Acórdão nº 185/05.0GAOFR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução25 de Junho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Nos presentes autos, com o nº 185/05.0GAOFR, do Tribunal de Oliveira de Frades, foram as arguidas …, … condenadas, cada uma, na prática de um crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artº 143º, nº1, do CP, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00. As mesmas arguidas foram condenadas nos pedidos de indemnização que dirigiram uma contra a outra, sendo … condenada a pagar a … a quantia de €517,61 e esta a pagar à primeira a quantia de €549,65, em ambos os casos acrescidas de juros desde a prolação da sentença até efectivo pagamento. O demandado … foi absolvido do pedido contra si deduzido por ….

Inconformada com a condenação, veio a arguida … interpor recurso, extraindo das motivações as seguintes conclusões: C) — CONCLUSÕES Considerando que: 1ª — Da prova produzida em Audiência de Julgamento, gravada em suporte magnético, decorre que: Encontram-se incorrectamente julgados os seguintes factos que o Tribunal "A Quo" deu como provados, ou seja, que da prova produzida tenha resultado provado que:... a arguida … foi buscar um pau, cujas características concretas não foi possível determinar, e levantou-o em direcção à arguida …; nessa desordem, a arguida … desferiu um golpe com o dito pau que empunhava na cabeça da arguida … e empurrou-a nas costas ...; como consequência directa e necessária das agressões infligidas pela arguida …. na arguida …, sofreu, esta última, traumatismo crâneo-encefálico ligeiro com fractura de risco e hematoma no couro cabeludo e dores nas costas; A arguida …, ao actuar da forma descrita, agiu com o propósito concretizado de molestar fisicamente a arguida …; actuaram sempre as arguidas de vontade livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

  1. — Para a decisão proferida o Tribunal recorrido atendeu, de acordo com a fundamentação apresentada, ao depoimento da co-arguida e ofendida …, ao exame médico por ela feito, bem como ao depoimento das testemunhas … e … (respectivamente filho e nora da ofendida …, se bem que, no que a estes diz respeito, não deixou o Tribunal recorrido de considerar tais depoimentos como sendo parciais), não porque tenham conhecimento directo dos factos por os terem presenciado, mas porque relataram, ainda que de forma parcial, os danos alegadamente apresentados pela Ofendida; 3ª — No que toca ao depoimento da ofendida …, constante da Cassete ia - Lado A, da rotação nº. 282 à rotação nº. 1764 verificamos que é ela mesma que refere que, estando munida de um ancinho, acabou por desferir "com as costas do ancinho que empunhava um golpe na cabeça da arguida Diamantina ", o que teve como consequência directa, imediata e necessária uma ferida corto-contusa na região frontal direita suturada com 9 pontos, que lhe determinaram 8 a 10 dias de doença, sendo 8 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 8 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional ", pelo que se constata que a agressão perpetrada pela arguida/ofendida …, feita na zona da cabeça da ora recorrente, foi bastante significativa, ao ponto de ter determinado a esta última 8 a 10 dias de doença com afectação da capacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional, tornando-se assim incongruente que, tendo sido agredida de forma violenta e na zona da cabeça, tivesse a ora recorrente, apesar da sua idade já avançada, ainda forças para agredir a suposta ofendida …; 4ª — O Tribunal "A Quo" para além de ignorar esta significativa incongruência, ignorou ainda outras contradições relevantes para se aferir da credibilidade deste depoimento da ofendida, nomeadamente algumas contradições que se prendem com o enquadramento temporal e a sequência das agressões, bem como ignorou o facto relevante da queixa apresentada pela suposta ofendida, apesar da gravidade das agressões que a mesma diz ter sofrido, ter ocorrido apenas cerca de 2 meses após a prática dos mesmos; é certo que, não ignoramos, a queixa pode ser apresentada num espaço de 6 meses a contar da data da prática dos factos, mas também é um facto que o Tribunal, na formação da sua convicção, deve ter em atenção todos os factos relevantes que apontem para o que deve ter acontecido, sendo certo que na situação vertente é evidente que a suposta ofendida apenas se decidiu queixar das supostas agressões que sofreu depois de saber que a ora recorrente se havia queixado das agressões que a mesma lhe havia perpetrado, surgindo a queixa contra a ora recorrente apenas como um contra-fogo à queixa por si apresentada; 5ª — Importante se torna também não olvidar que, para além da arguida/ofendida …, todas as testemunhas da acusação pública e do pedido de indemnização civil formulado pela arguida/ofendida … inquiridas a respeito dos factos que são imputados à ora recorrente … sempre disseram que não presenciaram as supostas agressões ocorridas, não deixando margem para quaisquer dúvidas a este respeito e não podendo contribuir, por isso mesmo, para a formação da convicção do Tribunal relativamente aos factos que se pretendem impugnar com o presente recurso, sendo que tal é visível se atentarmos no depoimento da testemunha …, constante da Cassete1ª - Lado B, da rotação nº. 572 à rotação nº. 1381, no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 1ª - Lado B, da rotação nº. 1381 à rotação nº. 1997, no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 1ª - Lado B, da rotação no. 1998 à rotação nº. 2065, no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 1ª - Lado B, da rotação nº. 2065 à rotação nº. 2543 e da Cassete 28 - Lado A da rotação nº. 1 à rotação nº. 580, no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 2ª - Lado A, da rotação nº. 581 à rotação nº. 1364 e no depoimento da testemunha …, constante da Cassete 3ª - Lado A, da rotação nº. 153 à rotação nº. 1457; 6ª — No que diz respeito ao relatório médico tido em conta pelo Tribunal recorrido na elaboração da sentença em recurso, cumpre apenas referir que o mesmo, para além de não atestar, naturalmente, o autor ou responsável pelas lesões que ofendida/arguida apresentava, também não esclarece relativamente à data em que as mesmas teriam ocorrido, limitando-se a dizer que as lesões apresentadas seriam compatíveis com a informação prestada, sendo que tal informação foi prestada por quem, como vimos supra, tem manifesto interesse na solução a dar ao presente litígio e, de qualquer forma, certamente que muitas outras informações que a ofendida pudesse prestar seriam compatíveis com essa lesão mínima que ela apresentava; 7ª — Com esta decisão, de forma grave e indesculpável, se viola um princípio universalmente aceite e um dos mais importantes ao nível do processo de natureza criminal, que é o princípio do "in dúbio pro reo", já para não se falar da violação de princípios constitucionais como o princípio da presunção da inocência (art. 32°, nº. 2 da CRP) e o princípio do acusatório (art. 32°, nº. 5 da CRP); 8ª — Entre nós não vigora o princípio da presunção da culpabilidade, pelo que não é à arguida que cabe fazer prova da sua inocência, mas é, em virtude da natureza acusatória do processo penal, ao Ministério Público que cabe fazer a prova inequívoca (ou numa terminologia mais anglo-saxónica, "a prova para além de qualquer dúvida razoável") da culpabilidade da arguida, só podendo a mesma ser condenada se não se afigurar ao Tribunal mais nenhuma explicação razoável para o sucedido, o que não acontece manifestamente no caso sub iudice; 9ª — Apesar de o Tribunal recorrido ser livre na apreciação que faz da prova produzida e de ser o único com contacto directo com essa mesma prova (no que toca ao nível da prova testemunhal), certo é que não podemos ver aí um garante da correcção das suas decisões, ainda para mais num caso como o dos presentes Autos em que nenhuma prova foi feita que aponte indiscutivelmente no sentido da culpabilidade da arguida pelos factos pelos quais vem acusada; 10ª— Em situações, como a presente, em que o Tribunal recorrido pura e simplesmente se agarrou com "unhas e dentes" ao depoimento interessado da ofendida, em que o Tribunal recorrido se limitou a considerar como não credível o depoimento prestado pela Arguida …em que o Tribunal recorrido olvida completamente o facto de nenhuma testemunha inquirida ter presenciado os factos que são imputados à aqui recorrente, dever-se-á sempre privilegiar o princípio da justiça formal, alterando a decisão em tudo que não esteja conforme com os princípios constitucionais e até supra-constitucionais que norteiam o nosso ordenamento jurídico-penal, pois só assim se dará cabal cumprimento aos valores que devem nortear a boa administração da justiça, para a qual todos temos o dever de contribuir; 11ª — É incontestável que deveria a factualidade supra referida e dada como provada na Sentença, ora objecto de recurso, ser corrigida e alterada por forma a serem dados como não provados tais factos; 12ª — Da prova produzida, não resulta evidente (nem sequer aparente) que a Arguida praticou os factos que lhe são imputados na acusação pública, e, portanto, que tenha incorrido no crime de que vem acusada, tendo causado à Ofendida qualquer tipo de danos patrimoniais ou morais; 13ª — Se a Mma Juiz A Quo tivesse feito uma correcta interpretação e valoração de todos os depoimentos prestados em audiência de Julgamento, dando por não provada a acusação pública no que ao crime de ofensas à integridade física imputado à...

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