Acórdão nº 517/20.0T8BNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução12 de Janeiro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO Seniores em Casa, Cuidados Domiciliários, Lda.

instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, pedindo que: a) seja reconhecida a propriedade da autora sobre o veículo automóvel, marca ..., com a matrícula ..-NU-..; b) o réu seja condenado a restituir-lhe imediatamente essa viatura; c) o réu seja condenado a pagar à autora uma sanção pecuniária compulsória ao abrigo do disposto no artigo 829º-A, n.º 1 do Código Civil, por cada dia de incumprimento de restituição do veículo automóvel desde o trânsito em julgado até efetivo e integral cumprimento, no valor de € 50,00 por dia.

Alega, em síntese, que o referido automóvel é propriedade da autora e que o réu se encontra na posse do mesmo, arrogando-se seu proprietário, bem sabendo que tal viatura é destinada à prossecução da atividade comercial da autora, sendo que o réu foi destituído do cargo de gerente da autora.

O réu contestou, contrapondo que celebrou com a autora um acordo em 21.08.2013, nos termos do qual a autora se comprometeu, findo o contrato de aluguer de longa duração que teve por objeto o dito veículo, a registar o direito de propriedade do mesmo a seu favor, sem qualquer contrapartida pecuniária, em virtude de o réu ter colocado à disposição da autora um veículo de sua propriedade durante 3 anos.

Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.

Teve lugar a audiência final, sendo proferida sentença com o seguinte dispositivo: Face ao exposto, julgo a presente ação totalmente procedente e, em consequência: «

  1. Reconheço a Autora SENIORES EM CASA CUIDADOS DOMICILIÁRIOS, LDA. dona e legítima proprietária do veículo automóvel, de marca ..., com a matrícula ..-NU-..; b) Condeno o Réu AA a restituir o veículo automóvel identificado em a) à Autora SENIORES EM CASA CUIDADOS DOMICILIÁRIOS LDA.

  2. Condeno o Réu AA no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no montante de € 50,00, por cada de incumprimento na restituição do veículo automóvel identificado em a), após o trânsito em julgado da presente sentença.

    Custas a cargo do Réu.

    Registe e notifique.

    » Inconformado, o réu apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das seguintes conclusões[1]: 6ª) – Decorre da matéria provada nos pontos 4., 5., 7., 22., 24. e 25. que a autora tinha conhecimento dos termos e condições de utilização da viatura desde data anterior à instauração da presente ação, e dos pontos 9., 10. e 11. dos factos provados que no início de 2019 cessou a união de facto em que viveram BB, a nova gerente da autora, e o réu e que foi apenas no contexto desse grave conflito (em surgiram, entre outras, as ações judiciais dos pontos 15., 16. e 18. dos factos provados) que BB requereu, a 17-julho-2020, o registo da propriedade em questão.

    1. ) – Mas sobretudo, resulta provado por acordo das partes – ter sido alegado na contestação e nunca ter sido impugnado – que na data da assembleia geral da sociedade autora realizada a 20-agosto-2019, em que o réu foi destituído de gerente e a referida BB se tornou a nova gerente da sociedade, esta mesma entregou as chaves da citada viatura ao réu.

    2. ) – Assim, – cfr. pontos 4. e 22. a 25. da matéria provada – desde a data da celebração do ALD em julho de 2013 até à instauração desta ação em 2020, o apelante utilizou a viatura destes autos com o acordo da autora, pelo que ficou provado exatamente o contrário do concluído no ponto 26. da matéria provada na sentença em recurso, o que implica que o mesmo tenha de ser alterado em conformidade.

    3. ) – Consequentemente, ao dar como assente matéria em sentido oposto ao que resulta provado e ao deixar de incluir entre a mesma a matéria dos factos provados pelos referidos documentos, todos da maior relevância para os temas dos autos, o tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, devendo a sentença ser alterada em conformidade, passando a considerar entre os Factos provados os seguintes pontos: 21. A propriedade do veículo, de marca ... e matrícula ..-NU-.., encontra-se registada a favor da Autora, conforme pedido de registo apresentado a 17-julho-2020.

      1. Desde a celebração do contrato de aluguer de longa duração em julho- 2013 e mesmo após a destituição do cargo de gerente que exercia junto da Autora, o Réu utiliza o veículo, de marca ..., modelo ... (A7), com a matrícula ..-NU-.., com o consentimento da sociedade Seniores em Casa, Cuidados Domiciliários, Lda.

      2. Entretanto, o réu continuou até ao presente a pagar as despesas devidas pelo proprietário da viatura, como a respetiva inspeção periódica obrigatória e o seguro.

    4. ) – A Meritíssima Juiz a quo julgou o acordo no ponto 7. mencionado na conclusão 4ª) supra como um contrato promessa “(…) inominado e atípico, na medida em que a primeira se obrigou perante o segundo a transferir-lhe o direito de propriedade do veículo automóvel (…).”, acordo a concretizar sem qualquer pagamento (e sem qualquer ónus ou encargos) por esta transmissão de propriedade constituir a contrapartida de o apelante ter colocado à disposição para utilização total da seniores uma outra viatura do apelante (..., matrícula ..-..NU); e se a sociedade incumprir e não transferir o ... para o apelante no prazo de 12 meses a contar do termo do ALD, a seniores pagará ao apelante 8.000,00€.

    5. ) – Desde logo do texto se vê que a transmissão da propriedade resulta de uma contrapartida com outro veículo, sem dependência da qualidade de gerente, pelo que a destituição de gerente não afeta a promessa em causa, tanto mais que, na data da sua destituição, a nova gerente lhe entregou as chaves da viatura – cfr. conclusão 7ª) acima.

    6. ) Ao invés, a viatura foi entregue ao apelante para sua utilização plena ao abrigo do mencionado acordo e das suas ditas condições resulta que a vontade das partes foi a de no final do ALD ser transferida, definitivamente, a propriedade da viatura para o apelante (ou para quem este indicasse), tanto mais que (cfr. clausulado), em caso de incumprimento, a seniores se obrigou a pagar 8.000,00€ ao apelante.

    7. ) Mais, o facto de a autora ter conhecimento do acordo, conjugado com os demais factos provados referidos, coloca fundadamente em crise a conclusão de que a autora tenha adquirido a propriedade da viatura (registo que à data da ação tinha 2 meses), tanto mais que entre julho de 2019 (cessação ALD) e julho de 2020 (data em que a autora requereu o registo da propriedade) o apelante manteve a utilização / posse do veículo, comportando-se como o seu proprietário. Ademais, o cumprimento do acordado implicava o registo da propriedade em nome do apelante.

    8. ) - Pelo que, o tribunal a quo, ao concluir que a autora é proprietária por força da presunção resultante do registo, errou na interpretação e aplicação das normas que sustentam tal conclusão e do art.350º do Código Civil e, por isso, deve ser alterada no sentido de concluir que o conhecimento que a autora tinha do acordo dos autos e suas condições, impede o funcionamento da presunção legal do registo – que assim se considera ilidida – e, portanto, não ficou provado o direito de propriedade da autora e, em consequência, o apelante deve ser absolvido do demais peticionado.

      15º) – Acresce que tem sido crescentemente admitida na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de verificação, a título excecional, de verdadeira posse assente em contrato-promessa, como, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido a 26-03-2019 no processo 7822/16.9T8CBR.C1; e nos Acórdãos do STJ de 12/07/2011, proc.899/04.1TBSTB.E1.S1 e de 12/03/2015, proc.3566/06.8TBVFX.L1.S2 (acessíveis em www.dgsi.pt), donde resulta que, se da ponderação casuística dos termos e conteúdo do negócio, das circunstâncias que o rodearam e das vicissitudes que se lhe seguiram, resultar a intenção de transferir, desde logo, para o promitente comprador a posse do bem, como acontece nos casos do pagamento total do preço; ou se com a entrega o promitente comprador passou a agir com se o bem fosse dele ou em circunstâncias que revelem expetativa da irreversibilidade da situação, a posição do promitente transmitente merece a qualificação de verdadeiro possuidor.

    9. ) – Ora, de toda a factualidade provada...

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