Acórdão nº 631/18.2T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO V… intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra A… e mulher M…, pedindo que: - seja declarado resolvido o contrato de arrendamento entre autor e réus; - os réus sejam condenados a entregar, de imediato, o arrendado, totalmente, livre de pessoas e bens e no estado de conservação e limpeza com que o receberam; - os réus sejam condenados a pagar ao autor a quantia de € 2.310,00 (dois mil trezentos e dez euros) referente ao preço das rendas vencidas e não pagas à data da entrada em juízo da presente ação, bem como as rendas que se vencerem na pendência da mesma e até trânsito em julgado da decisão que declare resolvido o contrato de arrendamento; - os réus sejam condenados a pagar ao autor uma indemnização correspondente a um mês de renda por cada mês, ou fração de mês, desde o trânsito em julgado da decisão que declare resolvido o contrato de arrendamento até efetiva entrega do locado.

Alegou o autor, em síntese, que por contrato escrito de 1 de maio de 1998, Américo Pires Rafael deu de arrendamento ao réu marido o prédio sito em Campina de Faro, freguesia da Conceição, concelho de Faro, inscrito na matriz sob o artigo …, o qual foi destinado à habitação do réu e do seu agregado familiar, pelo prazo de um ano renovável, pela renda mensal de € 125,00, que é atualmente de € 165,00, sendo que os réus não pagam a renda desde Janeiro de 2017, pelo que em Março de 2018 encontrava-se em dívida a a quantia de € 2.310,00, o que constitui fundamento de resolução do contrato de arrendamento.

Os réus contestaram, impugnando parte da factualidade alegada, contrapondo que foram residir para o que é agora o locado em 1992, altura em que a edificação era um palheiro, que lhes foi cedido a título de comodato gratuito, tendo os réus, a expensas suas, melhorado e transformado tal palheiro numa habitação. Esse palheiro faz parte do prédio urbano identificado pelo autor, sendo que o contrato de arrendamento abrangeu o palheiro e todo o prédio urbano.

Os réus pagaram a renda até Janeiro de 2017 apesar de apenas lhe ser facultada a utilização do palheiro, pelo que haverá que ser feita uma redução equitativa da renda que deverá ser abatida à quantia em dívida, e deixaram de pagar a renda naquela data por o autor lhes ter comunicado a sua intenção de celebrar novo contrato e da renda passar a ser de € 265,00€, o que não foi aceite pelos réus, pelo que perante a recusa destes o autor deixou de receber a renda de € 165,00, não tendo os réus procedido à consignação em depósito do valor das rendas por serem pessoas pouco instruídas.

Os réus procederam à realização de obras de melhoramento do locado, nomeadamente uma nova cozinha, que o autor acompanhou e chegou a fazer sugestões, pelo que a instauração da presente ação configura um abuso de direito.

Em reconvenção peticionam os réus a condenação do autor no pagamento da quantia de € 38.000 pelas benfeitorias que ao longo dos últimos 20 anos fizeram no locado.

Houve réplica, concluindo o autor pela improcedência do pedido reconvencional.

Realizada a audiência prévia, foi fixado o valor da causa e proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a final proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, e ao abrigo dos citados preceitos legais, julgo: I - A presente acção procedente, por provada, e, em consequência: - declaro resolvido o contrato de arrendamento existente entre A e RR; - Condeno os Réus a entregar ao Autor, completamente livre e devoluto de pessoas e bens, o arrendado; - Condeno os Réus a pagar ao Autor:

  1. O montante de 2310,00 € (dois mil trezentos e dez euros), correspondente às rendas vencidas e não pagas desde Janeiro de 2017 a Fevereiro de 2018, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento dessas rendas; b) As rendas vincendas, à razão de 165,00€ mensais, devidas desde a data de entrada da acção até ao trânsito em julgado da presente sentença; c) O valor indemnizatório equivalente ao das rendas correlativas ao período em que os Réus mantiverem a disponibilidade do arrendado, à razão de 165,00€/mês, após o trânsito da presente sentença e até à efectiva entrega do anexo.

    II - Julgo totalmente improcedente, por não provado, o pedido reconvencional e dele absolvo o A./reconvindo.

    » Inconformados, os réus apelaram desta decisão, restringindo o recurso à parte da sentença que julgou improcedente o pedido reconvencional, pugnando pela respetiva revogação e substituição por outra decisão que julgue procedente aquele pedido, tendo finalizado as alegações com as conclusões que a seguir se transcrevem: «1. Vem o presente recurso interposto, em virtude da Meritíssima Juiz “a quo” ter julgado totalmente improcedente, por não provado, o pedido reconvencional e dele absolvo o A/ Reconvindo.

    2. Ora, o Recorrente não se conforma com esta absolvição, em primeiro lugar, porque da conjugação dos factos supra descritos dados como provados, em virtude do princípio da imediação, pelas regras da experiência, da prova pericial e como resultado directo dos depoimentos das testemunhas que: o locado não tinha divisões interiores, nem isolamento do telhado, nem canalização (existia um depósito de água no exterior do anexo) nem esgotos ou energia elétrica (sendo a eletricidade fornecida a partir de uma derivação feita desde os armazéns dos pais do autor), a casa de banho situava-se noutro anexo independente deste e que ficava no exterior e a cozinha era composta por uma “chaminé” e um lava-loiça situados no exterior do anexo e que as obras em si feitas foram realizadas pelos Recorrentes bem como por si custeadas, sendo conhecidas e autorizadas pelo pai do Recorrido e por si; 3. Resultando claro que os melhoramentos introduzidos pelos Recorrentes ao longo dos anos, com as sucessivas intervenções levadas a cabo por estes e a suas expensas, 4. E, com o seu trabalho, pois tendo sido dado como provado que os materiais por serem mais baratos, provinham de obras em que o Recorrente trabalhava (recorrendo a regras da experiência) e sendo este pedreiro de profissão, era ele que fazia as melhorias nos seus tempos livres na companhia da testemunha J… e mais recentemente na companhia de JE…, o que, havendo jornadas normais de trabalho, só poderia ser tomado de empreitada aos fins de semana e feriados, 5. Pelo que a douta Sentença em crise, deveria ter dado como provado, o facto não dado como provado, identificado pela alínea e) designadamente, que os Recorrentes “tenham destruído a sua saúde, os seus tempos de lazer, a sua vida familiar aos fins de semana, durante anos, para transformar o palheiro numa casa”, elevando-o ao estatuto de habitação pelas condições de dignidade que lhe atribuíram, fazendo em muito aumentar o seu valor comercial.

    6. Os Recorrentes sempre pagaram pontualmente a sua renda, tão-somente, quando o Recorrido lhe comunicou verbalmente um aumento de € 100 mensais ao arrepio das disposições previstas no NRAU, é que estes as deixaram de pagar, mas não se contesta a resolução do contrato de arrendamento nesta sede.

    7. E, com a devida vénia, refira-se que sentido de oportunidade não faltou ao Recorrido, uma vez, que foi simplesmente após os Recorrentes terem concluído a única obra que faltava, designadamente, a cozinha (que inclusivamente acabou por ser escolhida e opinada pela esposa do Recorrido) que a tentativa de proceder a este aumento ilegal, que se deu como provado, ocorreu.

    8. Não podem os Recorrentes concordar ainda com a fundamentação invocada pela Meritissima Juiz “a quo” quanto à não redução do contrato Contrato de Arrendamento celebrado a 01 de Maio de 1998, que postula na cláusula 6º que “Ao inquilino não é permitido fazer obras ou benfeitorias, a não ser as de conservação, sem autorização do senhorio, por escrito e devidamente reconhecida, ficando estipulado que as que fizer ficam pertencendo ao prédio não podendo o inquilino alegar retenção ou pedir por elas qualquer indemnização” 9. Com a devida vénia, este é um formulário pré-preenchido da “Porto Editora”, havendo que se aplicar o regime das Cláusulas Contratuais Gerais, sendo que ao abrigo do artigo 8º devem ser excluídas dos contratos “as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º” 10. Ora, o Recorrente nunca comunicou por escrito as benfeitorias que queria fazer, pois na boa fé, desconhecia o teor dessa mesma cláusula, tendo feito, as referidas melhorias no bem imóvel, ocorreram nos últimos 30 anos há vista de todos, de forma pública e notória com conhecimento e autorização do primitivo proprietário e do Recorrido.

    11. Sem que qualquer reparo, lhe fosse nesse sentido apontado, antes pelo contrário... as referidas obras até eram incentivadas, ora, s.m.o. parece-nos que a impossibilidade de recorrer a compensação pelas benfeitorias úteis e necessárias realizadas, por violação do artigo 6º, não cabe “in casu” nos corolários da boa fé, e poderá outrossim, ser qualificado como abuso enriquecimento sem causa para o Recorrido, 12. Com efeito, estipula o artigo 216º do CC, subordinado à epígrafe “Benfeitorias”, que: “1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias. 3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.” 13. Do teor do preceito se induz o conceito de benfeitorias como sendo as obras e despesas realizadas em propriedade alheia com vista a conservá-la, melhorá-la ou simplesmente embelezá-la, assim revestindo o carácter de...

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