Acórdão nº 507/15.5 T8OLH-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 507/15.5 T8OLH-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo de Comércio da Lagoa – Juiz 1 I. Relatório Declarada a insolvência da devedora “(…), Combustíveis, SA”, veio a credora (…) Portuguesa, SA desencadear incidente tendo em vista a qualificação da insolvência como culposa com fundamento nas als. a), f), h) e i) do n.º 2 e als. a) e b) do n.º 3 do art.º 186.º do CIRE, declaração que pretende dever afectar o administrador de facto (…), os gerentes-administradores de direito (…) e (…), e ainda o TOC e o ROC que exerceram funções na insolvente, Dr.ª (…) e Dr.ª (…), respectivamente. O Sr. AI juntou o parecer a que alude o n.º 3 do art.º 188.º (fls. 43 a 46 dos autos), propondo a qualificação da insolvência como culposa, sentido em que se pronunciou igualmente o M.P., mas com exclusão da ROC e da TOC que, em seu entender, não deverão ser afectadas pela qualificação. * Citados os requeridos e notificada a devedora, deduziram oposição os identificados (…), (…), (…) e (…), tendo todos eles recusado a prática de actos susceptíveis de conduzirem à qualificação da insolvência como culposa. * Realizou-se a audiência final, no termo da qual foi proferida sentença que, tendo julgado verificadas condutas integradoras da al. i) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, qualificou a insolvência como culposa e julgou afectados pela qualificação os administradores (…) e (…) nos seguintes termos: i. decretou a respectiva inibição para o exercício do comércio e ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 3 (três) anos; ii. determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelos afectados pela qualificação; iii. condenou-os a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos até às forças dos respectivos patrimónios, sendo o valor da indemnização o devido de acordo com os créditos reclamados. Inconformado, recorreu o (…) e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: 1.ª O administrador de Insolvência, a assembleia de credores, a comissão de credores ou o tribunal não pediram ao recorrente quaisquer informações relevantes para o processo; 2.ª O Administrador da Insolvência não requereu a colaboração do recorrente para efeitos do desempenho das suas funções; 3.ª As informações solicitadas pelo Administrador de Insolvência foram prestadas por (…), que tinha sido gerente de direito da sociedade insolvente e único responsável pelo tratamento contabilístico da mesma, resultando do exercício dessas funções o conhecimento necessário para prestar as informações que prestou, mormente a senha de acesso à autoridade tributária; 4.ª A testemunha (…) informou, inclusivamente, o Administrador da Insolvência do local onde poderia apreender os elementos da contabilidade, mas num cumprimento muito pouco diligente o administrador nada fez; 5.ª Não foi dado como provado, ou dos factos provados não decorre, que o recorrente tenha actuado intencionalmente, porquanto mesmo que tenham sido provados os factos integrantes das referidas presunções – que não foram –, não se provando a intencionalidade, cai a qualificação da insolvência como culposa. 6.ª O recorrente não incumpriu as obrigações previstas no disposto no artigo 83.º, n.º 1, alínea a) ou c), do CIRE, nem incumpriu de forma reiterada o dever de colaboração previsto na alínea i) do n.º 1 do artigo 186.º do mesmo diploma, nem tal resulta da prova produzida. 7.ª O Tribunal a quo errou no julgamento, quer da matéria de facto, quer na qualificação jurídica dos factos que deu como provados; 8.ª A sentença é nula porque o tribunal não especifica suficientemente quais os meios de prova a que atendeu para dar como provado o facto 21., tendo o recorrente alguma dificuldade em entender por que razão o tribunal não se pronuncia sobre o documento de fls. 109; 9.ª A sentença é nula por ambiguidade e obscuridade porque fundamenta a sua convicção em documentação constante dos autos principais e dos apensos que constituem este processo, sem identificar tal documentação; 10.ª Não consta dos autos qualquer comunicação ou pedido ao recorrente; 11.ª A sentença é nula porque não especifica adequadamente os fundamentos de direito – concatenação entre o artigo 83.º e a alínea i) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE; 12.ª A sentença é nula porque há uma manifesta contradição entre a fundamentação e a decisão. 13.ª A prova produzida é manifestamente insuficiente para conduzir à decisão que acabou por ser prolatada. 14.ª Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa da recorrida são os seguintes: (i) documentos de fls. 109 verso e seguintes do Apenso A; (ii) A ausência de prova documental, seja nos autos principais, seja nos apensos, relativamente à alegada carta que o Administrador de Insolvência terá endereçado ao ora recorrente a solicitar a sua colaboração, ficando, assim, em crise a parte da decisão recorrida que refere “conjugado com as informações que pelo mesmo foram sendo juntas ao processo principal após a sua nomeação.” (iii) Depoimento do Senhor Administrador de Insolvência (…), prestado em audiência de julgamento, realizado em 27 de janeiro de 2020, entre o minuto 17m00 e o minuto 20m00s; (iv) Declarações da testemunha (…) prestadas em audiência de julgamento, realizado em 27 de janeiro de 2020, minutos 11m42s a 13m05s e 28m50s a 33m39s. 15.ª Foi incorretamente julgado o facto 21. dos factos dados como provados que constam da fundamentação da decisão recorrida: a decisão sobre esta questão em concreto, deveria ter sido de julgar não provado que o Sr. Administrador tenha, por carta ou outro qualquer meio, contactado o recorrente. Por outro lado, deveria ter sido dado como provado que as diligências não tiveram sucesso, não por responsabilidade do recorrente, mas porque tal carta, a existir, nunca foi do seu conhecimento, facto que não lhe é imputável, conforme é reconhecido no texto da decisão recorrida, quando considera “Não se provou que as tivessem recebido”, sendo manifesta a contradição entre a fundamentação e a decisão. 16.ª Foi incorretamente julgado o facto 23. dos factos dados como provados que constam da fundamentação da decisão recorrida. Neste ponto, deveria o tribunal a quo complementar sua decisão, dando como provado que essas informações foram obtidas através das senhas de acesso que foram fornecidas por (…) no documento de fls. 109; 17.ª Foi incorretamente julgado o facto 35. dos factos dados como provados que constam da fundamentação da decisão recorrida. Além de não especificar quais os “elementos em causa”, o tribunal deveria ter dado como provado, no mínimo, que o recorrente não lhe forneceu quaisquer elementos porque para tal não foi notificado. E seria fundamental que o tribunal precisasse quais os elementos em falta para a posterior subsunção jurídica dos factos. 18.ª Da concatenação da prova produzida, mormente dos concretos pontos invocados da prova produzida, seria mais verosímil a seguinte versão dos factos: Apesar de não ter sido diretamente o recorrente a colaborar, pois não foi notificado para o efeito, o dever de colaboração deve considerar-se cumprido por intermédio da testemunha (…), por intermédio do documento de fls. 109 verso e seguintes do Apenso A e do contacto telefónico que por sua iniciativa – da testemunha – foi realizado, relevando-se os pontos 20. e 37. a 40. dos dados como provados no sentido de que a colaboração que foi solicitada foi prestada por quem tinha conhecimento integral da vida da sociedade e que atuava sob as ordens do recorrente, pelo que, apesar de nada lhe ter sido solicitado diretamente, o recorrente, por meio indirecto, colaborou com o tribunal. 19.ª A obrigação de colaboração, conforme defendido pela decisão recorrida e pelo artigo 83.ª do CIRE, incumbe às pessoas a quem lhe seja solicitada pelo Administrador da Insolvência, pela assembleia, comissão de credores ou pelo tribunal. 20.ª Na língua portuguesa, reiterar, significa repetir várias vezes. Ora, da decisão recorrida não constam quaisquer factos dados como provados dos quais possa extrair-se que o recorrente tenha tido um comportamento repetido de se furtar a prestar colaboração. 21.ª Há um claro erro de julgamento quando o tribunal considera que ficou provado que após a declaração de insolvência o Administrador enviou cartas aos administradores (…), (…) e (…). 22.ª E há uma clara contradição quando a decisão condena o recorrente defendendo, por um lado, que a obrigação de colaboração incumbe às pessoas a quem lhe seja solicitada e, por outro, dá como provado que não se provou que o recorrente tivesse recebido essa carta que, mais uma vez se repete, a existir, não consta dos autos. 23.ª Há também um erro de julgamento quando a decisão recorrida afirma que os elementos da contabilidade não foram fornecidos, o que é contrariado pelo documento de fls. 109 e pela informação que dele consta, em concreto a relativa às senhas de acesso à autoridade tributária. 24.ª Os factos dados como provados na decisão recorrida, mesmo que se desconsidere o entendimento do recorrente sobre a reapreciação da prova, não são subsumíveis na alínea i), do n.º 2, do artigo 186º, do CIRE em razão do alegado silêncio, da alegada omissão e da alegada falta de colaboração não terem produzido efeitos de ocultação sobre a real situação patrimonial e financeira da sociedade nem dificultaram uma atuação célere e eficaz do administrador da massa insolvente. 25.ª O incumprimento do dever de colaboração pode não resultar de um simples alheamento do processo, de desinteresse ou negligência, mas antes da intenção deliberada de não concorrer para o conhecimento de factos anteriores ao início do processo de insolvência que levariam à qualificação...

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