Acórdão nº 2240/19.0T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Setembro de 2020
Magistrado Responsável | TOMÉ RAMIÃO |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam no Tribunal da Relação de Évora I. Relatório.
F… intentou a presente ação declarativa comum, contra M…, ambos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, na qual peticionou: a) se declare a caducidade do testamento outorgado por S….
a favor da ré; b) se declare inoponível aos herdeiros da S…, incluindo o autor, a escritura de habilitação de herdeiros de 20.09.2017 no cartório notarial de M…, em Lisboa; c) subsidiariamente, caso se entenda que o testamento não caducou, se declare que a sua invocação pela ré é um ato ilícito, por configurar abuso de direito, em gritante violação da boa-fé, dos bons costumes e do fim económico e social do direito sucessório, condenando-a a não o poder invocar.
Alega, em suma, que é pai da falecida S…, a qual viveu em união de facto com a ré e durante esse período, outorgou testamento, através do qual a instituiu herdeira de todos os bens que à data da sua morte pudesse dispor, testamento que caducou a morte daquela, considerando que se encontravam há muito separadas.
Caso assim não se considere, entende que a ré atua em abuso de direito, ao pretender beneficiar do testamento outorgado por causa da convivência amorosa e da união de vida, situação que cessou anos antes do óbito, em prejuízo da família de sangue, atentando contra a boa-fé, os bons costumes e o fim económico e social da vocação sucessória A ré contestou, invocando a exceção dilatória de ilegitimidade ativa, por o autor se encontrar desacompanhado dos demais herdeiros, e impugnou os factos alegados, concluindo pela improcedência da ação. O autor pronunciou-se pela improcedência da referida exceção dilatória de ilegitimidade.
Foi realizada audiência prévia e proferido saneador sentença, no qual foi julgada improcedente a invocada exceção de ilegitimidade e improcedente a ação, absolvendo a ré do pedido.
Desta sentença veio o Autor interpor o presente recurso, concluindo as alegações nos seguintes termos: a. O art.º 2317º do Cód. Civil determina a caducidade dos testamentos cuja base negocial tenha cessado.
-
Estão nesses casos os diversos exemplos das várias alíneas do artigo, os quais não esgotam os casos aos quais se deve aplicar o mesmo remédio.
-
A razão de ser da caducidade é o facto de se poder com segurança presumir que, uma vez ausentes os pressupostos em que assentou o testamento, a vontade conjetural do testador é a de que o testamento deve caducar.
-
É assim, por exemplo, no caso do cônjuge que testa a favor do seu cônjuge, quando cessa o casamento, pois entende-se que a vida familiar conjugal foi a razão pela qual o testamento foi feito, ou seja, a circunstância essencial que constituiu a base do negócio, e que a vontade que a ele presidiu deixa de existir quando o casamento acaba.
-
A mesma regra deve ser aplicada ao caso do testamento de fls. 17, pois também ele foi feito porque a sua autora vivia com a Recorrida como se fosse casada, e, tendo essa relação cessado muito antes da morte da testadora, deixaram de estar presentes as circunstâncias que motivaram o testamento, devendo presumir-se que a vontade da testadora é a de fazer caducar o testamento.
-
A bondade desta presunção em que se baseia o art.º 2317º, e da sua aplicação também ao caso dos autos, pode ser confirmada pela experiência de vida de qualquer pessoa: o normal é que quem se separa (casado ou vivendo como se fosse casado) não queira manter o testamento feito a favor do ex cônjuge ou ex companheiro(a).
-
Reforça essa ideia o facto de a separação da testadora e da Recorrida ter terminado com a partilha/divisão de bens, não fazendo sentido que S… tenha querido pôr termo à comunhão dos bens, mas quisesse manter a Recorrida como sua sucessora na titularidade desses mesmos bens.
-
Do mesmo modo, tendo constituído nova família com outra pessoa, não faz sentido que tenha querido manter a Recorrida como sua sucessora.
-
Sendo assim, a douta sentença recorrida violou o art.º 2317º do Cód. Civil.
-
Deste modo, havendo motivos de sobra para justificar a aplicação do art.º 2317º ao caso dos autos, determinando a caducidade do testamento de fls. 17, requerendo-se a reforma da douta sentença recorrida, e a sua substituição por outra que julgue a ação totalmente procedente.
Juntou um Parecer Jurídico em abono da sua tese.
*** Não foram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*** II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que a única questão a decidir consiste em saber se com a cessação da união de facto caducou o testamento outorgado por um dos membros da união em benefício do outro.
***III – Fundamentação fáctico-jurídica.
-
Matéria de facto.
A factualidade provada pela 1.ª instância, inquestionada pelo recorrente e que se mantém, é a seguinte: 1- S…, filha de F… e de C…, nascida em 05.07.1958, faleceu em 05.06.2017.
2- A mesma possuía nacionalidade portuguesa e brasileira.
3- Entre meados de 1990 até 2008 viveu em comunhão de cama, mesa e habitação com a ré, residindo ambas na mesma casa, no Sítio do Canal, Santa Bárbara de Nexe, Faro.
4- Durante esse período foram proprietárias, em comum, de vários bens imóveis e sócias de uma sociedade comercial, P…, Lda., na qual ambas exerciam atividade profissional, da qual viviam, dedicada ao setor turístico.
5- Em 16 de junho de 1997, a S… outorgou testamento, no Segundo Cartório Notarial de Faro, através do qual instituiu a ré como herdeira de todos os seus bens que à data da sua morte puder dispor.
6 - Em 19.04.2011 o autor e C… outorgaram escrituras de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO