Acórdão nº 248/12.5TAELV-D.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOÃO AMARO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 248/12.5TAELV, que correm termos no Juízo Central Cível e Criminal de Portalegre (Juiz 1), e mediante pertinente despacho (datado de 01-07-2019), o tribunal indeferiu um pedido de realização de perícia sobre o estado psíquico do arguido MAFC

Inconformado com tal decisão, o referido arguido interpôs recurso, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “

  1. O presente recurso vem interposto do despacho proferido pelo Tribunal a quo na 23.ª sessão de audiência e discussão de julgamento que teve lugar no dia 01.07.2019, pelas 9h30 (ref.ª 29532026), e que indeferiu o requerimento de realização de perícia sobre o estado psíquico do Arguido, ora Recorrente

  2. O Recorrente não se pode conformar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por entender que a mesma carece de fundamento legal, sendo lesiva, de forma absolutamente gravosa e irreparável, dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados do Arguido

  3. Conforme já decorria dos autos, o Recorrente é doente bipolar (relatório médico e documentos comprovativos da existência de consultas e internamentos juntos à Contestação e Relatório Social elaborado em 24.08.2018)

  4. Por se tratar de uma patologia cujo alcance e compreensão exige, evidentemente, uma abordagem técnico-científica especial, o Recorrente, arrolou como testemunha o seu psiquiatra, AS

  5. A testemunha relatou factos e esclareceu questões concretas relacionadas com a doença de que o Recorrente padece e que suscitaram, de forma fundada, a questão da sua eventual inimputabilidade ou imputabilidade diminuída do Recorrente

  6. Da conjugação do depoimento da testemunha AS e da restante prova produzida, resulta uma forte probabilidade de que, aquando da alegada prática dos factos de que vem acusado, a doença bipolar da qual o Recorrente sofre tenha tido reflexos na sua capacidade de avaliar ilicitude dos factos ou de se determinar de acordo com a mesma

  7. Apesar da questão da inimputabilidade (absoluta ou diminuída) do Recorrente ser absolutamente evidente em face dos elementos clínicos trazidos aos autos, o Tribunal entendeu “inexistir, pois, qualquer razão para avaliar neste momento o arguido do ponto de vista psíquico”, proferindo o despacho de que ora se recorre

  8. O Tribunal a quo como parece querer olvidar-se dos princípios gerais subjacentes ao direito processual penal, designadamente – e no que ao caso sub judice diz respeito – o da investigação, oficiosidade e da busca da verdade material, previstos inclusivamente no artigo 340.º do CPP

  9. A questão da inimputabilidade (ou imputabilidade diminuída) constitui uma circunstância absolutamente decisiva para a prolação de um juízo de culpa essencial à punição criminal ou do respetivo grau, pelo que, o indeferimento da realização perícia é grave e lesiva dos direitos de defesa do Recorrente, pelo simples facto de o Tribunal não poder ignorar sem mais se a livre vontade humana do Recorrente em que a assenta a responsabilidade penal se encontra(va) comprometida, hoje e à data dos factos

  10. Decidindo como decidiu (pela terceira vez), o Tribunal a quo mostrou-se seguro (ainda que sem qualquer base científica) de que a perturbação bipolar que afeta o ora Recorrente há mais de 20 anos não é elemento passível de suscitar qualquer dúvida sobre a sua imputabilidade, fazendo tábua rasa dos princípios gerais do direito penal e direito processual penal

  11. A falta de realização da perícia psiquiátrica consubstancia indubitavelmente a preterição de uma diligência indispensável à descoberta da verdade

  12. O Tribunal a quo fundou a sua decisão na inexistência de dúvidas sobre a inimputabilidade do Recorrente em 4 (quatro) argumentos, sendo todos eles absolutamente falaciosos e desprovidos de sentido lógico legal

  13. O Tribunal a quo afirma que a Testemunha AS “não manifestou ter qualquer conhecimento sobre os factos concretos em discussão, nem sobre o comportamento do arguido nesse período temporal”

  14. A ser assim devemos então concluir que, na entender do Tribunal a quo, o facto da Testemunha AS ser (ou não) médico psiquiatra do Recorrente à data dos factos é condição sine qua non para que o conteúdo das suas declarações sejam aptas a suscitar dúvidas fundadas no que à (in)imputabilidade do Recorrente diz respeito? o) É que, como bem sabemos, na sua qualidade de médico psiquiatra, a Testemunha AS é pessoa qualificada e detentora de conhecimentos técnico-científicos para a realização de tal avaliação - inclusivamente póstuma

  15. Numa perspetiva médico-legal, a inimputabilidade em razão de anomalia psíquica, consiste na destruição, por essa anomalia, das conexões reais e objetivas entre o agente e o facto, de tal modo e em grau, que torne impossível a compreensão do facto (ilícito) como facto do agente. Desta forma o agente torna-se como um objeto passivo de processos funcionais q) Do ponto de vista da teoria geral do crime, a inimputabilidade em razão da anomalia psíquica obsta à condenação do agente respetivo com base na culpa, apenas podendo ser-lhe aplicada medida de segurança como reação à perigosidade já verificada no facto típico e ilícito

  16. A inimputabilidade em razão da anomalia psíquica a que se reporta o artigo 20º, nº 1, do CP, depende da verificação do elemento biopsicológico e de um elemento normativo

  17. É precisamente no decurso do depoimento da Testemunha AS, médico psiquiatra, que a defesa do Recorrente compreende os efeitos e o alcance da referida psicose, bem como da elevada probabilidade de, à data dos factos, o Recorrente, em virtude da mesma, não ser capaz de avaliar a ilicitude ou de se determinar de acordo com essa avaliação

  18. A Testemunha referiu que o Recorrente tinha o diagnóstico de doença bipolar desde os 27 anos de idade, ou seja, há cerca de 20 anos

  19. Explicou ainda, de forma clara e absolutamente credível, que a doença bipolar, quando não se encontra controlada por fármacos, oscila entre estados de depressão e de euforia (mania), podendo cada um desses estados serem despoletados por “fatores desencadeantes”

  20. Do depoimento da Testemunha AS resulta que a psicose do qual o Recorrente padece é uma doença crónica – sendo irrelevante, para a apreciação de uma eventual dúvida sobre a questão de inimputabilidade, o facto de a testemunha ter, ou não, acompanhado clinicamente o Recorrente no período em questão

  21. Desde logo, porque se assim fosse, nenhuma perícia ao estado psíquico do Arguido (nos termos do artigo 351º do CPP) seria passível de demonstrar e comprovar a eventual inimputabilidade dos agentes do crime dado que, à semelhança do que sucede no caso concreto, o perito designado para o efeito não terá qualquer conhecimento sobre os factos concretos em discussão, nem acompanhou o Recorrente durante o período em questão

  22. Aliás, incompreensível seria admitir a realização da perícia sobre o estado psíquico dos Arguidos, nos termos do artigo 351º do CPP, apenas e só quando a questão da inimputabilidade (ou imputabilidade diminuída) fosse demonstrada (e não “suscitada”, como refere a referida...

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