Acórdão nº 81/13.7TALLE-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Março de 2020
Magistrado Responsável | SÉRGIO CORVACHO |
Data da Resolução | 10 de Março de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÈVORA I. Relatório No Processo Comum nº 81/13.7TALLE, que correu termos no Juízo Central Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Exº Juiz titular dos autos, proferiu, em 11/9/2018, um despacho do seguinte teor: «A demandante RS, após ter procedido ao pagamento da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização deduzido, veio apresentar nota de custas de parte, reclamando o pagamento de 12.889,49 euros, correspondente ao valor da taxa de justiça paga na parte que corresponde ao seu vencimento, e de 7.209,75 euros correspondente a 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencedora e pela parte vencida.
O demandado Banco …..SA (que incorporou o Banco ……..) deduziu reclamação, considerando que tal pretensão configura abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium) porquanto, no essencial, a demandante assinou declaração de quitação nos termos da qual declarou ter recebido 1.176.172 euros para liquidação de responsabilidades do banco, o que incluiria o valor relativo a custas de parte; com efeito, declarando «nada ter a reclamar, seja a que título for», criou no demandado a confiança de que nada mais se lhe exigiria (ié, não reclamaria outro valor), surgindo o pedido formulado como uma quebra daquela confiança, em violação da boa fé. Subsidiariamente invoca a compensação com as quantias que lhe seriam devidas a título de custas de parte.
A demandante respondeu, considerando que a declaração de quitação apenas respeitava ao capital e juros em dívida (sob pena de existir erro na formação da sua vontade).
Por sua vez, o demandado também apresentou nota de custas de parte, reclamando o pagamento de 1.240,53 euros, correspondendo à sua participação proporcional na taxa de justiça que pagou (1.530 euros) e no valor equivalente a 50% das taxas de justiça pagas por demandante e demandado – mas sublinhando que a pretensão tinha natureza subsidiária, para ser considerada apenas se não improcedesse a paralela pretensão da demandante.
A demandante reclamou, considerando que a reclamação deveria ter sido apresentada no prazo de 5 dias a contar da data em que o demandado pagou as custas da sua responsabilidade (por aplicação extensiva do art. 25º n.º1 do RCP), o que não ocorreu – tendo assim caducado o direito do demandado.
O demandado respondeu, reiterando o carácter subsidiário da sua pretensão, e sublinhando que o termo do prazo de pagamento das custas terminava a 22 de Maio, data em que apresentou a sua nota, cuja dedução seria assim tempestiva; invocou também jurisprudência sustentando que o desrespeito do prazo de apresentação da nota não fazia claudicar o direito.
O MP pronunciou-se quanto à reclamação do demandado, considerando os valores e dando razão ao demandado.
Cabe apreciar.
Quanto à reclamação do demandado, o ponto essencial prende-se com a interpretação da declaração de quitação junta, onde, no essencial, consta: i. declaração da demandante onde esta declara ter recebido 1.176.172 euros; ii. a transcrição do dispositivo do acórdão quanto à pretensão cível da demandante e referência à sua subsistência após recurso; iii. a subsequente referência a que o aludido valor de 1.176.172 euros cumpre integralmente a decisão a que o banco foi condenado, fazendo-se referência ao capital e juros de mora, cujos valores se discriminam; iv. declaração final da demandante afirmando «nada ter a reclamar do referido Banco, seja a que título for, no âmbito do mencionado processo judicial, considerando integralmente cumprido o referido Acórdão quanto ao demandado» Esta declaração pode valer essencialmente como uma verdadeira quitação, a qual consiste numa declaração de ciência pela qual o declarante assume ter sido realizado o cumprimento, ou como uma remissão, negócio jurídico bilateral pelo qual o credor, tendo consciência do seu crédito (da sua existência e subsistência), pretende extingui-lo (art. 863º do CC) [a ser uma remissão, no caso apenas a declaração de vontade da credora estaria documentada, mas nada obsta a que a declaração do devedor fosse informal e até tácita; também se poderia equacionar a existência de uma renúncia abdicativa mas esta, como negócio unilateral, é de discutível admissibilidade fora dos casos legalmente previstos (art. 457º do CC), e nada acrescentaria à aludida remissão; também se poderia falar de um reconhecimento negativo de dívida mas, além de contornos duvidosos, confundia-se em parte com a declaração de quitação e teria apenas efeitos probatórios, nada acrescentando à discussão].
No caso, julgo que os termos da declaração apontam no primeiro sentido. De um lado, monta a própria qualificação que as partes atribuem à declaração, a qual, não sendo determinante, constitui um critério indiciador da sua real vontade. Depois montam os termos da declaração, onde a decisão judicial vem apenas referenciada na parte atinente ao pedido de indemnização (reportando a condenação em capital e juros), o valor pago vem definido por referência a essa condenação e respectivos elementos indemnizatórios (capital e juros), e a demandante assume a satisfação integral da obrigação correspondente àquela específica condenação (indemnizatória). Monta também a circunstância de a declaração da demandante vir, em primeira linha, reportada a um valor preciso (1.176.172 euros), valor este que o documento especifica como correspondendo ao capital e juros inerentes à condenação do demandado, e só por referência a este valor declarar a demandante estar paga. Pois, assim, ela reporta apenas o cumprimento desta obrigação, e assume esse cumprimento como a única forma de extinção da obrigação que assume (sem qualquer vontade remissiva ou abdicativa). Por fim, também releva a circunstância de o documento não conter qualquer menção ao crédito relativo a custas de parte (por oposição à cuidada indicação dos créditos cumpridos), indiciando que este não foi incluído na declaração. Todos estes elementos apontam no sentido da existência de uma verdadeira declaração de quitação, reportada à específica obrigação decorrente da procedência da pretensão indemnizatória. Não consentem, pois, a expressão de uma vontade extintiva de qualquer crédito, sem o seu cumprimento, e assim uma vontade remissiva (ou uma renúncia abdicativa); ao invés, a afirmação de extinção do crédito que da declaração se retira está claramente associado ao verificado cumprimento, e não a qualquer vontade extintiva da obrigação.
O único ponto perturbador radica na declaração final [onde a demandante afirma «nada ter a reclamar do referido Banco, seja a que título for, no âmbito do mencionado processo judicial, considerando integralmente cumprido o referido Acórdão quanto ao demandado»], a qual, à letra, parece exceder aquele cumprimento (dada a referência a nada mais ter a reclamar, a qualquer título, no âmbito do processo). Mas não creio que seja o alcance que um declaratário normal atribuiria à expressão, dado o referido contexto geral do documento. Ao invés, ela deve ser compreendida justamente no contexto exposto: significa apenas que, no quadro das obrigações tidas em conta, ié, das obrigações indmnizatórias de capital e...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO