Acórdão nº 1003/16.9T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | SILVA RATO |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: Proc. n.º 1003/16.9T8FAR.E1 Apelação Comarca de Faro (Faro-JLCível-J1) Recorrente: BB Recorridos: o Estado Português e Outros R02.2018 I.
BB, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de CC e de DD intentou a presente Acção Declarativa, com Processo Comum, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, (II) o Município de Faro, na pessoa do Presidente da Câmara Municipal de Faro, (III) e a "Polis Litoral Ria Formosa - Sociedade para a requalificação e Valorização da Ria Formosa S.A.", pedindo a condenação dos Réus a reconhecerem os direitos de posse e propriedade plena da Herança aberta por óbito dos seus pais quanto à casa n.º …, do núcleo do Farol Nascente, Ilha da Culatra, 8005-… Faro, bem como ao terreno onde a mesma se encontra edificada e respectivo logradouro.
Mais pede que sejam os Réus condenados a reconhecer que tal imóvel (casa e terreno onde a mesma está implantada e respectivo logradouro) foi adquirido por usucapião, dado o decurso do tempo do exercício ininterrupto da posse (pública, pacífica e sem oposição) e com a consciência da propriedade desse imóvel e que com isso não lesam direito ou interesses de terceiros ou do Estado, actuando desde sempre em conformidade com essa consciência.
Alegou para o efeito, em síntese, que a casa em apreço foi construída em 1972 em terreno que pacifica e publicamente ocupou nesse mesmo ano tendo, desde essa altura, começado a exercer a qualidade de proprietária e possuidora, assim se comportando a vista de todos.
Mais alega que, em virtude de deliberação do Conselho de Administração da Pólis Litoral Ria Formosa foi determinada a demolição da aludida casa, o que motivou que a Autora intentasse no Tribunal Administrativo de Loulé acção com vista à declaração de nulidade ou anulação daquela.
Assim e tendo o Tribunal Administrativo de Loulé entendido que a questão da aquisição por usucapião do imóvel em apreço consubstanciava questão prejudicial, lançou mão da presente acção com o intuito de ver, conforme já aludido, reconhecido o direito de propriedade de que se arroga.
Entende a Autora que o núcleo onde se encontra implantada a sua construção (núcleo do Farol Nascente) e que se situa na ilha da Culatra, foi alvo de um processo de apropriação por privados na decorrência da alteração social, política e legislativa que se deu com o 25 de Abril de 1974 e onde se circunscreve a ocupação por parte da Autora.
Desta feita e entendendo que os terrenos em causa integram o domínio privado do Estado, entende a Autora que, por ter preenchido os respectivos requisitos, adquiriu o mesmo por meio da usucapião, o que pede que seja reconhecido.
A Ré "Polis Litoral Ria Formosa - Sociedade para a requalificação e Valorização da Ria Formosa S.A.", defendeu-se por excepção, alegando a ilegitimidade activa e passiva, e impugnou, em termos genéricos, os fundamentos de facto e de direito em que assenta o pedido de reconhecimento de propriedade deduzido pela Autora.
Alegou esta Ré, em síntese, que os terrenos em causa integram domínio público marítimo, circunstância que, desde logo, inviabiliza a pretendida aquisição por usucapião e conforme, de resto, atesta a "Agência Portuguesa do Ambiente, LP.".
Acresce, prossegue esta Ré, que contrariamente ao alegado em sede de petição inicial os terrenos em apreço não foram objecto de "processo de apropriação", tendo a ilha da Culatra sido sempre administrada pelas autoridades competentes com jurisdição no domínio público marítimo tendo, inclusivamente, sido concedidas algumas construções. Desta forma e seguindo a linha de raciocínio da Ré ora em apreço, nunca a Autora actuou com o "animus" característico da posse porquanto actuou ao abrigo de uma autorização tácita e com o consentimento das autoridades públicas pelo que, tendo embora o "corpus" da posse, não o fez com o "animus" de proprietária, mas sim em nome alheio, como mera detentora autorizada: a Autora, conclui, não é dona da construção e terreno identificados nos autos, apenas se aproveitou da tolerância do titular do direito.
Mais adianta que, ao construir em zona de domínio público, incorreu a Autora em crime de violação das regras urbanísticas, sendo que a construção de obra sem projecto aprovado (e ainda que se concebesse a existência de licença ou concessão de uso privativo dos terrenos em apreço) tem como consequência a demolição compulsiva, sendo falsa a invocação de desnecessidade de licença para a construção identificada nos autos.
Por fim, invoca a Ré Polis que, ainda que por hipótese académica se admitisse que os terrenos em causa se inseriam em domínio privado do Estado, sempre a pretensão da Autora teria de naufragar e atendendo à impossibilidade de desanexação da parcela de terreno por efeito da mera posse.
Assim, alega a Ré, o alegado terreno não tem descrição predial, não tendo sido invocada a existência de qualquer prédio autónomo e desanexado (de facto e de direito), sendo que todos os actos de fraccionamento (com ou sem construção) têm que obedecer a um processo formal de loteamento, condicionalismos que não se verificam no caso em apreço.
Desta feita, conclui a Ré Polis pela total improcedência dos pedidos formulados nos autos.
O M.ºP.º, em representação do Estado Português, apresentou a sua Contestação pugnando, igualmente, pela improcedência total dos pedidos formulados nos presentes autos.
Assim, aceitando apenas que o terreno identificado nos autos foi ilegalmente ocupado e as construções ilegalmente edificadas, impugna o Estado Português, em suma, os fundamentos de facto e de Direito vertidos na petição inicial.
Entende o Réu ora em destaque que o sistema da Ria Formosa constitui unidade morfológica onde se inclui a ilha da Culatra, sendo que o sistema de barreiras arenosas protege e assegura a manutenção do sistema lagunar, o qual está sujeito a alterações em resultado do movimento das areias transportadas pelas águas. A ilha da Culatra é, de acordo com' a tese defendida em sede da contestação ora em análise, formada pela progressiva deposição de areias e, assim, constituída em toda a sua extensão por areias formados por deposição aluvial.
É no seguimento deste entendimento que a "Agência Portuguesa do Ambiente, LP." considera e declara toda a ilha da Culatra como área de domínio público marítimo do Estado.
Acresce que, ao longo dos anos, sempre o Estado considerou a ilha da Culatra como pertencente ao domínio público marítimo, seja autorizando a transferência de uma determinada porção terreno para a Marinha (sem mutação dominial), seja emitindo licenças a título precário para a manutenção de barracas, qualificando sempre os terrenos como situados em "domínio público marítimo".
Partindo deste mesmo pressuposto se considerou, em sede de Plano de Ordenamento da Orla Costeira Vilamoura - Vila Real de Santo António, que (toda) a ilha da Culatra "tem carácter de dominialidade do domínio hídrico" e que será "objecto de elaboração de acções renaturalização" .
Sendo para o Estado Português indubitável que a Ilha da Culatra pertence, em toda a sua extensão, ao domínio público do Estado, está afastada do comércio jurídico, não sendo susceptível de aquisição por usucapião, o que desde logo inviabiliza a pretensão da Autora.
Por outro lado, assinala este Réu, não alegou a Autora qualquer fundamento que permita um eventual reconhecimento da propriedade sobre parcelas de leito, nos termos do disposto no artigo 15º do DL 54/2005.
Acresce que, de acordo com o pedido formulado na petição inicial, entende o Reu Estado que a Autora pretende transformar o terreno alheio que ocupou em prédio autónomo e uma vez que pretende igualmente o' reconhecimento da propriedade da construção nele edificada, legalizando, assim, em termos urbanísticos, todo o "prédio". Ora, de acordo com a lei em vigor à data da ocupação, para que se procedesse ao loteamento de um prédio com a destinação da construção, necessário era a competente licença da Câmara Municipal, o que manifestamente não ocorreu no caos em preço.
Desta feita, entende o Digno Procurador da República, que não pode uma sentença judicial ultrapassar exigências e regulamentos urbanísticos de interesse público, o qual deverá, por imperativo legal, ser respeitado, pelo que inexiste, de todo o modo, suporte legal que permita o reconhecimento da pretendida usucapião sobre o peticionado prédio autónomo.
Efectuado julgamento foi proferida Sentença, em que se decidiu o seguinte: “Termos em que julgo improcedente a presente acção e respectivos apensos e, em consequência, absolvo os Réus "Polis Litoral Ria Formosa - Sociedade para a requalificação e Valorização da Ria Formosa S.A." e Estado Português do pedido.
…” Inconformado com tal Decisão, veio o Autor interpor Recurso de Apelação, cujas Alegações terminou com a formulação das seguintes Conclusões: A).- A Ilha da Culatra é uma Ilha, em ambiente marinho, cercada de água do mar; pelo que quanto a ela e à natureza e regime jurídico do seu leito, no que releva para a integração ou não no domínio público marítimo, regem o nº 2 do art. 10º e os nº 1, 2 e 6 do art. 11º da Lei nº 54 /2005 de 15 de Novembro, e ainda o art. 121, nº 1 da Convenção da Nações Unidas sobre o Direito do Mar, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97 de 14 de Outubro.
B).- A Ilha da Culatra não constitui um leito e muito menos, enquanto Ilha em ambiente marinho, não é aluvião nem foi constituída por deposição aluvial ou aluvionar.
C).- Os mouchões, lodeiros e areais formados por aluvião são fenómenos específicos de ambiente familiar e realidades que só existem e se verificam em rios, como ficou provado nos autos pelos professores catedráticos e investigadores de geologia que aí testemunharam e emitiram parecer.
D).- Como flui desses depoimentos e parecer, nos leitos das águas do mar – e concretamente nas ilhas barreira da Ria Formosa (onde se inclui a Ilha da Culatra) – não existem aluviões ou...
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