Acórdão nº 6/05.3TBOFR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelHÉLDER ALMEIDA
Data da Resolução02 de Junho de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1.

A...

e B...

intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de...., a presente acção sob a forma de processo ordinário contra a Companhia de Seguros C...

, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 186.310, cabendo à A. A...o montante de € 123.810 e à A. B...a quantia de € 62.500, quantias essas acrescidas dos juros legais desde a citação para a presente acção.

Para tanto alegam, em síntese, que no dia 11 de Maio de 2003, cerca das 10 horas, ocorreu um acidente de viação, consubstanciado no atropelamento de D...

pelo veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula XS-00-00, acidente esse que se ficou a dever à culpa do respectivo condutor e proprietário, o qual circulava a velocidade próxima dos 100 Kms/hora, dentro da localidade da X..., manifestamente desatento e com desconsideração em relação a todo o restante tráfego da via em face das características desta.

Assim, entrou o mesmo com tal veículo numa curva que se lhe apresentava para a esquerda, de modo imprevidente e temerário, quando deu conta que na sua frente circulava um peão ‑ o dito D...‑, no mesmo sentido de marcha e rente ao muro direito que ladeia a via por essa lado, e que em sentido contrário, por seu turno, se aproximava a circular um veículo pesado de mercadorias.

Não conseguindo travar ou reduzir a velocidade, foi, por isso, colher com grande estrondo e violência o mencionado peão, por detrás, fazendo embater a frente direita do veículo no tronco e nas pernas do peão, projectando-o para a frente numa distância de mais de quinze metros; sendo que em consequência de tal embate sofreu o peão gravíssimos ferimentos que foram causa adequada da sua morte.

Em resultado desta ‑prosseguem‑, resultaram danos, traduzidos na perda do direito à vida deste, na angústia sentida pela vítima ao aperceber-se do seu iminente falecimento, nos sofrimentos tidos pelas AA. pela perda do marido e pai, e, ainda, os atinentes às despesas de funeral e à diferença entre a pensão que aquele era processada pela Caixa Geral de Aposentações da qual era beneficiário, no montante de € 2.790,60 ‑montante esse que, por ser muito poupado, canalizava na totalidade para o sustento e melhoria de vida do seu casal‑ e aquela que a A. A..., na qualidade de viúva, passou a receber, no montante de € 1.395,00, sendo que o mesmo, pela sua óptima saúde e excepcionais características de longevidade da família a que pertencia, tinha à sua frente uma probabilidade de vida de seguramente mais dez anos, danos esses, na íntegra, pelos quais é a R. responsável em virtude do contrato de seguro por ela celebrado com o proprietário do veículo XS com referência a este.

  1. Citada, a Ré apresentou contestação, impugnando o circunstancialismo de modo em que ocorreu o acidente descrito pelas AA. no seu petitório, e ainda outros que respeitam à personalidade da vítima, relacionamento desta com as AA. e demais condições de vida daquele, por alegar desconhecer se correspondentes à verdade e sem obrigação desse conhecimento, aceitando os demais factos, aduzindo, quanto à dinâmica do acidente ‑em síntese‑, que este ocorreu quando o condutor do XS se deparou com a prefalada curva, de visibilidade muito reduzida, e bem assim com o peão à sua frente, a escassos 10-12 metros, e outrossim o também aludido veículo pesado, não conseguindo evitar o embate no peão por não poder dirigir o veículo para a esquerda, ficando o acidente a dever-se à culpa do peão que circulava a 50 cm da berma e com falta de atenção e cuidado exigíveis.

    Rematou, pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido.

  2. Em réplica as AA. impugnaram a versão trazida aos autos pela Ré, terminando como na inicial.

  3. Seguindo os autos os seus ulteriores e normais trâmites, foi por fim proferida douta sentença, julgando a acção parcialmente procedente, em consequência condenado a Ré no pagamento ‑ no tocante à A. A..., do montante global de € 42.560,00, acrescido de juros legais desde a citação sobre a quantia de € 1.310,00, e desde a data da decisão sobre a restante quantia de € 41.250,00, à taxa legal de 4% e até integral pagamento.

    ‑ no concernente à A. B..., do montante global de € 31.250,00, acrescido de juros à taxa legal de 4%, desde a mesma decisão e até integral pagamento.

  4. Irresignadas com o assim decidido, os AA. interpuseram o vertente recurso de apelação, cujas alegações encerram com as seguintes conclusões: 1.ª Atenta a matéria de facto dada como provada, os critérios jurisdicionais dominantes e as construções doutrinárias que têm fornecido a interpretação do disposto no art.º 496, n.ºs 1 a 3, do Código Civil, não pode o direito à vida da vítima ser computado em quantia inferior à peticionada ( cinquenta mil euros ); 2.ª Na verdade, o entusiasmo, a alegria, a craveira intelectual e a produção intelectual da vítima, não consentem que tal dano seja estimado em quantia inferior, até porque tem sido este o montante desde há muito atribuído pelos Tribunais Superiores para situações de muito menor relevância; 3.ª Também os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, atento o tempo que mediou entre a lesão e a morte, designadamente o sofrimento físico e psíquico e a angústia consciente que dela se apossou, não deve ser estimado em quantia inferior à peticionada (quinze mil euros ); 4.ª Finalmente os danos não patrimoniais directos pela A. B...não podem ser estimados em montante inferior ao que ao mesmo título foi atribuído à A. A..., já que nenhuma fundamentação existe, nem foi invocada, para qualquer discrepância; 5.ª Ao não decidir assim, violou a douta sentença recorrida o disposto no art.º 496, n.ºs 1 a 3, do Código Civil.

  5. A Ré Seguradora apresentou, por sua vez, contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

    Nada a tal opondo, cumpre decidir.

    II – FACTOS Na douta sentença foi tida por provada a factualidade seguinte: 1. No dia 11 de Maio de 2003, cerca das 10.00 horas, em X..., freguesia de Y...concelho e comarca de Z..., ocorreu um acidente de viação.

  6. No dia e hora assinalado em 1., seguia pela Estrada Municipal que atravessa X..., no sentido Cambra - Vilarinho, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula XS-00-00, conduzido pelo seu proprietário, E...

    , residente no lugar de YY..., concelho de XX---.

  7. O XS seguia dentro da povoação de X..., atravessando-a, em troço da via ladeado, em ambos os lados da via de trânsito, ininterruptamente, por casas de habitação, estabelecimentos comerciais e por uma escola primária.

  8. No sentido que seguia o XS, após uma recta com 500 m, há uma curva fechada para a esquerda.

  9. No local onde a curva referida em 4. se inicia, encontram-se situados, à direita, a escola primária, o apeadeiro de paragem dos autocarros e o café Q--- e, à esquerda, residências habitacionais variadas.

  10. Constitui um local central da povoação, onde quase praticamente a todo o momento se encontram grupos de pessoas paradas em frente ao Café Q---, algumas naquele estabelecimento entrando e outras dele saindo, ainda outras juntando-se no apeadeiro dos transportes públicos, para além de crianças saindo ou entrando para o espaço da escola primária ali implantada, em funcionamento diário regular e contínuo, desde há mais de meio século.

  11. No início da curva descrita em 4., a via é asfaltada, medindo 4,60 m de largura e não possui bermas em qualquer dos seus lados.

  12. Do lado direito, atento o sentido de marcha do XS, a via é ladeada por uma pequena valeta de cerca de 40 cm de largura, destinada ao curso das águas pluviais.

  13. Do lado esquerdo, atento. o sentido de marcha do XS, a via pavimentada entronca directamente nos muros das construções e respectivos pátios ou quintais que ladeiam a estrada.

  14. Imediatamente antes do início da curva referida em 4., para quem circula no sentido em que o condutor do XS o fazia, encontra-se plasmada no chão, sensivelmente em frente à escola primária, urna passadeira de peões.

    11. No mesmo dia e hora referidos em 1., D...circulava a pé na mesma estrada descrita em 2.

  15. O D...tomava o mesmo sentido de marcha que o XS (sentido Cambra Vilarinho)...

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