Acórdão nº 1387/17.1T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelTOMÉ DE CARVALHO
Data da Resolução24 de Setembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1387/17.1T8FAR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – 1º Juízo Central de Competência Cível (Faro) – J3 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: Na acção comum de condenação proposta por (…) e (…) contra "(…) – Investimentos Turísticos e Hoteleiros do Algarve, Limitada" e "(…), Unipessoal, Lda.”, os Autores não se conformaram com a sentença proferida, interpondo o competente recurso.

* Os Autores deduziram os seguintes pedidos:

  1. Que seja declarada a nulidade, por simulação, do negócio de compra e venda celebrada entre as rés do prédio rústico composto por cultura arvense e regossolos cultivados, situado em Vale (…), freguesia da Guia, concelho de Albufeira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), daquela freguesia, inscrito na matriz sob o n.º (…) da Secção "(…)", pelo preço de € 2.400,00 (dois mil, quatrocentos euros).

  2. Que seja declarada a nulidade do negócio dissimulado de doação do mesmo imóvel pela Ré (…) à Ré (…).

  3. Quando assim se não entenda, que seja declarada a anulação da mesma venda.

  4. E que seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição do indicado prédio a favor da Ré (…), Unipessoal, Limitada.

* O objecto do presente litígio consistia em apreciar se o contrato firmado entre as Rés foi simulado.

* Num primeiro recurso interposto o Tribunal da Relação de Évora decidiu anular a sentença recorrida e determinou a reabertura da audiência e a realização de uma perícia, seguindo-se os demais termos do processo até final * Reaberta a audiência final, o Tribunal «a quo» decidiu absolver as sociedades "(…) – Investimentos Turísticos e Hoteleiros do Algarve, Limitada" e "(…), Unipessoal, Lda.” dos pedidos formulados.

* Os recorrentes não se conformaram com a referida decisão e nas suas alegações apresentaram as seguintes conclusões: «I. Os autos refletem, testemunhal, documental e adquiridamente, que a venda efetuada pela recorrida (…), à recorrida (…), dos prédios rústicos sitos na freguesia da Guia, concelho de Albufeira e na zona da Chamusca, foi simulada, criando uma aparência de valores, no que ao negócio em si diz respeito, bem sabendo que o valor dos mesmos era, efetivamente, outro, bastante superior.

  1. Mais concretamente, no que ao negócio do prédio rústico sito na freguesia da Guia, concelho de Albufeira, que o mesmo não tinha um valor de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros), mas sim de € 80.000,00 (oitenta mil euros), ou, como refere o relatório pericial de fls. 459 e ss., constante também do ponto 26 dos factos provados, o valor de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros).

  2. Andou assim mal o Tribunal a quo ao considerar como provado o art. 16.º dos factos dados como provados, e, por conseguinte, não dar como provados os constantes da al a), b), d), e) e f) dos não provados, constantes da sentença recorrida, na medida em que não considerou os âmbitos temporais de constituição da recorrida (…), e em que o negócio de venda do prédio rústico, sito na freguesia da Guia, concelho de Albufeira, foi feito, mais concretamente o facto de a recorrida (…), ter sido constituída em 14/11/2016 e a venda dos imóveis a esta, por parte da recorrida (…), identificados no ponto I das conclusões, ter sido efetuada três dias depois, ou seja, dia 17/11/2016.

  3. Tudo sem ter sido dado conhecimento aos recorrentes, conforme ponto 23 dos factos considerados como provados, que ignoravam tal facto até receberem uma comunicação por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, para pagamento do IMI, onde, aí, constataram que aqueles imóveis já não faziam parte do ativo da recorrida (…).

  4. Bem como, sem ter sido celebrado qualquer contrato de promessa de compra e venda, negociação de valores, visita aos prédios e avaliação dos mesmos por parte do gerente da recorrida (…).

  5. Numa completa ignorância de todos os parâmetros normais, atinentes a uma negociação de um imóvel, com salvaguarda dos interesses de quem os adquire, bem sabendo o gerente da recorrida (…), (…), que teria até ao final do mês de dezembro para o fazer, ou seja, ainda teria cerca de 45 dias para adquirir um imóvel e assim beneficiar da isenção do IMI.

  6. Tais factos, ora explanados, tiveram por base o depoimento do gerente da recorrida (…), (…), que atestou tudo o vertido e melhor analisado no presente recurso e, especificamente, também, nas presentes conclusões e nas suas passagens 09:09 a 15:50 e 16:03 a 21:55.

  7. Não se pode crer, assim conhecendo toda a burocracia e desconfiança existente no mundo do negócio imobiliário, que aquele confiasse num primeiro valor referido para aquisição, sem qualquer proposta de negociação e que não conhecesse o valor real do mesmo, ou o fizesse sem querer conhecer os seus intervenientes e se o negócio era, em si, seguro para os seus interesses.

  8. Também o facto de o mesmo ter procedido, a posteriori, à venda do imóvel sito na freguesia da Guia, concelho de Albufeira, por um preço bastante superior, revela que o gerente da recorrida (…), não desconhecia o facto de os mesmos terem um valor bastante superior ao adquirido.

  9. Até porque este imóvel se encontrava a “(...) cerca de quinhentos metros do mar, tem frente para uma estrada asfaltada e encontra-se inserido numa área de expansão urbana. (...)”, em que a zona envolvente se encontrava com “(...) tudo infraestruturado. (...)” e, como tal, o valor teria de ser efetivamente superior, com um mínimo “(...) entre os cinquenta e os sessenta euros por m2 (...)”.

  10. Revela sim que não só conhecia o valor real dos imóveis em questão bem como que conhecia o gerente da recorrida (…), (…), pois só dessa forma se pode conceber a realização de um negócio, de tamanha importância, burocracia e risco, num curtíssimo espaço de tempo.

  11. Tudo, naturalmente, com o objetivo firmado de obstar a que os recorrentes, enquanto sócios da recorrida (…), recebessem a parte correspondente dos bens da sociedade.

  12. Pelo que, nunca podia o Tribunal a quo considerar, como provado, o facto constante do art. 16.º da sentença recorrida, bem como, como não provados, os factos constantes da al. a), b), d), e) e f) da mesma, pelo que foram os mesmos incorretamente julgados por erro na apreciação da prova produzida.

  13. Andou mal também o Tribunal a quo ao considerar o art. 21.º dos factos provados, como provado, na medida em que o imóvel sito na freguesia da Guia, concelho de Albufeira, era “dotado” de uma ruína com viabilidade construtiva, não obstante a sentença recorrida considerar exatamente o contrário.

  14. Atentando o documento junto pelos recorrentes, em 07/03/2018, constituído por declaração emanada pela Câmara Municipal de Albufeira, junto aos autos, pela leitura do mesmo verificamos que a viabilidade construtiva apenas foi indeferida por uma questão de densidade, a saber “(...) o requerente propõe uma densidade de 190 Hab/Hect, numa zona onde a densidade prevista é de 50 Hab/Hect”.

  15. Quer por via da construção, em ruina, existente, quer em face do elemento urbanístico que se pretende edificar, constata-se que a edificação no prédio objeto dos presentes autos é, em face do PDM de Albufeira, uma realidade.

  16. Realidade essa que ficou plasmada no relatório pericial, de fls. 459 e ss., elaborado pelo perito Eng.º (…), na sequência de imposição pelo Tribunal da Relação de Évora, quando refere que “é possível a reconstrução e ampliação da construção existente”.

    XVIIII. Como tal, o valor pelo qual o mesmo foi vendido não corresponde à realidade fáctica.

  17. Até porque, através do relatório acima elencado foi dada, como provada, a factualidade vertida no ponto 26.º dos factos provados, considerando-se que, de acordo com o mesmo, o imóvel, sito em Albufeira, possui um valor estimado de mercado que rondará os € 190.000,00 (cento e noventa mil euros).

  18. Na mesma linha de entendimento foi o depoimento da testemunha (…), Eng.º Civil, que, em face da sua experiência na área, referiu ser aquele prédio rústico edificável, conforme se pode ver pela passagem do seu depoimento de 10:40 a 12:3050, e em face do acompanhamento efetuado junto dos sócios, falecido e sobrevivo, da recorrida, (…), no que à compra de imóveis diz respeito, em que refere que aquele sócio “face a outras situações semelhantes que (...) tinha no Algarve, provavelmente queria desenvolver um projeto imobiliário (...)”, bem como pela recorrente (…), nas suas declarações, passagens 21:50 a 23:00.

  19. Nunca podia, assim, o Tribunal a quo considerar como provado o facto constante do art. 21.º da sentença recorrida, e como não provados os factos constantes das alíneas a), b), d), e) e f) da mesma, por erro na apreciação das provas, que impunham decisão diversa da recorrida.

  20. Não se percebe assim, como pode o Tribunal a quo não valorar um relatório pericial que é claro e elucidativo quanto ao valor do imóvel sito em Albufeira e que demonstra, no seu todo, que o negócio realizado entre as recorridas foi simulado e teve como objetivo firmado obstar a que os recorrentes, enquanto sócios da recorrida, (…), recebessem a parte correspondente dos bens da sociedade.

  21. O invocar, por parte do Tribunal a quo de que “(...) o imóvel situa-se em zona de reserva agrícola e, por essa via, possui limitações (...)”, que “(...) determinam que o pressuposto com base no qual a avaliação do imóvel em causa é feita pelo perito não passe de uma potencialidade ou de uma mera expetativa” demonstram, por si só, e com o devido respeito, uma cegueira judicial, visto que não é expetável, de acordo com os critérios de experiência comum e de lógica do homem médio, que um imóvel, avaliado entre € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) e € 80.000,00 (oitenta mil euros), objeto de perícia que determinou o seu valor em € 190.000,00 (cento e noventa mil euros), fosse vendido, imagine-se, pelo valor irrisório de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros), sem que por detrás desse negócio estivesse uma intenção, inequívoca, de prejudicar os recorrentes.

  22. O valor de venda encontra-se...

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