Acórdão nº 687/16.2T8TMR-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ ANTÓNIO MOITA
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 687/16.2T8TMR-D.E1 Apelante: (…) Apelado: Ministério Público Sumário do Acórdão (da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do C.P.C.) (…) *** I – RELATÓRIO Por solicitação da Autoridade Central de Portugal, concretamente a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (doravante apenas DGRSP), o Ministério Público requereu, em representação de (…), nascido em 22/07/2004 e de (…), nascida em 05/08/2007, a instauração de processo para entrega judicial das referidas crianças, em execução de decisão judicial proferida por Autoridade Judiciária Francesa, contra a mãe daquelas, (…), residente na Rua (…), (…), (…), Alcanena, ao abrigo do disposto nos artigos 11º, nº 8 e 42º, ambos do Regulamento C.E. nº 2201/2003, do Conselho de 27/11/2003.

Alegou, em síntese, que em 29-07-2014 ficou estabelecido por decisão do Tribunal de Família de Grande Instância de Bobigny que, com início em Setembro de 2014, as responsabilidades parentais a favor do (…) e da (…) seriam exercidas em conjunto pelo seu pai e pela sua mãe e que a guarda das duas crianças seria deferida ao pai em França, com quem as mesmas deveriam residir, esclarecendo que desde Setembro de 2014 que (…), pai das crianças, reside em 21, Rue (…), (…), França e (…), mãe das crianças, reside na Rua (…), (…), Alcanena, Portugal, mais acrescentando que, por acordo entre os pais das duas crianças, o (…) e a (…) saíram com a mãe de França em 15 de Abril de 2016, com regresso previsto a 1 de Maio de 2016, não tendo regressado na data acordada.

Alegou, ainda, que no dia 11-7-2019, conhecendo a referida decisão judicial proferida nestes autos, sem a presença da Requerida (que foi representada no ato por um(a) Defensor), o Tribunal “Grande Instance de Paris” determinou, além do mais, que a residência habitual da (…) e do (…) fosse fixada junto do progenitor e que, como tal, estas crianças deveriam regressar, de imediato, para junto daquele, pelo que no dia 19/7/2019 a Autoridade Central Francesa veio solicitou à Autoridade Central Portuguesa (DGRSP), a execução do pedido de regresso do (…) e da (…) ao território Francês, ao abrigo do disposto no artigo 11.º, n.º 8, do Regulamento CE 2201/2003.

Foi carreada aos autos a certidão prevista nos artigos 42.º e 11.º, n.º 8, do Regulamento CE 2201/2013, de 27/11/2013 do Conselho.

Recebidos os autos no Tribunal a quo diligenciou-se pela audição do (…) e da (…).

O Digno Magistrado do Ministério Público teve vista do processo previamente ao proferimento de decisão e exarou parecer.

Após, foi proferida sentença pela Mmª Juíza do Tribunal a quo com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, ao abrigo do estatuído nos artigos 11.º, n.º 8 e 42.º do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, verificada a executoriedade em Portugal da sentença proferida em 11-07-2019, pelo Tribunal de Grande Instance de Paris, em França, no processo n.º RG 19/35392, em que são partes o Requerente (…) e Requerida (…) e é determinada a entrega dos menores (…) e (…) ao pai, homologo a mesma.

Sem custas (artigo 4.º, n.º 1, alínea a), RCP).

Fixo à ação o valor de € 30.000,01.

Registe.

Notifique.

Comunique à Autoridade Central Direção-Geral de Reinserção Social, sendo ainda para indicar data e modo de operacionalizar a entrega dos menores”.

* Inconformada com a decisão, a Requerida (…) apresentou requerimento de recurso alinhando as seguintes Conclusões: “CONCLUSÕES: 1) Aquando da audição dos menores, foi determinado pelo Tribunal, a realização de relatório social sobre os mesmos bem como do respectivo agregado familiar em que os mesmos residem actualmente com a sua mãe, o seu padrasto e com o seu irmão mais novo.

2) Aguardava-se a instrução e emissão de tal relatório social.

3) E eis que surge a sentença de fls. sem justificar porque razão se abdicou do relatório social.

4) Sem notificar a mãe ou o seu mandatário de qualquer posição relativamente ao relatório social.

5) Sem dar oportunidade à mãe para se pronunciar sobre o relatório social.

6) Sem permitir que a mãe tivesse oportunidade de se pronunciar sobre esta intenção do tribunal em decidir, de forma completamente contrária ao que anteriormente tinha determinado aos sujeitos processuais, conforme consta da acta de fls.

7) Trata-se de uma decisão surpresa. Nula porque proibida por Lei.

8) Nula, porque não garantiu os direitos da recorrente em se pronunciar sobre esta intenção do tribunal em decidir já, sem ter ao seu dispor todos os elementos que tinha anteriormente determinado que se apurassem.

9) Nula, porque não permitiu conhecer-se sobre o relatório social que anteriormente tinha sido ordenado realizar.

10) Nula, porque não explicou porque não quis saber do relatório social e porque não apreciou correctamente todos os elementos do processo e que estão nos autos.

11) Em sede de audição dos menores, foram juntos documentos ao processo, nomeadamente as notas escolares dos menores.

12) E dois pareceres médicos atestando a estabilidade psicológica dos menores desde que estão com a mãe e atestando ainda a perturbação dos menores com a simples ideia de poderem regressar a França.

13) Ora, a decisão recorrida analisou estes documentos? 14) E se não analisou porque não explicou porque não analisou? 15) E porque não quis saber destes documentos? 16) Da sentença nada consta. O que também implica a nulidade da decisão recorrida por não ter apreciado todos os elementos apresentados pela recorrente e não justificou a razão de tal não apreciação. Nulidade que também aqui se invoca.

17) Pelo que, por estes motivos deverá anular-se a decisão recorrida.

18) Se a decisão recorrida tivesse analisado e lido os autos chegaria à conclusão que, por exemplo a convenção de Haia já não é aplicável a este caso.

19) Só a titulo de exemplo, alertamos para o facto de, conforme consta dos autos, os menores estão legalmente em Portugal há mais de 3 anos.

20) E estão legalmente em Portugal porque houve uma decisão do tribunal de tomar – que consta dos auto – que confirmou a legitimidade para os menores ficarem em Portugal junto da mãe e bem assim, recusou a entrega dos menores para França.

21) Decisão esta confirmada por esse venerando Tribunal da Relação de Évora.

22) Ora, como tal, aplica-se a regra de que a morada habitual dos menores passou a ser em Portugal, porque já passou mais de um ano desde que estão cá a residir. Na verdade, já passaram 3 anos em que os menores estão em Portugal.

23) E isto nada contou para o tribunal? Não se preocupou com os interesses dos menores e sem mais coloca-se em causa a sua estabilidade já construída há mais de 3 anos? 24) De facto, a convenção de Haia apenas se aplica em casos em que os menores não estejam legalmente no país. Mas neste caso estão. Por decisões judiciais já confirmadas e constantes dos autos.

25) Dos autos também consta que o progenitor, abdicou dos menores. Veja-se que o progenitor instaurou nos autos um procedimento de regulação das responsabilidades parentais, mas acabou por atravessar um requerimento de desistência sobre tal pedido.

26) Ora, o progenitor desistiu do pedido de regulação do poder paternal sobre os menores. Está no processo. É uma questão de ler e analisar.

27) Como interpretar uma desistência do progenitor sobre o poder paternal? 28) Salvo melhor opinião, esta desistência tem efeitos jurídicos irreversíveis e definitivos.

29) Pois, implicou uma desistência sobre os menores por parte do progenitor, que aliás, diga-se, em sede de audiência dos menores estes revelaram que o progenitor nunca mais os procurou – portanto há mais de 3 anos.

30) E de facto, olhando para os autos não há qualquer elemento que indique que o progenitor tenha procurado os menores, aliás, acabou por desistir do pedido de poder paternal. Veja-se o processo.

31) Estamos perante um quadro de completa estabilidade no que aos menores diz respeito, desde que vieram viver para Portugal há mais de 3 anos.

32) Os menores têm frequentado a escola, com boas notas, 33) Têm amigos, estão bem integrados no meio onde vivem.

34) E não é por haver uma decisão de um tribunal francês que tenha que se decidir logo homologar tal decisão sem olhar para o caso concreto.

35) Não se compreende porque razão, passados 3 anos é emitida uma nova decisão sem que a recorrente esteja presente, e com base numa realidade em que a morada dos menores está fixada em Portugal por via do tempo decorrido.

36) Esperava-se uma melhor interpretação, por parte da decisão recorrida, das normas legais aplicáveis ao caso e às circunstâncias concretas deste processo.

37) E neste caso, não se aplica a convenção de Haia.

38) Mas mesmo que se aplicasse, nunca podia ir contra os direitos e interesses e vontade manifestada dos menores.

39) Note-se que, no único ponto positivo que tem, a sentença recorrida reconhece uma coisa: “os menores demonstraram claramente que não querem voltar a França”.

40) Ora, faltou na decisão recorrida ter-se em conta a vontade e interesse dos menores.

41) E depois, faltou ter em conta todas as circunstâncias concretas de estabilidade e felicidade que os menores vivem junto da mãe aqui em Portugal.

42) Consta dos autos que, os menores chegaram a Portugal no dia 15 de Abril de 2016.

43) E logo após a sua chegada, os mesmos começaram a referir que não queriam voltar a França para junto do requerido.

44) Quando lhes foi perguntado porque razão os mesmos não queriam voltar, 45) Os menores, apesar de se recusarem a falar sobre o assunto, manifestaram grande ansiedade e perturbação em voltar para França.

46) A recorrente, notara que os menores apresentavam características semelhantes a comportamentos depressivos, ansiedade e stress.

47) E referiu que após manifestarem que não querem voltar a França, os menores passaram a residir, em Portugal, com a Requerente, o marido da Requerente e o irmão de 6 anos, na casa de família.

48) Todavia, apesar de todos estes factos e circunstâncias, o tribunal “a quo” proferiu (erradamente) a decisão de fls.

49)...

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