Acórdão nº 475/20.1T8STR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelEMÍLIA RAMOS COSTA
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 475/20.1T8STR-A.E1 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]♣Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório “Quinta do (…) – Sociedade Agropecuária, Lda.” propôs, nos termos do art. 17.º - A do CIRE, processo especial de revitalização.

…Efetuada a regular tramitação, em 16-03-2020, o administrador judicial provisório apresentou a lista provisória de créditos.

…Inconformada com tal lista, a devedora “Quinta do (…) – Sociedade Agropecuária, Lda.” veio, nos termos do art. 17.º-D, n.º 3, do CIRE, impugnar a lista provisória de créditos, alegando, em síntese, que a “(…) Lusitani – STC, SA” não é sua credora, antes sim da “Agropecuária (…), SA”, visto que tal entidade apenas constituiu garantia voluntária a favor de um terceiro sobre um imóvel de que a devedora é proprietária, sendo que tal constituição de garantia não confere à “(…) Lusitani – STC, SA” a qualidade de credora da devedora.

Concluiu, por fim, que o crédito reclamado pela “(…) Lusitani – STC, SA” não deve ser reconhecido.

…Em resposta à impugnação do referido crédito, o administrador judicial provisório da “Quinta do (…) – Sociedade Agropecuária, Lda.” alegou, em síntese, que da documentação analisada não decorre a existência de qualquer crédito da “(…) Lusitani, STC, SA” sobre a devedora, antes sim a constituição de uma garantia a favor de terceiro, a “Agropecuária (…), SA”, pelo que concluiu que não deveria ser reconhecido tal crédito, devendo ser ordenada a correção da lista provisória de créditos.

…Em resposta à impugnação do seu crédito, “(…) Lusitani, STC, SA” veio, em síntese, alegar que é detentora de uma garantia real – hipoteca – sobre um bem imóvel da devedora, pelo que tem o direito a participar nas negociações que irão ser encetadas no âmbito deste processo, visto que tais negociações poderão incidir sobre o património da devedora, sendo que só através da apresentação de reclamação de créditos será possível exercer esse direito de participação.

…Em 19-04-2020, foi proferida sentença, na qual foi julgada totalmente procedente a impugnação apresentada pela devedora quanto a “(…) Lusitani, STC, SA” e, em consequência, foi excluída da lista de créditos o crédito reconhecido a esta credora, sendo, no demais, considerada convertida a lista apresentada pelo Administrador Judicial Provisório em definitiva.

…Inconformada com a sentença proferida, veio a Apelante “(…) Lusitani – STC, SA” recorrer, apresentando as seguintes conclusões: a) Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo constata-se que o douto despacho recorrido fez uma incorreta apreciação dos factos trazidos a juízo, merecendo, assim, os devidos reparos; b) Conforme resulta da fundamentação da referido Despacho mencionado supra, o Tribunal a quo formou a sua convicção referindo que “Se constata que não decorre de tal documentação (entenda-se a documentação junta aquando da apresentação da reclamação de créditos aos presentes autos) a existência de qualquer crédito da (…) Lusitani – STC, S.A. sobre a Devedora, mas sim da constituição de uma garantia a favor de um terceiro“; c) Resultando também da fundamentação do Despacho recorrido que “Não existindo documento que comprove a existência de qualquer crédito de (…) Lusitani – STC, SA sobre a devedora, facto que aliás por todos é reconhecido, designadamente pela própria (…) Lusitani – STC, SA, não pode a mesma ser reconhecida como credora”; d) Concluindo ainda o Tribunal a quo que “no que diz respeito à garantia real que o mesmo detém (hipoteca), a mesma só tem efeitos sobre o bem a que respeita e apenas pode ser considerada para efeitos da venda desse bem”; e) Terminando, por força do até agora exposto, que, “mais não resta do que julgar procedente a impugnação e excluir o crédito em apreço”; f) Tendo, consequentemente, decidido nos seguintes termos: “a) Julgar totalmente procedente a impugnação apresentada pela devedora quanto a (…) Lusitani, STC, SA e, em consequência, excluir da lista de créditos o crédito reconhecido a esta credora; b) No demais, considerar convertida a lista apresentada pelo Administrador Judicial Provisório em definitiva (artigo 17.º-D, n.º 4, do CIRE)”; g) Contudo, e salvo melhor douto entendimento, não andou bem o Tribunal a quo ao ter decidido como decidiu; h) Primeiramente, e apenas para efeitos de enquadramento da questão fáctico- jurídica trazida a V. Exas. Exmos. Senhores Desembargadores, será necessário ter em conta que a ora Recorrente apresentou a devida reclamação de créditos nos presentes autos alicerçada na existência de duas hipotecas, hipotecas essas melhor identificadas naquela peça processual (registadas pelas AP. …, de 2002/08/28 e AP. …, de 2005/11/24) e constituídas a favor de terceiros, por força de um contrato celebrado, à data, entre a Agropecuária (…), S.A. (entretanto declarada insolvente e cujo o processo encontra-se a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Comércio de Santarém, Juiz 3, sob o n.º 3049/19.6T8STR, e no qual a ora Recorrente já teve oportunidade de reclamar a sua divida) e o (…) Banco, S.A. (anterior detentor do crédito e actual cedente do mesmo); i) Chegados a este ponto, a questão que imperiosamente se suscita é a de saber se o douto Despacho, que determinou a exclusão da ora Recorrente da lista de credores, merece ser alvo de censura; j) A questão colocada é, assim, meramente jurídica, pois quanto aos factos trazidos a juízo não há controvérsia: é pacífico que entre a ora Recorrida e Recorrente não foi celebrado qualquer contrato de mútuo não havendo por isso, entre uma e outra, qualquer dívida; k) No entanto, é necessário salvaguardar que, no que ao entendimento da ora Recorrente concerne, a questão em apreço não sofreu o devido enquadramento e respectivas consequências jurídicas; l) Nesta senda, entendeu o Tribunal a quo que, dada a inexistência de dívida entre a ora Recorrente e a Recorrida, a primeira não é credora da última e, como tal, também não teria legitimidade para participar nas negociações nem exercer o seu direito de voto, assentando o seu entendimento primacialmente no rigor dos conceitos técnico-jurídicos, concluindo, à semelhança da Relação de Évora , em sede de um processo executivo e num outro contexto, que “o beneficiário de uma hipoteca constituída por terceiro não é credor deste, nem este, logicamente, seu devedor", (in Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16/02/2012, disponível em www.dgsi.pt); m) Ou, por outras palavras, através da posição adotapda, o Tribunal a quo limitou a ora Recorrente, erroneamente, a mera titular de garantias reais sobre o imóvel que pertence à ora Recorrida; n) Recusando, sem mais, as vestes de credora (no sentido técnico do termo) à aqui Devedora e, em última ratio, o direito de participar nas negociações através do direito de voto no PER; o) Algo que, em suma, e principalmente quando comparado com outras formas de processo existentes no nosso ordenamento jurídico, não se coaduna com a ratio legis do processo especial de revitalização; p) Aceitando ab initio que, no bom rigor dos princípios, a ora Recorrente não é titular de um crédito sobre a devedora, entende a ora Recorrente que é fundamental todavia verificar qual a sua posição jurídica perante o presente processo especial de revitalização, à luz do ordenamento jurídico visto na sua globalidade; q) Estamos no âmbito de um processo especial de revitalização e, à luz do preceituado no art. 17º-A, nº 1, do CIRE, tal processo destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização; r) Na esteira do Tribunal da Relação de Guimarães, “com a introdução do PER, concretizada na alteração ao artigo 1º e no aditamento dos artigos 17-A a 17-I do CIRE, houve a preocupação de ponderar todos os interesses em conflito, dos credores, dos devedores associados à economia como valor fundamental, elegendo-o como de interesse público” (in Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/09/2016, disponível em www.dgsi.pt); s) Sendo que a essência do processo especial de revitalização é, deste modo, criar ou fomentar um processo de...

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