Acórdão nº 1421/06.0TBAVR – H.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 24 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelGONÇALVES FERREIRA
Data da Resolução24 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: Por apenso à acção especial de declaração de insolvência intentada contra A...

, vieram os requerentes da insolvência, B...

e outros, defender, através da dedução do pertinente incidente, a qualificação da insolvência como culposa, alegando ter ficado provado na sentença que decretou a insolvência factualidade susceptível de integrar as hipóteses das alíneas h) do nº 2 e a) e b) do nº 3 do artigo 186º do CIRE.

O administrador da insolvência juntou parecer, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 188º do CIRE, onde concluiu pela qualificação da insolvência como culposa, com culpa grave dos administradores da insolvente, C...

e D...

, por falta de observância da norma do art. 18.º, n.º 1, daquele diploma, articulada com as alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 186º e com a alínea h) do nº 2 do artigo 186º, ambos, igualmente, do mesmo ordenamento legal.

O ex.mo magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de estarem verificadas, pelo menos, as circunstâncias previstas na alínea h) do n.º 2 e nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 186º do CIRE, pelo que terá de se presumir a existência de culpa grave, com a consequente qualificação da insolvência como culposa.

Cumprido o n.º 5 do artigo 188º do CIRE, os requeridos C... e D... deduziram oposição, tanto por excepção, como por impugnação.

Excepcionando, alegaram a extemporaneidade do parecer sobre a qualificação da insolvência apresentado pelo administrador, por inobservância do prazo referido no n.º 2 do artigo 288º do CIRE, e a nulidade do despacho proferido a fls. 13, através do qual foi ordenada a notificação do mesmo administrador para apresentar o parecer sobre a qualificação da insolvência, por ter sido proferido quando já tinha decorrido o prazo para a apresentação, estabelecido no n.º 2 do artigo 188º do mesmo diploma, nulidade essa que acarreta a nulidade de todos os actos praticados ao seu abrigo, designadamente a junção dos pareceres do administrador e do Ministério Público.

Impugnando, sustentaram que a insolvência não poderá ser qualificada como culposa, por não haver obrigação legal, da sua parte, de requerer a declaração de insolvência, de terem sido cumpridas todas as obrigações de elaborar as contas anuais dentro do prazo, de a aprovação das contas e o depósito das mesmas na Conservatória do Registo Comercial só não ter ocorrido por circunstâncias estranhas à sua administração, e por ser infundamentado o apelo, constante do requerimento dos reclamantes e dos pareceres juntos, ao disposto na alínea h) do nº 2 do art. 186º do CIRE, uma vez que não foram alegados factos concretos e objectivos do condicionalismo ali previsto. No despachado saneador foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas.

A selecção da matéria de facto foi objecto de reclamação parcialmente atendida.

Realizado o julgamento e fixada a matéria de facto, foi proferida sentença que qualificou a insolvência de A... como culposa, declarou afectados pela qualificação os administradores da insolvente, C... e D..., decretou a inabilitação de ambos por um período de dois anos e declarou os mesmos inibidos para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante um período de tempo idêntico.

Do assim decidido interpuseram recurso os requeridos (recebido como apelação, com subida imediata no apenso e efeito devolutivo), que apresentaram a sua alegação, rematada por 66 conclusões que são, na prática, a cópia daquela (desconhecerão, porventura, o significado do adjectivo “sintética”, utilizado no n.º 1 do artigo 690.º do CPC), mas que, facilmente, se podem resumir às nove seguintes: 1) A qualificação da insolvência como culposa teve como pressupostos a omissão do dever de requerer a declaração de insolvência, a violação da obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na Conservatória do Registo Comercial e o incumprimento da obrigação de manter contabilidade organizada, a manutenção de uma contabilidade fictícia ou dupla contabilidade e a prática de irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.

2) Ora, os factos dados como provados nos pontos 9, 10, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 36, 37, 38, 39, 41, 42 e 43 infirmam a verificação dos requisitos da obrigação de requerer a insolvência.

3) Não ocorre, também, o incumprimento de elaborar as contas anuais e de as submeter à devida fiscalização, na medida em que os relatórios de gestão foram elaborados, as contas só não foram aprovadas, primeiro, por ter sido instaurada um procedimento cautelar de suspensão de deliberação social contra a insolvente, e, depois, por terem cessado funções dois membros efectivos do conselho fiscal, e não é da responsabilidade da administração a inexistência de relatório do conselho fiscal.

4) Não se verifica, igualmente, a hipótese da alínea h) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, porquanto o balanço da insolvente era o reflexo da realidade e do cumprimento das normas contabilísticas.

5) O Tribunal errou ao considerar somente provado, no ponto 27, que “estes projectos podem ter alguma importância como suporte técnico de reparações de navios”.

6) A matéria de facto do ponto 28 (“foi efectuado um aumento de capital no valor de € 797.594,00, mas ficticiamente uma vez que houve entrada daquele montante no caixa saída quase imediata do mesmo para entrega à entidade que o emprestou”) deve ser considerada não provada, pois que não foi carreado um único facto susceptível de retirar tal presunção.

7) A insolvência tem de ser considerada fortuita, pelo que a decisão de inabilitação, bem como a de inibição do comércio têm de ser revogadas.

8) De todo o modo, a norma do artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do CIRE foi declarada inconstitucional, o que obsta à manutenção da decisão de inabilitação.

9) A sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto no n.º 1, no n.º 2, alínea h) e no n.º 3, alínea a), do artigo 186.º do CIRE, devendo, pois, ser substituída por outra que qualifique a insolvência como fortuita e revogue a afectação pela qualificação e, bem assim, a inabilitação e a inibição decretadas em relação aos requeridos. O MP contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

São as seguintes as questões a requerer solução:

  1. A alteração da matéria de facto.

  2. A qualificação da insolvência.

  3. A inabilitação e a inibição para o comércio.

  4. A inconstitucionalidade das normas que prevêem a inabilitação.

    1. Na sentença recorrida foram dados por provados os seguintes factos: 1. Os A..., eram uma sociedade anónima que se encontrava matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro sob o número 00209/19401031 (A).

      1. E tinha por objecto social a indústria de construção e reparação navais, caldeiraria e construção civil e mecânica (B).

      2. A acção de insolvência nº 1421/06.0, à qual este incidente se encontra apenso, foi instaurada por 27 trabalhadores dos A... (C).

      3. Na referida acção de insolvência foi deduzida oposição pelos A..., devidamente representada pelos seus administradores, os ora oponentes C...e D... (D).

      4. No início da audiência de julgamento foram considerados assentes, sem ter sido apresentada qualquer reclamação, (além de outros) os seguintes factos: 1.º – Os Requerentes (do processo de insolvência), sob as ordens, direcção e fiscalização da Requerida (ora Insolvente), sempre exerceram com zelo e assiduidade a respectiva actividade profissional, prestando serviço no estabelecimento industrial de construção e reparação naval que a Requerida possuía e explorava sito em S. Jacinto (C).

        1. – A Requerida não pagou aos seus trabalhadores diversos salários bem como outras retribuições que lhes eram devidas (alínea E).

        2. – Com base nas retribuições em atraso, por cartas registadas com aviso de recepção enviadas à Requerida a 04.08.03, 26.06.03, 26.06.03, 01.09.03, 08.09.03, 08.09.03, 27.03.03, 26.06.03, 13.07.03, 15.09.03, 15.05.03, 10.10.03, 09.02.04, 10.04.03, 15.07.03, 27.08.03, 01.09.03, 10.12.03, 03.04.03, 16.04.03, 01.07.03, 16.07.03, 11.04.03, 01.04.03, 12.08.03, 13.10.03 e 02.12.03 (e à semelhança do que sucedeu com a grande maioria dos trabalhadores da Requerida), os Requerentes suspenderam os respectivos contratos de trabalho nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 3º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, com efeitos, respectivamente, a partir de: a) 15 de Agosto de 2003, a 1ª Requerente; b) 10 de Julho de 2003, o 2º Requerente; c) 10 de Julho de 2003, o 3º Requerente; d) 12 de Setembro de 2003, o 4º Requerente; e) 19 de Setembro de 2003, o 5º Requerente; f) 19 de Setembro de 2003, o 6º Requerente; g) 7 de Abril de 2003, o 7º Requerente; h) 10 de Julho de 2003, o 8º Requerente; i) 4 de Agosto de 2003, o 9º Requerente; j) 26 de Setembro de 2003, o 10º Requerente; l) 25 de Maio de 2003, o 11º Requerente; m) 23 de Outubro de 2003, o 12º Requerente; n) 20 de Fevereiro de 2004, o 13º Requerente; o) 24 de Abril de 2003, o 14º Requerente; p) 28 de Julho de 2003, o 15º Requerente; q) 8 de Setembro de 2003, o 16º Requerente; r) 15 de Setembro de 2003, o 17º Requerente; s) 24 de Dezembro de 2003, o 18º Requerente; t) 14 de Abril de 2003, o 19º Requerente; u) 27 de Abril de 2003, o 20º Requerente; v) 10 de Julho de 2003, o 21º Requerente; x) 26 de Julho de 2003, o 22º Requerente; z) 24 de Abril de 2003, o 23º Requerente; aa) 15 de Abril de 2003, o 24º Requerente; bb) 22 de Agosto de 2003, o 25º Requerente; cc) 23 de Outubro de 2003, a 26º Requerente; dd) 13 de Dezembro de 2003, o 27º Requerente (F).

        3. – E intentaram no Tribunal de Trabalho de Aveiro as respectivas acções judiciais tendo em vista o reconhecimento dos respectivos direitos (alínea H).

        4. – No âmbito desses processos foram...

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