Acórdão nº 4318/18.8T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução21 de Maio de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO A… e J…, instauraram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra o Banco …, SA.

e V… - Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., todos com os sinais dos autos, pedindo que, na sua procedência: a) seja o réu Banco condenado a pagar aos autores a quantia de € 50.000,00 para ressarcimento dos danos em que estes incorreram, fruto da sua atuação; b) seja a 2ª ré condenada a pagar aos autores a quantia de € 1.963,40 para ressarcimento dos danos em que estes incorreram, fruto da sua atuação; c) sejam ambos os réus condenados a pagar aos autores, solidariamente, a quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais; d) sejam os réus condenadas a pagar aos autores a quantia devida a título de juros de mora sobre os montantes indicados nas alíneas antecedentes, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; e) sejam ambos os réus condenados a pagar aos autores os danos futuros em que estes vierem a incorrer como consequência da sua conduta, a liquidar em execução de sentença.

Alegaram, em síntese, ter celebrado com o réu Banco um contrato de compra e venda de um prédio urbano, sito na Quinta do Anjo, Palmela, que o tinha à venda através da agência de mediação imobiliária da 2ª ré, sendo que o referido prédio tinha áreas de construção que não se encontravam licenciadas, tendo as rés omitido a falta de licenciamento apesar do respetivo conhecimento, o que causou aos autores os danos patrimoniais e não patrimoniais que descrevem na petição inicial e dos quais se querem ver ressarcidos.

Contestou apenas o réu Banco, contrapondo que adquiriu o prédio em causa no âmbito de uma ação executiva, e que só em 5 Maio de 2016 teve conhecimento do teor do alvará de licença de utilização, sendo falso que os autores desconhecessem as divergências de áreas, o que era conhecido de todos, tendo o Banco assumido os custos resultantes da regularização dessa divergência com vista a efetivação do registo definitivo, desconhecendo ainda que as construções não se encontravam licenciadas e que estavam esgotados os limites da área de construção.

Por último, refere que não responde pelas desconformidades entre a realidade física do prédio e o que consta do registo, da matriz ou quaisquer outros registos públicos, atento o teor da cláusula 2ª, nº 2, do contrato promessa de compra e venda celebrado com os autores, concluindo pela improcedência da ação.

Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Os autores e a 2.ª ré vieram transigir sobre o objeto da causa, sendo a transação homologada por sentença transitada em julgado.

Os autores apresentaram articulado superveniente dizendo que o D…, instituição de crédito para a qual pretendiam transferir o empréstimo veio, entretanto, cancelar a operação de transferência do crédito devido às alterações que o prédio apresenta, o que causa prejuízo aos autores por se manterem apenas a liquidar juros de mora, o que evidencia ainda que o Réu de acordo com os documentos existentes, não podia deixar de ter conhecimento das construções sem licenciamento.

O réu Banco respondeu à matéria do articulado superveniente, afirmando não terem sido alegados factos novos que devam ser apreciados pelo Tribunal, mas quanto muito tendentes a consubstanciar meios de prova, os quais, por serem extemporâneos, não deviam ser admitidos.

Foi proferido despacho a considerar que os factos invocados naquele articulado tinham interesse sobre a existência da relação controvertida e subsumirem-se aos temas da prova enunciados nos pontos 1 e 2.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, julgo a acção procedente, por provada, e em consequência decide-se:

  1. Condenar o Réu Banco … a pagar aos Autores a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, vencidos desde esta decisão até integral pagamento.

  2. Condenar o Réu Banco … a pagar aos Autores a quantia a pagar aos Autores o que se vier a apurar até ao montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros) em ulterior incidente de liquidação no que respeita à desvalorização do prédio em consequência das construções ilegais.

  3. Condenar o Réu Banco … a pagar aos Autores a quantia que se vier a apurar em ulterior incidente de liquidação correspondente a todas as despesas relativas a obras de adaptação, correcção, demolição, projectos e despesas administrativas que se vierem a revelar necessários com vista ao licenciamento das áreas ilegais.

» Inconformado, o réu Banco apelou desta decisão, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que se transcrevem: «I. Em primeiro lugar, a Recorrente não se conforma com a decisão pois que padece, inelutavelmente, de nulidade por falta de fundamentação, nos termos da al. b) do art. 615.º do C.P.Civ..

  1. O Tribunal tem o dever de motivar as decisões, conforme resulta dos arts. 607.º e 154.º do C.P.Civ, e ainda pelo comando constitucional do dever de fundamentação, definido no art. 20.º da C.R.P..

  2. Ora, na sentença foi dado como provado que o Banco Réu “sabia ou devia saber que existiam construções que não estavam enquadradas na autorização de utilização do prédio”, não fazendo alusão aos meios de prova que sustentam a sua decisão mas a simples alusão a que, atendendo à estrutura do Banco, com vários tipo de apoio, contratual e jurídico, não é “crível” não tivesse notado que as divergências de áreas obrigavam ao licenciamento e obrigavam a subsequente harmonização. Sem mais.

  3. A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória convencendo e não apenas impondo.

  4. No caso em apreço, nada disto sucede, sendo que fica a convicção que a condenação da Recorrente se baseia numa percepção, num simples considerando… e juízo de valor do Tribunal que não está minimamente fundamentado (tanto mais que a prova produzida levaria, exactamente, em sentido inverso, como veremos).

  5. E assim, porque o Tribunal a quo não indica, de forma alguma, a motivação, pelo que a sentença enferma de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º1, b) e, como tal, não pode manter-se.

  6. Sem prescindir, versa o presente recurso sobre decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art. 640.º do C.P.Civ. e também de Direito, já que na apreciação jurídica da causa, a sentença padece erros notórios e tendenciosos.

  7. A questão que cumpre decidir é a de saber se houve cumprimento defeituoso da prestação e que se prende com o conhecimento ou não, por banda da Recorrente, da existência de obras não licenciadas e de que estavam esgotados os limites da área de construção do imóvel vendido aos Autores, sendo certo que, como verificarão V. Ex.as, a Recorrente cumpriu as obrigações decorrentes do contrato.

  8. Desde logo, é preciso distinguir a existência de documentação do imóvel que indica uma divergência de áreas entre a Caderneta Predial Urbana e a Certidão Predial, e o conhecimento do Banco de que existiam edificações não licenciadas, sendo certo que é este o ponto, ou melhor, o facto, que determina o desfecho da acção.

  9. Desde logo, a M.ma Juiz desconsiderou, quanto ao ponto 11 dos factos provados, as próprias declarações de parte, prestadas em Audiência de Julgamento, afirmando que os AA “desconheciam quaisquer desconformidades entre essa realidade física e o que constava no registo predial, na matriz predial ou em quaisquer outros registos públicos relativos ao mesmo”.

  10. Não só a Autora, ouvida na primeira sessão de julgamento no dia 19.09.2019, pelas 09:28:09 (Início de Gravação) às 10:36:12 (Fim Gravação), afirmou que tiveram acesso, antes da celebração do contrato de promessa, à documentação do imóvel, como as testemunhas dos AA., C…, que prestou depoimento na primeira sessão de julgamento no dia 19.09.2019, pelas 10:36:13 (Início de Gravação) às 11:20:52 (Fim Gravação), refere aos min. 00:29:00 que perante a divergência de áreas questionou o Banco e que este respondeu que documentação está harmonizada, sendo possível escriturar, tendo dado essa informação imediatamente aos Autores.

  11. Na verdade, os Autores sabiam, conforme consta da Cl. 2.ª do contrato de promessa e compra e venda, o estado físico e situação jurídica e administrativa do imóvel.

  12. Tendo em conta as dúvidas levantadas pelo Tribunal sobre o alcance desta cláusula, pela testemunha A…, que prestou depoimento na sessão de dia 26.09.2019, CD – Minuto 00:00:01 a 00:28:49, foi esclarecido que esta “é uma cláusula genérica em todos os contratos que nós utilizamos, até porque eu parto do princípio, as pessoas recebem a documentação atualizada do imóvel, portanto, têm que declarar que conhecem aquilo que estão a comprar, em termos jurídicos e administrativos, portanto, receberam a CPU, receberam a CRP, receberam a licença de utilização e o certificado energético e foram ao local ver o imóvel. Portanto, o banco não vende imóveis sem que as pessoas se dirijam também ao local e conheçam aquilo que estão a comprar. Portanto, para não haver dúvidas de qual é que é o objeto do contrato, é por isso que nós mandamos a documentação atualizada.” - Min. 00:04:30 a 00:05:35 XIV. Assim, a divergência era conhecida por todas as partes, e sempre foi referido que tal facto não obstava à realização do contrato de compra e venda, razão pela qual não pode o facto 11 manter-se.

  13. No que respeita ao facto 22, isto é, “Quer Réu Banco … quer a agência de mediação imobiliária jamais comunicaram aos Autores que o problema com as divergências de áreas eram, de facto, construções nele existente não licenciadas”, importa, desde logo reter que as Rés não podiam comunicar aquilo que não sabiam.

  14. Já quanto ao facto 29, ou seja, “Aquando da outorga dos contratos...

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