Acórdão nº 1442/03.5TBVNO.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Maio de 2009
Magistrado Responsável | GONÇALVES FERREIRA |
Data da Resolução | 19 de Maio de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A....e mulher, B....
, residentes em Vilar dos Prazeres, Ourém, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra C...., solteiro, residente ….., alegando, em resumo, que: A 16 de Setembro de 2003, o Réu outorgou, no Segundo Cartório Notarial de Tomar, uma escritura pública de justificação, mediante a qual declarou que, com exclusão de outrem, era dono e legítimo possuidor de um prédio que identifica, o qual foi por si adquirido por compra verbal aos Autores, em Março de 1983, sendo que, desde então, o possui de forma pública, continuada e de boa fé, na convicção de ser seu proprietário.
Todavia, tais declarações não são verdadeiras, porquanto nunca o Réu possuiu tal prédio, pertencendo este aos Autores. O prédio em causa veio à posse do Autor marido por morte de seu avô (sendo seu pai pré-falecido), ocorrida em Março de 1976, e cujos bens foram partilhados em Dezembro desse ano. Tal prédio correspondia a 3/4 de um prédio que pertencia ao de cujus, sendo que, por acordo com a sua irmã, veio o Autor a ficar com a parte do mesmo correspondente àquele que o Réu declarou ser seu.
Desde Dezembro de 1976, que eles, autores, exercem sobre o identificado prédio actos de posse, os quais são públicos, continuados e de boa-fé, na convicção de serem os seus legítimos proprietários, razão pela qual, celebraram, em 28 de Janeiro de 2002, uma escritura pública de justificação, declarando-se adquirentes do mesmo por usucapião.
É certo que os Autores celebraram com o Réu um contrato-promessa de compra e venda do referido prédio, mediante o qual prometeram vender-lho, tendo recebido deste um sinal. Porém, nunca o Réu lá exerceu quaisquer actos de posse, estando emigrado para o estrangeiro desde 1985.
O Autor marido contactou, por diversas vezes, o Réu para realizarem a escritura pública de compra e venda, tendo este sempre dito que não tinha pressa e que a mesma se realizaria quando calhasse.
Hoje, já não têm interesse em vender, pelo que pretendem devolver ao Réu, em dobro, o sinal por este entregue.
Concluíram pedindo se declarasse nula e de nenhum efeito a escritura pública de justificação notarial celebrada pelo réu em 16 de Setembro de 2003, no Segundo Cartório Notarial de Tomar, com o consequente cancelamento de todos os registos que o mesmo tenha feito ou venha a fazer em seu favor sobre o mencionado prédio.
Regularmente citado, o Réu contestou e deduziu reconvenção, afirmando, em breve síntese, o seguinte: As declarações por si vertidas na escritura pública de justificação são verdadeiras, uma vez que possui o prédio em questão desde Março de 1983. Com efeito, desde então, à vista de toda a gente e de forma continuada, ali plantou árvores de frutos, nivelou o terreno, fez uma placa para um poço existente e fez criação de gado suíno, tudo no convencimento de ser seu legítimo proprietário. E, mais, autorizou a sua mãe e outras pessoas por si contratadas a amanhar e cultivar o prédio.
Os Autores, proprietários do prédio até Março de 1983, venderam-lho pelo preço de 900.000$00, valor este integralmente entregue. Tal venda foi negociada verbalmente entre os Autores e o pai do Réu, que agiu em nome deste, o qual prestou, desde logo, um sinal de 50.000$00.
Os Autores, na altura, comprometeram-se a legalizar o prédio, criando um artigo matricial próprio, destacado do prédio onde o mesmo estava inserido. Porém, como tal legalização demorava, acordaram em celebrar um contrato-promessa de compra e venda, o que vieram a concretizar no dia 29 de Março de 1985, sendo que o restante da quantia que faltava para o preço de 900.000$00 (ou seja, 850.000$00) foi entregue no dia 1 de Abril de 1985, emitindo os Autores o correspondente recibo de quitação.
Em 28 de Janeiro de 2002, os Autores celebraram uma escritura pública de justificação, mediante a qual se declararam donos e legítimos possuidores do prédio, aduzindo, falsamente, que o possuíam desde 1983, sendo, por isso, seus adquirentes por usucapião.
Terminou pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, com a declaração de nulidade da escritura de justificação outorgada pelos autores em 28 de Janeiro de 2002 e o cancelamento dos registos efectuados em nome deles e, bem assim, com a declaração de ser o Réu o dono e legítimo proprietário do prédio.
Os Autores responderam à reconvenção, impugnando os factos alegados pelo réu e concluindo como na petição inicial.
No despacho saneador foram declaradas a validade e a regularidade da instância.
Os factos assentes e os que constituem a base instrutória não foram objecto de reclamação.
Realizada a audiência de discussão e julgamento e dadas as respostas aos pontos controvertidos da base instrutória, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção, mas este Tribunal da Relação ordenou a repetição parcial do julgamento, devido à falta de registo dos depoimentos de quatro testemunhas.
Recolhidos esses depoimentos e fixada a matéria de facto, foi elaborada nova sentença, que julgou a causa nos mesmos termos da anterior.
Outra vez inconformados, os autores interpuseram recurso (recebido como apelação, com efeito devolutivo) e apresentaram as suas alegações, que concluíram desta forma (transcrição “ipsis verbis”): 1) Julgou incorrectamente ao considerar o provado nas alíneas 20 e 25 da douta sentença porquanto não resultam dos depoimentos do réu, nomeadamente das testemunhas do réu factos de que resultasse com a precisão que exige o artigo 638, nº 1 do CPC a prática de actos de posse antes de 1985; 2) Mesmo a admitir-se que resultasse prova testemunhal para o provado em 20 e 25 da, a venda da parcela de terreno em 29/03/1985 está provada por documento com força probatória plena nos termos dos artigos 373 a 379 do Código Civil, pelo que, nesta parte não poderão estar admitidos os factos dados como provados na alínea 25 da douta sentença de que: “Em 1983 os autores declararam verbalmente vender o referido terreno ao réu, pelo preço de 900.000$00”, violando-se o disposto no n.º 1 do artigo 394 do Código Civil; 3) Não se dando por provada a venda em 1983 mas em 29/03/1985 o réu não adquiriu por usucapião a parcela de terreno na medida em que estamos perante uma posse sem título (artigo 1296 Código Civil), de má fé, cujo prazo para aquisição por usucapião é de 20 anos e uma vez que a escritura de justificação notarial foi outorgada em 16/09/2003, ainda não estava preenchido o referido prazo de 20 anos, concluindo-se aquele prazo só após 29/03/2005; pelo que, violou o disposto no artigo 1294 e 1296 do Código Civil; 4) O prazo de 20 anos deve considerar-se interrompido face à citação do réu operada em Novembro de 2003, pelo que, o prazo de 20 anos ainda não se completou não podendo considerar-se a aquisição da propriedade pelo réu por usucapião; 5) O animus possidendi refere-se a 3/4 indivisos de um terreno registado na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º 21.189 do Livro B-48, a fls. 121 verso e inscrito na Repartição de Finanças sob o artigo matricial nº 922, ambos da freguesia de Nossa Senhora das Misericórdias e não à parcela objecto de usucapião a qual não é indivisa e da qual não existiu acto de divisão ou demarcação dessa indivisibilidade, pelo que, não existe harmonia quanto à descrição predial e inscrição matricial, violando-se desta forma o artigo 28 do Código de Registo Predial; 6) Ao não ter decidido em conformidade ao exposto neste recurso violou a decisão recorrida as disposições dos artigos 638 do C.P.C., dos artigos 394, nº 1, 1294 e 1296 do Código Civil e artigo 28 do Código Registo Predial, razão pela qual deve ser revogada e substituída.
O réu não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, já que nada obsta ao conhecimento de mérito.
São as seguintes as questões a decidir:
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A alteração da matéria de facto; b) A propriedade do prédio identificado nos autos.
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A matéria de facto dada por provada na sentença: 1) O Réu outorgou uma escritura de justificação notarial no 2.º Cartório Notarial de Tomar, a 16 de Setembro de 2003, no Livro de Notas n.º 153-I, a fls. 14, conforme publicação no jornal «Notícias de Fátima», em 10 de Outubro de 2003 (alínea A) da matéria assente); 2) Nos termos da referida escritura, o Réu declarou: «que com exclusão de outrem é dono e legítimo possuidor do seguinte prédio: Rústico, composto de terra de semeadura com oliveiras e árvores de fruto, com dois mil, cento e oitenta metros quadrados, no sítio de Vale Coelho, limite de Vilar dos Prazeres, freguesia de Nossa Senhora das Misericórdias, concelho de Ourém, a confinar do norte e nascente com Amaro Faria Eugénio, sul H....e poente Rui Santos, inscrito na matriz sob o artigo 12.098 com o valor patrimonial de 49,88 € a o atribuído de cem euros» (alínea B) da matéria assente); 3) Mais tendo declarado que o referido prédio não se acha descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, encontrando-se na matriz inscrito em nome do justificante, e tendo vindo à sua posse por compra verbal que fez a A.... e mulher B...., residentes em Vilar dos Prazeres, em Março de mil novecentos e oitenta e três, sem que dela ficassem a dispor de título suficiente e formal que lhe permita o respectivo registo (alínea C) da matéria assente); 4) Que possui o indicado prédio, em seu nome próprio, há mais de vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o seu início, posse que sempre exerceu sem interrupção e ostensivamente com o conhecimento de toda a gente da freguesia de Nossa Senhora das Misericórdias, lugares e freguesias vizinhas, traduzida em actos materiais de fruição, conservação de defesa, nomeadamente, usufruindo dos seus rendimentos, cultivando e colhendo os respectivos frutos, pagando os respectivos impostos e contribuições, agindo sempre pela forma correspondente ao exercício do seu direito de propriedade, sendo por isso uma posse pública...
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