Acórdão nº 7160/18.2S8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 7160/18.2S8STB.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Família e Menores de Setúbal – J3 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge proposta por (…) contra (…), esta veio interpor recurso da sentença.

* Realizou-se tentativa de conciliação, na qual Autor e Ré manifestaram o propósito comum de se divorciarem. Para além disso, ambos declararam prescindir de alimentos e indicaram a casa de morada de família como bem comum mas não chegaram a acordo quanto ao destino da mesma, nem relativamente à indicação de outros bens comuns.

* O Autor e a Ré apresentaram alegações e indicaram prova.

* Realizada audiência de discussão e julgamento, o Tribunal decretou o divórcio entre o Autor (…) e a Ré (…), fixando as seguintes consequências do mesmo: 1. Admito as relações de bens comuns apresentadas por ambas as partes.

  1. As partes ficam reciprocamente dispensadas de prestar alimentos.

  2. O direito de utilização da casa que foi a de morada de família, sita na Urbanização Quinta da (…), Praceta do (…), nº 6, em (…), não é atribuído a nenhuma das partes em exclusivo, podendo ambas exercer os direitos inerentes à sua condição de proprietários.

    * A requerida não se conformou com a referida decisão e as alegações apresentadas continham as seguintes conclusões: 1. A Recorrente impugna a decisão relativa à matéria de facto, pedindo a reapreciação da prova gravada, bem como a decisão de direito, na parte em que, decretando o divórcio entre A. e R., não atribuiu a nenhuma das partes, em exclusivo, o direito de utilização da casa que foi morada de família, sita na Urbanização Quinta da (…), Praceta do (…), nº 6, em (…), consignando que ambas as partes podem exercer os direitos inerentes à sua condição de proprietários da mesma, assim negando à Ré o direito a uma compensação pecuniária pelo uso exclusivo que daquela casa fez e continua a fazer o Autor.

  3. Nas suas alegações o Autor pediu que o direito de utilização daquela casa lhe fosse atribuído exclusivamente, sem qualquer contrapartida para com a R.

  4. Aliás, significativamente, o A. nada alegou quanto à condição económica das partes e quanto às características da casa de morada de família – e, como os autos bem espelham, só depois de intimado pelo Tribunal viria a juntar prova sobre a sua situação económica...

  5. Por seu turno, a Ré não se opôs a que aquele direito fosse atribuído ao Autor, mas peticionou que, por tal facto, lhe fosse atribuída uma compensação mensal de valor não inferior a € 500,00 mensais.

  6. Para tanto, a Ré organizou as suas alegações (que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, conforme articulado de 19-12-2018, com a Referência 88693458) em duas partes: uma em que descreveu as circunstâncias que levaram à cessação da coabitação e tornaram a mesma insuportável, forçando a sua saída do lar conjugal, e outra em que apresentou ao Tribunal a condição económica das partes e as características da casa de morada de família.

  7. E concluiu dizendo que: “A valoração prudencial das descritas circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, bem como a ponderação das circunstâncias que determinaram a cessação da coabitação, justificam que, também por razões de equidade, o valor da compensação mensal a atribuir à Ré pelo deferimento do uso da sempre aludida casa ao Autor, até à partilha ou venda da mesma a terceiros, não seja inferior a € 500,00 por mês – o que se requer” (cfr. artigo 102 das alegações).

  8. A pretensão da Ré é conforme à jurisprudência dominante – Cfr., entre outros, os seguintes Acórdãos: Ac. Relação do Porto de 5.02.2013, in: http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/9fa6e9a8a86eb33180257b24004c1fc0?OpenDocument&Highlight=0,1793.% C2% BA Ac. Relação de Lisboa de 22.02.2018, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/1511ca0d78413cb98025826 b002bf0a1?OpenDocument Ac. Rel. de Guimarães, de 28.09.2017, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/884CB2BA7FDCF317802581CA0057AFC1 8. Sucede que, depois de elencar as questões a decidir, entre elas o do direito de utilização da casa de morada de família, na decisão sobre a matéria de facto o Tribunal recorrido apenas deu como provados aqueles que entendeu relevantes para a decisão da causa (cfr. factos 1 a 19 dos factos provados).

  9. Sendo certo que, entendeu como não sendo relevantes para a decisão da causa todos os factos relacionados com a cessação da coabitação entre as partes ou os alegados como causas do abandono da casa de morada de família por parte da Ré.

  10. Agiu ao arrepio da jurisprudência e em clara violação do disposto no nº 4 do artigo 607º do CPC. Com efeito, à decisão sobre o direito de utilização da casa de morada de família não é indiferente a ponderação dos factos relacionados com a cessação da coabitação ou, neste caso, dos alegados como causas do abandono da casa de morada de família por parte da Ré. Cfr., a título de exemplo, Acórdão da Relação de Lisboa, de 9.02.2008, in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497 eec/da844248286e534a802575440059022d?OpenDocument&Highlight= 0,1793.%C2%BA.

  11. Ao desconsiderar toda aquela matéria de facto, o Tribunal chegou a uma solução que é, no mínimo, absurda. E ilegal. Com efeito, 12. De acordo com a norma e jurisprudência citadas, bem como do disposto nos artigos nº 2 do artigo 1779º e nos nºs 3 e 4 do artigo 1778º-A, na parte aplicável, todos do Código Civil, para fixar as consequências do divórcio quanto ao direito de utilização da casa de morada de família, o Tribunal não podia deixar de ter em consideração os factos supra referidos, sendo que os abaixo indicados, perante a prova testemunhal sobre os mesmos produzida, devem ser considerados como provados, pela sua relevância para a justa decisão da causa e face à prova produzida. Assim: 13. Os factos 2, 3, 4, 32, 33, 35, 44 e 47 das alegações da Ré foram incorrectamente julgados, a saber: 2. Há muito que a vida do casal era pautada por comportamentos do Autor de grande desequilíbrio emocional, de muita intolerância, falta de respeito, de atenção e companheirismo, quer para com a R., quer para com o filho do casal.

  12. O A. revela uma personalidade rígida, muito autoritária, militarista, não aceitando sobre qualquer assunto ou problema outra opinião que não seja a sua.

  13. O que faz que, com frequência, uma discussão termine, por parte do Autor, aos gritos, com ofensas verbais – o que sempre acarretou para a Ré e o seu filho, uma grande tortura psicológica.

  14. (O Autor) Discutia com ela (a Ré) frequentemente.

  15. Chamava-lhe (...) maluca.

  16. E tudo sempre em voz alta, aos gritos.

  17. Perante os maus tratos descritos, a Ré começou a ter medo do A.

  18. Por não poder suportar mais o mau viver que o Autor lhe infligia, em 3 de Setembro de 2018, a Ré viu-se forçada a deixar o domicílio conjugal e foi acolher-se em casa de sua irmã, (…).

  19. Tais factos devem ser dados como provados, como decorre das declarações da mesma (…), cujas declarações foram gravadas no Habilus Media Studio, na sessão de 24.04.2019, de 00:00:01 a 00:36:10) e, mais concretamente, desde 00:10:01 a 00:11:23 e transcritas supra.

  20. No mesmo sentido, de forma mais precisa e porque presenciou o que declara, foi o depoimento do filho do casal (…), cujas declarações foram gravadas na sessão de 30.05.2019, no Habilus Media Studio 00:00:01 a 00:38:52, e mais concretamente de 00:02:00 a 00:05:41 e de 00:31:50 a 00:33:17: e transcritas supra.

  21. Os factos 47 a 55 das alegações da Ré foram incorrectamente julgados, a saber: 47. Por não poder suportar mais o mau viver que o A. lhe infligia, em 3 de Setembro de 2018, a Ré viu-se forçada a deixar o domicílio conjugal e foi acolher-se em casa de sua irmã, (…).

  22. Aliás, pelos motivos supra referidos, já em Setembro de 2014, a Ré fora viver com o filho para a casa da irmã.

  23. Regressou ao domicílio conjugal quinze dias depois.

  24. Mas o (…) disse que não queria voltar, porque na casa da tia tinha paz!...

  25. O (…) regressou um mês depois, por insistência da Ré.

  26. E, em Julho de 2015, porque o Autor persistiu na sua atitude e após nova discussão provocada pelo mesmo, as partes estiveram a viver em casas separadas durante duas semanas, tendo-se reconciliado por o Autor ter prometido que ia mudar os seus comportamentos.

  27. Na altura, o (…) disse à mãe: com o pai nunca se viverá bem.

  28. E, pouco tempo depois, foi viver para casa da namorada… 55. Em suma, paulatinamente, com os seus recorrentes comportamentos, o Autor foi transformando a vida conjugal num inferno, tornando a coabitação insuportável.

  29. Tais factos devem ser dados como provados, como decorre do depoimento do filho do casal (…), cujas declarações foram gravadas na sessão de 30.05.2019, no Habilus Media Studio 00:00:01 a 00:38:52, e mais concretamente de 00:07:21 a 00:08:25: e transcritas supra.

  30. Para a prova dos mesmos devem igualmente ser consideradas as declarações da mesma testemunha, a instâncias da mandatária do Autor, registadas na mesma sessão, de 00:24:50 a 00:28:09: e transcritas supra.

  31. Os factos 93, 94 e 103 das alegações da Ré foram incorrectamente julgados: 20. O facto 93 (O Autor reclama para si o uso da casa de morada de família até à partilha ou venda da mesma) decorre das alegações do próprio Autor e, como adiante se demonstrará, não foi infirmado pelo seu requerimento com a refª. 32570788, de 28 de Maio de 2019: pela sua relevância para a decisão da causa, tal facto deve ser dado como provado.

  32. Também pela sua relevância para a decisão da causa, os factos 94 (O Autor mudou a fechadura de acesso à sempre aludida moradia, impedindo o uso daquela por parte da Ré), e 103 (A Ré está privada do acesso à casa de morada de família) devem ser dados como provados.

  33. Tal resulta inequivocamente das declarações da testemunha (…) – (declarações gravadas no Habilus Media Studio 00:00:01 a 00:36:10) e, mais concretamente, desde 00:08:18 a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT