Acórdão nº 317/2002.C3 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Maio de 2009
Magistrado Responsável | GONÇALVES FERREIRA |
Data da Resolução | 19 de Maio de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A...
, residente na ..., intentou acção, com forma de processo ordinário, contra Companhia de Seguros B...
, com sede na ..., alegando, em resumo, que: No dia 01/07/2000, na E.N. nº 16, ao Km 152,600, em Celorico da Beira, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula JO-00-00, por si conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula QI-00-00, seguro na ré, propriedade de C....
e conduzido por D...
.
Em consequência do acidente sobreveio a morte do condutor do veículo QI e ferimentos graves para si próprio, determinantes de incapacidade para o desempenho de qualquer trabalho.
A responsabilidade do acidente é totalmente imputável ao condutor do QI, por circular dentro de uma localidade, a mais de 90 quilómetros por hora e com uma taxa de álcool no sangue de 3,14 g/l, o que o levou a perder o controlo do veículo e a invadir a meia faixa de rodagem contrária, onde colidiu com o JO.
As lesões sofridas acarretaram para si danos patrimoniais e não patrimoniais, alguns daqueles ainda ilíquidos, que estima (os líquidos) em € 52.327,64 e € 124.669,00, respectivamente.
Concluiu pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia, já liquidada, de € 176.996,64, e, bem assim, a que se viesse a liquidar em execução de sentença, resultante de despesas e honorários relativos à providência cautelar proposta e à presente acção, de transportes e de custos de tratamentos, medicamentos e eventuais operações a que venha a ser submetido no futuro em consequência de lesões ou sequelas do acidente, de salários perdidos e de todas e quaisquer despesas que lhe advenham, nomeadamente as devidas com a contratação de advogado ou de terceira pessoa e outras que na data da entrada da acção ainda não eram líquidas.
Regularmente citada, a ré contestou, impugnando a generalidade dos factos alegados, por desconhecimento dos mesmos.
Concluiu pela improcedência da acção.
No despacho saneador foram afirmadas a validade e a regularidade da lide.
A matéria de facto seleccionada não foi objecto de reclamação.
Ordenada e realizada perícia médico-legal, veio o autor deduzir incidente de liquidação, relativamente a danos patrimoniais futuros, a despesas de ordem médica e medicamentosa e a ajudas que foi forçado a pagar, mas deixando, ainda, para posterior liquidação os custos que viesse a suportar.
A ré contestou a liquidação, afirmando o desconhecimento de parte dos factos, a falta de verdade de outros e o exagero dos montantes peticionados.
A selecção da matéria de facto do incidente foi alvo de reclamação do autor, totalmente atendida.
Realizado o julgamento e fixada, sem reparos, a matéria de facto, foi proferida sentença que condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 311.493,86, acrescida de juros, à taxa legal, sobre o valor de € 13.420,51, desde a citação, e sobre o quantitativo de € 298.073,35, desde a notificação da sentença, em qualquer caso, até integral pagamento, e, ainda, as despesas que o autor tiver de suportar no futuro em consequência das lesões emergentes do acidente dos autos.
Inconformados, a ré e o autor, mas este subordinadamente, interpuseram recurso (recebido, em ambos os casos, como apelação, com efeito devolutivo), alegaram e formularam as seguintes conclusões:
-
A ré: 1) A sentença é nula, por ter condenado em quantidade superior à pedida; 2) A quantia atribuída a título de danos não patrimoniais (€ 100.000,00) é excessiva, não devendo ultrapassar os € 62.500,00. 3) Exagerada é, igualmente, a importância relativa aos danos patrimoniais (€ 211.493,86), que se deverá quedar pelos 125.000,00.
4) Foram violados os artigos 380.º e 668.º do CPC e 566.º e 496.º do CC.
-
O autor: 1) Na petição inicial foi liquidada a importância de € 52.277,64; 2) A ré foi citada para os termos da acção, mas não pagou tal quantia; 3) Os juros vencidos desde a citação deverão incidir sobre € 52.277,64 e não, apenas, sobre € 13.420,51.
Nenhuma das partes respondeu à alegação da outra.
A ex.ma juiz signatária da sentença pronunciou-se pela inexistência da nulidade arguida pela ré.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
São questões a requerer solução: 1) A nulidade da sentença; 2) A quantificação dos danos (patrimoniais e não patrimoniais); 3) Os juros de mora.
-
Na sentença apelada foram dados por assentes estes factos: 1 – No dia 1 de Julho de 2000, cerca das 5 horas, na E.N. 16, Km 152, 600, na localidade de Celorico da Beira, ocorreu um embate entre o veículo de marca «Alfa Romeo» de matrícula JO-00-00, conduzido pelo A, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula QI-00-00, propriedade de C..., residente na ..., e conduzido por D... residente em ...., pertencente a esta comarca – Al. A).
2 – Nas circunstâncias de tempo assentes em A), o A conduzia o JO, no local também aí assente, no sentido Celorico da Beira-Ratoeira, no IP5, pela sua mão de trânsito e com ele, seguia, transportado naquele veículo, E...
, residente em ..., enquanto que no sentido Ratoeira – Celorico da Beira seguia o QI – Al. B).
2 – A estrada, no local, tem a largura de 8, 69 metros, situa-se numa localidade, com habitações junto à mesma, e apresenta a seguinte configuração: – No sentido seguido pelo QI, desenha-se em recta, seguida de uma curva à sua direita; – No sentido seguido pelo JO, desenha-se em recta, seguida de curva para o lado esquerdo – Al. C).
3 – A curva aludida em C) é separada por linha longitudinal contínua – Al. D).
4 – Nas circunstâncias de tempo e de lugar assentes em A), D... conduzia o QI com uma taxa de alcoolemia de 3,14 g/l – Al. E).
5 – D..., aquando da curva assente em C), seguiu em frente, ultrapassou a linha longitudinal contínua assente em D) e não esboçou qualquer travagem, após invadir a hemi-faixa de rodagem correspondente ao sentido Celorico da Beira – Ratoeira (IP 5) – Quesitos 2.º, 3.º e 4.º.
6 – Em consequência, embateu de frente no JO, totalmente na hemi-faixa de rodagem correspondente àquele sentido de trânsito, com o que impediu que o JO prosseguisse a sua marcha – Quesitos 5.º, 6.º e 7.º.
7 – O que se deveu, além do mais, à velocidade a que seguia e à circunstância de D... conduzir com a taxa de alcoolémia supra referida – Quesitos 8.º e 9.º.
8 – No pavimento da referida hemi-faixa de rodagem ficaram vidros partidos e óleo de ambos os veículos – Quesito 7.º.
9 – Em consequência do embate, o JO ficou com afrente virada para o sentido oposto ao seguido, imobilizado com a parte traseira já fora da faixa de rodagem – Quesitos 11.º e 12.º.
10 – Mediante contrato de seguro de responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação ocorridos com o QI, titulado pela apólice n.º 716339, D... declarou transferir aquela responsabilidade para a ora ré – Al. U).
11 – A ré já pagou ao autor, na sequência da decisão proferida na providência cautelar apensa, desde Agosto de 2002 a Dezembro de 2007, a quantia de € 57.471,56 – Al. V).
12 – Em consequência do acidente, resultou a morte de D... – Al. F).
13 – O JO ficou destruído, não valendo os salvados mais do que € 500,00 – Al. G).
14 – À data do acidente o JO tinha um valor de cerca de € 5.000,00, atendendo ao seu bom estado de conservação – Quesitos 79.º e 80.º.
15 – Em consequência do embate, o autor ficou em estado de coma, tendo sido de imediato conduzido ao Centro de Saúde de Celorico da Beira e, de seguida, transportado para o Hospital da Guarda, de onde veio ser transferido para os Hospitais da Universidade de Coimbra, onde se manteve internado durante 30 dias, vindo, depois, a ser transferido para os Hospitais de Santo António e de São João, no Porto, Macedo de Cavaleiros e, finalmente, para o Hospital de Bragança – alínea H).
16 – Em consequência do embate, o A sofreu fractura do fémur, tíbia e perónio esquerdo e direito, lesão da rótula direita, fractura do maxilar e traumatismo crâneo-encefálico, com afundamento da região frontal direita – Quesitos 13º, 14º, 15º e 16º).
17 – Em consequência da fractura da tíbia e do perónio esquerdo, o A jamais conseguirá andar sem que o seja com o auxílio de canadianas – Quesito 19º).
18 – O A ficou, também, com dificuldade de marcha o que, em termos técnicos, se traduz em hiperreflexia bilateral associada a ligeira parapésia de predomínio esquerdo associada a limitação de dorsiflexão do pé direito – Quesitos 29º e 30º).
19 – Em consequência do embate e das mazelas mencionadas, teve que ser novamente operado às pernas, para retirada de material de osteosíntese –Quesitos 42.º e 43.º.
20 – Em virtude do acidente, o autor esteve, desde 01.07.2000 até 26.11.2000, em situação de incapacidade temporária geral total, num total de 199 dias – Al. X).
21 – Mais esteve, desde 27.11.2000 até 11.07.2001 e desde 01.09.2001 até 15.09.2001, numa situação de incapacidade temporária geral, num total de 242 dias – Al. Y).
22 – E esteve, desde 10.07.2000 até 15.09.2001, numa situação de incapacidade temporária profissional total, num total de 442 dias – Al. Z).
23 – Sofreu, durante o período de incapacidade temporária, dores fixáveis no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente – Al. AA).
24 – Em virtude do embate referido, o autor ficou com uma incapacidade permanente geral de 45% – Al. AB).
25 – Em virtude do embate referido em A), o autor ficou com sequelas que afectam a imagem que tem de si próprio e perante os outros num grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente – Al. AC).
26 – Desde a data da alta que o autor tem uma ferida aberta, em purga contínua, a qual necessita de acompanhamento e tratamento médico diário, apesar das intervenções cirúrgicas – Quesitos 20.º e 21.º.
27 – Em 15.09.2001, continuava a fazer tratamento diário à ferida da perna – Quesito 73.º.
28 – Em consequência do embate, o autor ficou com perdas de memória, cefaleias, tonturas, irritabilidade e cansaço fácil – Quesitos 22.º a 26.º.
29 – O que, em termos técnicos, se traduz em deterioração marcada das funções...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO