenação dos Réus a:

  1. Reconhecerem os Autores como donos e legítimos possuidores do prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o número …, da freguesia de Bensafrim, concelho de Lagos, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … da secção … rústico e matriz predial urbana sob o artigo …, por justo título e por usucapião; b) reconhecerem que o prédio identificado tem área de 1.028 m2, nele se encontrando implantada a casa com 72 m2 e uma pequena arrecadação, e que este prédio que confronta do Norte com caminho público de Fronteira, sul Herdeiros de A… e J…, poente com D… e nascente com J… e Herdeiros de A…; c) reconhecerem que sobre o prédio foi desanexada em 8 de setembro de 2008, no Cartório Privativo da Câmara Municipal de Lagos uma parcela de 77 m2 para constituição de um caminho público, dividindo o prédio dos AA em dois, dando origem a duas parcelas distintas, separadas por esse mesmo caminho público, caminho que confronta do Norte com o caminho público da Fronteira, de sul com J… e de nascente e poente com os Autores; d) Absterem-se de invadir a sua propriedade ou causar-lhes qualquer dano.

    Mais pediram que viesse a ser [e] ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos anteriores ou posteriores que hajam sido feitos e que se mostram incompatíveis com estes direitos.

    Alegaram, em síntese, que são donos do prédio identificado desde 1986, por partilha, tendo mantido a posse que já vinha dos anteriores donos, situação que se mostra registada. Entretanto a configuração e a área do prédio mudaram, pois por volta de 1993/1995, foi construído um caminho público, em toda a extensão da extrema Norte do prédio, a qual retirou cerca de 55 m2 de terreno à parcela ao prédio rústico dos AA.

    2. Os réus contestaram, invocando a sua ilegitimidade e o caso julgado, e pediram a condenação dos autores como litigantes de má-fé.

    3. Houve réplica, na qual os autores responderam à exceção e subsidiariamente pediram a intervenção provocada dos restantes donos do prédio, os quais foram admitidos a intervir (fls. 567), a saber: F…, casada no regime de comunhão geral de bens com o R.

    A…, residente…, Lagos, A…, divorciada, residente na …, O… , e marido V…, residentes …, Loures; M… e mulher MA…, casados no regime de comunhão geral de bens, residentes na Rua do …, Açores; A… e mulher I…, casados no regime de comunhão geral de bens, residentes em …, Lagos.

    4. Foi proferido despacho de aperfeiçoamento – fls. 388 – a que os autores responderam a fls. 405.

    A ação foi registada – fls. 806/818.

    Foi apreciada a exceção de caso julgado, tendo a mesma sido julgada improcedente – fls. 567.

    1. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença que julgou a ação procedente, cujo dispositivo se transcreve: “

  2. Condenar os réus …, a reconhecer os autores …, como donos e legítimos possuidores do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o número …, da freguesia de Bensafrim, concelho de Lagos, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … rústico e matriz predial urbana sob o artigo …, por usucapião, com a área de 1 028 m2, onde está implantada a moradia de 72,63 m2 e uma arrecadação, a confrontar do norte com caminho de Fronteira, do nascente com J… e réus, do sul com Herdeiros de A… e J… e do poente com D…; b) Reconhecer que, no dia 8 de setembro de 2008, no Cartório Privativo da Câmara Municipal de Lagos, foram desanexados 77 m2 cedidos ao domínio público para criação do caminho norte/sul, dividindo assim o prédio mencionado, em duas parcelas: uma onde está implantada a moradia de 72,63 m2 e uma arrecadação que passou a confrontar do norte com caminho de Fronteira, do nascente com o caminho público norte/sul, do sul com Herdeiros de A… e J… e do poente com D…; e a outra, a nascente do caminho público norte/sul, a confrontar do norte com caminho de Fronteira, do nascente com os réus e J…, do sul com os réus Herdeiros de A… e de poente com o caminho público norte/sul; c) condenar os réus a absterem-se de invadir o prédio dos AA ou causar-lhe qualquer dano; d) Absolver os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé”.

    6. A Ré F… interpôs recurso da sentença, formulando, após alegações, as seguintes conclusões: 1º. – Existem duas decisões transitadas em julgado, decidindo sobre os mesmos factos, os mesmos intervenientes, os mesmos prédios, dúvidas não pode haver, que é caso julgado, querendo novamente os AA.s discutir o seu prédio.

    1. - Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais:

  3. A impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo.

  4. E a vinculação do mesmo tribunal eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Todavia, ocorrendo casos julgados contraditórios, a lei resolve apelando ao critério da anterioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objeto que tenha transitado em primeiro lugar, ou seja, nos termos do Artº., nº. 625.º n.º 1, do C.P.C., critério operativo ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta, hipótese que valeria para o caso dos autos segundo a alegação da apelante.

    3º.- Nunca e em caso algum pode proceder o instituto da usucapião na presente ação, primeiro porque há caso Julgado.

    4º.- Segundo, porque: a) os depoimentos produzidos pelas testemunhas dos autores, todos familiares diretos e indiretos dos mesmos, depoimentos contraditórios, que há instância foram respondendo e pelas respostas demonstra-se claramente o que lhes foi induzido responderem, mas mesmo assim lá forma dizendo umas verdades.

  5. das testemunhas arroladas pelos Réus, aqui ficou transcrito quase na íntegra o depoimento de duas, testemunhas, que não são familiares dos Réus, com conhecimento direto de todos os factos, que conhecem ambas as partes, e podem-se considerar isentas.

  6. demonstrando sem dúvida, que não existe usucapião pelos AA.s.

    5º.- Salvo todo o respeito pela Meritíssima Juiz “a quo”, a sua Sentença é frontalmente violadora das decisões judiciais acima mencionadas, o que a torna numa decisão nula, ilegal e violadora, pondo em causa as garantias relativas à certeza e segurança jurídica constitucionalmente consagradas.

    Nestes termos e nos melhores termos de direito, que vossas Exª.s doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e por via dele, ser revogada a decisão tomada pelo Douto Tribunal “a quo”, substituindo-se por outra, concedendo provimento ao presente recurso e por via dele, e com todas consequências legais.

    *** 7. E recorreu igualmente o Réu A…, terminando as suas alegações com extensas e complexas conclusões, em claro desrespeito pela exigência de síntese prescritas no n.º 1 do art.º 639.º do CPC, pelo que não serão transcritas na totalidade, extraindo-se de relevantes as seguintes: 1º - O douto tribunal a quo não apreciou corretamente a prova produzida, cometendo erro na apreciação e julgamento da matéria de facto, como, também, não apreciou corretamente o direito.

    2º - O douto tribunal a quo não especifica a prova concreta que permitiu concluir como provados cada um dos factos elencados no rol dos factos provados.

    3º - O douto tribunal aprecia a prova e por alguma dela ser contraditória - depoimentos com versões contraditórias - impunha-se que tivesse especificado em concreto as razões que o levaram a valorizar uma em detrimento de outra e, por sua vez, que tivesse fundamentado cada um dos factos provados com a prova que entendeu relevante em detrimento de outra.

    4º - Não foram especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - neste caso decisão de facto - pelo que, estamos perante uma nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 615º, nº. 1 b) do CPC.

    5º - O douto tribunal a quo ter considerado existir incompatibilidade das confrontações dos dois prédios (1566 e 127).

    6º - Contudo, o tribunal a quo ignora tal questão por já ter sido apreciada quer nos presentes autos.

    7º - Tal decisão é atentatória do caso julgado e do princípio da segurança jurídica que subjaz o mesmo - art. 2º da CRP.

    8º - Independentemente de a situação do caso julgado ter sido apreciada, nada obsta a que não se volte a considerar tal questão caso essa decisão a proferir viesse a contradizer decisão anteriormente transitada em julgado.

    9º - Nos autos do processo nº. 755/04.3TBLGS os ora Recorridos (Autores) foram condenados a reconhecer os Recorrentes (Réus) a como donos do prédio nº. 15667 com as seguintes confrontações: a norte com caminho, a sul com caminho, a nascente com J… e a poente com caminho.

    10º - Por sua vez, o facto provado relativo ao ponto 33 dos factos provados que diz que o prédio dos Recorridos confronta a norte com caminho de Fronteira, do Sul com herdeiros de A… e J…, do poente com D… e de nascente com J… e com os Réus, contradizendo claramente o que foi anteriormente decidido.

    11º - Ao se reconhecer que o prédio dos Recorridos confina com o prédio do Recorrente, a nascente e poente, respetivamente, põe-se em causa a decisão anteriormente tomada no processo nº. 755/04.3TBLGS, e já transitada em julgado, pondo-se em causa a segurança jurídica.

    12º - Nada obsta a que o tribunal a final considere estar impossibilitando de decidir por verificação de caso julgado, dado ter reunido elementos que, anteriormente, não dispunha, e com isso defende a segurança jurídica das decisões judiciais art. 2º da CRP.

    13º - O douto tribunal a quo ignorou por completo as declarações das testemunhas indicadas pelos Réus, testemunhas estas com elevado conhecimento de causa quer...

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