Acórdão nº 274/19.3T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelFLORBELA MOREIRA LANÇA
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM NA 1.ª SECÇÂO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA I.

Relatório A… intentou a presente acção contra J… e M…, pedindo: a) seja reconhecida e declarada a nulidade por falta de forma do contrato de mútuo celebrado entre o pai da autora e os réus e sejam estes condenados a restituir a quantia de €43.750 acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento ou, subsidiariamente; b) sejam os réus condenados a pagar-lhe a quantia de €43.750 acrescida de juros vincendos desde a citação até integral pagamento a título de enriquecimento sem causa.

Para o efeito, e em síntese, alegou o seguinte: - é filha e a única herdeira de Na…; - no dia 14/05/2008 o seu falecido pai e os réus outorgaram uma escritura de compra e venda nos termos da qual adquiriram pelo preço de € 87.500 o prédio rústico com a área de 58.508 m2 sito em …, freguesia de Marvila, descrito na Conservatória sob o n.º … e inscrito na matriz sob o artigo … da Secção RI e que, apesar de terem combinado que o valor da aquisição desse prédio seria repartido pelo casal de réus e por Na… em partes iguais, o pai da autora foi o único a assumir e concretizar o pagamento do preço, sem que os réus tenham alguma vez pago a sua parte do preço de aquisição, no montante de € 43.750; - O montante de € 43.750 foi emprestado pelo falecido pai aos réus tendo em vista a aquisição da sua metade do prédio e o acordado entre ambos foi que o prédio seria para venda e, nesse acto, o pai da autora seria reembolsado pelos réus da aludida quantia; - após a outorga da escritura acima aludida não conseguiram vender o prédio com a brevidade expectável e após o falecimento do seu pai os réus admitiram ser devedores de metade do preço, até que a autora lhes solicitou que redigissem um documento a confessar a dívida ou que colocassem o terreno à venda sob essa condição, altura em que acabaram por alterar a sua anterior posição, afirmando que nada lhe deviam.

Regularmente citados, ambos os réus contestaram a acção, em que sustentaram a ilegitimidade da autora para os demandar na presente acção e pediram a sua absolvição do pedido.

No sentido da absolvição do pedido, alegaram que: - não foi celebrado qualquer contrato de mútuo entre os réus e o pai da autora; - o pai do réu Júlio Coelho era arrendatário do prédio misto denominado … com a área de 71.960 m2, que após o seu falecimento o réu lhe sucedeu no direito ao arrendamento, que as proprietárias daquele prédio interpuseram uma acção com vista a fazer cessar o arrendamento e que, no âmbito dessa acção, o réu e as proprietárias do terreno firmaram um acordo nos termos do qual, para pagamento das benfeitorias feitas, aquele recebia uma parcela de terreno, continuava a ser rendeiro do prédio rústico identificado na petição e as proprietárias obrigavam-se a fazer-lhe uma proposta em futura venda por forma a acomodar o que ainda lhe fosse devido; - quando as proprietárias do prédio identificado na petição inicial quiseram vendê-lo, informaram o réu J… de que a alienação seria pelo valor de € 200.000; no entanto, após negociações o preço final foi fixado em € 175.000 e, como o réu ainda era credor das mesmas, ficou acordado que metade do preço seria por compensação do seu crédito e o remanescente, no montante de € 87.500 em dinheiro; - o pai da autora não estava envolvido no negócio e não tinha participado nas negociações, tendo sido unicamente o réu J… quem pagou o sinal de € 5.000 do contrato-promessa de compra e venda celebrado em Novembro de 2007 com as proprietárias do prédio. Porém, como o réu não dispunha de liquidez suficiente para pagar o remanescente do preço de € 87.500, propôs ao pai da autora que pagasse a metade do preço que ainda faltava liquidar com vista à posterior venda do prédio e à realização de uma mais-valia que seria repartida em partes iguais, tendo sido nessa sequência que o pai da autora procedeu ao pagamento da quantia de € 87.500 aquando da escritura; - elemento essencial do mútuo é a entrega do dinheiro à contraparte, que se toma seu proprietário e fica obrigado a restituí-lo, sendo que no caso o pai da autora nem sequer entregou qualquer quantia aos réus e emitiu o cheque junto aos autos a favor das proprietárias do terreno; - para além de não ter existido qualquer mútuo, também não existe enriquecimento sem causa dos réus, sendo que este sempre estaria prescrito, conquanto o pai da autora não ignoraria o direito que lhe assistia e conhecia a pessoa responsável pelo (suposto) enriquecimento sem causa.

A autora exerceu o contraditório relativamente às excepções invocadas na contestação, pugnando pela sua improcedência.

Quanto à prescrição, disse que o seu pai faleceu em Novembro de 2016, que os réus confessaram ser devedores da quantia peticionada nos autos e que regularizariam a situação logo que vendessem o imóvel, apenas tendo dito nada dever quando instados a documentar a confissão de dívida, não tendo decorrido 3 anos desde essa data até à citação.

Foi proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa invocada, bem como despacho em que se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova.

Indeferiu-se a reclamação que recaiu sobre o despacho de fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Realizada audiência final, foi prolatada sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. do pedido.

A A. não se conformando com a sentença prolatada, dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: ” 1- A A. vem interpor o presente recurso da sentença que julgou a acção e o pedido de condenação por litigância de má-fé totalmente improcedentes, e em consequência absolveu os RR. dos respectivos pedidos.

2 – A A. impugna a decisão de direito, e dois segmentos do julgamento da matéria de facto.

3- Atenta a matéria de facto provada, o Tribunal “a quo” considerou não ter ficado demonstrada a entrega de uma quantia com a correlativa assunção da obrigação da sua restituição, como defendia a A., pelo que negou o reconhecimento da celebração de um contrato de mútuo, nulo por falta de forma, e a correlativa condenação dos RR. na restituição da quantia entregue, tal como também era pedido.

4- Quanto ao pedido subsidiário de enriquecimento sem causa dos RR. com o correlativo empobrecimento da A. (enquanto herdeira de seu pai) o Tribunal também o negou pois, pese embora tenha conhecido o enriquecimento dos RR., e o correlativo empobrecimento da herança, considerou não ter ficado demonstrada a ausência de causa.

5- Todavia, da matéria de facto provada resulta que o R. varão identificou um negócio lucrativo de compra de um imóvel; porém como não tinha dinheiro para o mesmo, propôs ao pai da A. que entrasse nesse negócio, tendo sido este que pagou €. 82.500,00 (oitenta e dois mil e quinhentos euros) por conta do preço total no valor de € 87.500,00 (oitenta e sete mil e quinhentos euros) e mais resultando provado que foi o R. que pagou os € 5.000,00 (cinco mil euros) de sinal.

6 – O prédio está hoje inscrito quer no registo predial quer no registo matricial em comum a favor dos RR. e do autor da herança (pai da ora A.), sendo que o preço da respectiva aquisição, quase na totalidade, tal como provado, foi suportado pelo pai da A. entretanto falecido.

7 – A significar que de acordo com a matéria de facto provada os RR. viram o seu património enriquecido à custa do empobrecimento da herança que pagou o preço desse património.

8 – O prédio destinava-se a revenda, onde o autor da herança esperava ir buscar uma mais-valia, mas o que não sucedeu porquanto se deu a crise do imobiliário.

9 – O Tribunal ”a quo” aceita o enriquecimento dos RR. à custa do empobrecimento da herança, mas considera não haver causa justificativa, e daí o decidido, porquanto, de acordo com o tribunal “a quo” tal só acontecerá um dia que o prédio venha a ser vendido e a A. não tenha qualquer mais-valia ou se os RR. impedirem a venda.

10- Em primeiro lugar, e com o devido respeito, entendemos que face à matéria de facto provada, esta conclusão do Tribunal “a quo” é completamente contraditória e até imperceptível, o que desde logo torna nula a sentença nos termos do artigo 615º nº1 alínea c) do C.P.Civil, em segundo lugar, o Tribunal “a quo” parece confundir o conceito de mais-valia com o conceito de enriquecimento e empobrecimento. O que está em causa nos autos é que á custa do empobrecimento da herança se verificou um enriquecimento dos RR.

11- Por outro lado, o Tribunal “a quo” ignora totalmente os documentos juntos aos autos com a p.i. com os nºs 6 e 7, e donde resulta que os RR. não querem a venda do prédio se não forem aplicadas as regras da compropriedade; isto é recusam-se a restituir à A. o valor do património que sem causa justificativa está registado em seu nome, e o que motivou a presente acção.

12 – Independentemente da obtenção de mais-valia o que está demonstrado nos autos é o seguinte: a)- Foi o autor da herança que pagou a quase totalidade do preço de um terreno, destinado a revenda, que não se concretizou, e que acabou por essa circunstância em ficar registado a favor do próprio e dos RR.

b)- Pelo que há aqui claramente um enriquecimento do património dos RR. (aumento do seu activo patrimonial), à custa do correlativo empobrecimento da herança (ou seja na exacta medida do empobrecimento desta).

c)- E sem qualquer causa justificativa face ao demonstrado nos autos 13- Os RR. interpelados para tal negaram-se a restituir à A. parte do preço do prédio pago pelo seu pai, sem qualquer causa registado a seu favor na proporção de metade, assim como se negaram a assinar documento em que essa restituição fosse efectuada no momento da venda do mesmo prédio.

14- Contrariamente ao decidido pelo Tribunal “a quo”, e em clara violação do disposto no artigo 473º do C. Civil, estão aqui reunidos todos os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa.

15- E ainda que se entendesse que se...

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